Foto: Luiza Sigulem

POR LEONOR AMARANTE

A fotógrafa Luiza Segulem não se limita a registrar corpos em movimento: ela desafia a lógica do olhar em um conjunto de imagens que integra a coletiva 34ª edição do Programa de Exposições do CCSP, inaugurada neste sábado (23), no Centro Cultural São Paulo.

Após um acidente, durante um treino de escalada na academia, sua vida tomou outro rumo. “Comecei este projeto em março do ano passado, quase como uma desculpa para voltar a sair e circular pela cidade. Com a mobilidade reduzida e vivendo em uma São Paulo hostil nesse aspecto, encontrei forças para ocupar os espaços públicos, sentir novamente a cidade pulsando e retomar a fotografia, algo que não praticava há muito tempo”.

Sua ideia era explorar escalas e perspectivas. Foi daí que surgiu o projeto de retratos, mas não retratos tradicionais. Ela se espelhou na história da arte, em como o retrato sempre refletiu status, gestos e posturas ligadas ao poder ou à classe social. “Hoje, vemos padrões semelhantes nos retratos na internet ou nas revistas, sempre reproduzindo corpos, gestos e pontos de vista específicos. Eu queria questionar isso”. Então Luiza cria um “estúdio fotográfico”, uma espécie de fundo infinito adaptado, abaixo da altura convencional, à altura de seu olhar quando sentada na cadeira de rodas, com cerca de 1,40 m. Circulando por pontos diferentes da cidade ela passou a convidar quem passava para interagir e posar para ela, respeitando os limites e possibilidades de cada corpo. “Meu propósito, era um convite para pensar o que consideramos natural na circulação e na presença dos corpos no espaço urbano”.

Tudo começou há cinco anos, pouco antes do início da pandemia, literalmente um mês antes de o mundo se fechar. “Era o período da Covid, foi então que a fotografia voltou a se impor em meu cotidiano”. Confinada em casa, Luiza passou a registrar as pessoas que a visitavam. Esses retratos tornaram-se mais do que simples imagens: eram tentativas de preservar fragmentos de presença em um período marcado pela suspensão do tempo e pela fragilidade da memória.

Após anos de afastamento, quando abandonou a fotojornalismo para se dedicar à psicanálise, ela reencontrou na fotografia não apenas um ofício, mas uma forma de elaborar o vivido, de transformar a ausência em vestígio e o instante em permanência.

Em suas fotografias, Luiza tensiona o corpo, o espaço urbano e o gesto cotidiano. Sua prática não se reduz ao simples ato de registrar; é antes de tudo um exercício crítico, em que a fotografia se torna reflexão sobre os limites da norma, sobre o enquadramento social dos corpos e sobre a potência de reinventar o visível.

Com o forte perfil de fotojornalista, com passagem por jornais como a Folha de S.Paulo e revistas como Brasileiros e ARTE!Brasileiros, Luiza quis voltar a fotografar. “Por ter feito muito retrato, minha ideia era desconstruir os padrões e pensar um jeito diferente de olhar para o mundo e as pessoas. Minha perspectiva era também que eu pudesse criar uma questão com isso”. Luiza foi convidando as pessoas que circulavam para interagirem e posar para ela, mas sempre pensando nesse limite, cada um controlando a extensão de seu corpo.

A presença do projeto nas praças é estimulante, porque provoca vivências fragmentadas que ela vê também, como performances. “Algumas pessoas criam situações que têm um pouco de dança, têm algo talvez de escultura, a partir do que eu vou propondo”. Conceitualmente é isso, mas do ponto de vista prático é mais complexo, ela depende de pessoas que a ajudam no deslocamento.

Ao expandir seu trabalho por diferentes territórios, ela não perde de vista a questão entre o público e o privado. “O primeiro local que atuei foi a Praça da República, pensando em pontos de grande circulação. Depois, cheguei à Guarapiranga, à Zona Norte, ao Parque do Trote, à feira do Bixiga, fui me deslocando para outras regiões, até chegar à Oscar Freire e ao Iguatemi”. Em cada bairro ela vivenciou atuações e posturas diferentes. Os personagens retratados são sempre passantes, todos em constante movimento. “Há também aqueles que apenas atravessam o local, vindos de outro lugar e que não permanecem, se dissolvem na multidão e se fundem a outros corpos”.

O projeto como um todo, tem a ver com a psicanálise, segundo Luiza. “A minha ideia era também que as pessoas experimentassem o próprio corpo e sentissem os seus limites. Propus algo que as pessoas, em geral, não fazem”. Ela mesma confessa que não sabe toparia participar.

As diversas cenas registradas por Luiza me lembram Merleau-Ponty, numa frase que não é textual, mas traz a ideia de que “o corpo é o veículo do ser no mundo”.


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