Vista da exposição "Ajuntamentos", de Afonso Tostes, na Fundação Iberê Camargo. Foto: Nilton Santolin
Vista da exposição "Ajuntamentos", de Afonso Tostes, na Fundação Iberê Camargo. Foto: Nilton Santolin

Até o dia 22 de outubro, a Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre (RS), recebe Ajuntamentos, do artista plástico mineiro Afonso Tostes. A exposição traz desdobramentos da mostra de mesmo nome que no início do ano marcou a estreia de Tostes na Galeria Luciana Brito, em São Paulo – até então, ele era representado na capital paulista pela Milan.

Na Fundação gaúcha, ao centro da expografia, o público encontra grandes esculturas de madeira que remetem a formas totêmicas, como bem definiu Luisa Duarte em seu texto curatorial para exposição realizada anteriormente em São Paulo. As obras foram criadas a partir de troncos, em sua maior parte recolhidos no Parque Ibirapuera, na capital paulista, mas também no Rio de Janeiro, onde Tostes mora.

Marcam essas esculturas uma “estabilidade tênue”, também como descrito por Duarte. Um equilíbrio delicado mantido, sugere Tostes, com o apoio de cunhas e estruturas delgadas e retorcidas, que imitam galhos, também feitas pelo artista com pedaços de madeira, e a que ele chama de bengalas.

“Eu comecei a desenvolver esses trabalhos há pelo menos uns cinco anos, antes mesmo da exposição na Luciana Brito, mas eles não haviam sido mostrados até então”, conta Tostes à arte!brasileiros.

“Eles, no entanto, não representam uma grande ruptura em relação à minha linha de trabalho, tampouco seguem uma sequência lógica. Meu processo criativo sempre está ligado aos materiais que vou recolhendo e com que eu vou convivendo dentro de meu estúdio”.

As ideias que afloram dessa convivência, afirma Tostes – dentro de seu campo de pesquisa sobre natureza, meio ambiente e relação com o ambiente, urbano ou natural – ficam “fervilhando” em sua cabeça até desaguarem nas obras que apresenta ao público. “Quando eu faço uma exposição como Ajuntamentos, estou não somente juntando aquelas ideias, como também trabalhando minhas referências, vivências, a observação daquilo que, eu entendo, me forma como artista”.

Tostes também afirma que essas obras refletem ainda suas ideias acerca do meio cultural e artístico numa estrutura mercadológica. “Uma estrutura também mais ampla, que define o que é arte contemporânea, em contraponto a informações que vêm de um lugar que não se relaciona com a arte como um produto, a ser exibido dentro de contextos mercadológicos, por sua vez, e por isso historicamente aceitos”.

Além das esculturas de madeira, em Ajuntamentos, Afonso Tostes reapresenta a série Reforma, com telas feitas a partir do pó da madeira, resultante do lixamento das esculturas, e que faz as vezes de “tinta”. Na Fundação Iberê Camargo, Tostes acrescentou novos trabalhos à mostra original, feitos in loco, durante duas temporadas em Porto Alegre, a exemplo de duas xilogravuras e uma série de gravuras.

O artista ressalta que a busca por uma ideia de essência e de simplicidade percorre toda a sua obra. Em texto feito para a exposição na Fundação Iberê Camargo, ele afirma que tenta “encontrar beleza na poética mais simples possível”. Isso, diz ele, é evidenciado em sua relação com estruturas – em criações anteriores, um exemplo disso é o “jardim de ossos” que em 2010 ele “plantou” no Museu da Casa Brasileira, em uma exposição com curadoria de Agnaldo Farias.

Em Ajuntamentos, seus troncos sustentados por bengalas são, novamente, estruturas, mas já “não tão confiáveis”, desequilibradas pelas próprias intervenções do artista, diz Tostes, seja pelo corte quanto pela tentativa de reconstrução “daquilo que não mais está lá”, ou seja, as árvores de onde vieram.

Tostes faz questão de ressaltar que Luciana Brito foi uma importante interlocutora no processo de criação de Ajuntamentos, tanto em São Paulo quanto em Porto Alegre. Já a galerista afirma que costuma trabalhar sempre de modo próximo aos artistas: “Eu lido muito deste jeito com aqueles que represento. É como uma parceria, em que conversamos sobre o projeto, ajudo com minha experiência com montagens etc.”, explica Luciana. “Ao mesmo tempo, eu dou muita liberdade aos artistas. Eles fazem suas exposições exatamente como planejaram”.

Parte desta parceria com Luciana Brito, que frequentava de modo recorrente o estúdio do artista, garantiu a Tostes a possibilidade de produzir suas peças, em especial os grandes troncos de madeira, em São Paulo, numa oficina que a galerista conseguiu prover. Também na Fundação Iberê Camargo, conta Luciana, a galeria foi bastante participante na instalação das obras de Tostes. “É preciso ressaltar que o Emilio Kalil também dá muita abertura para essas colaborações. Ao fim, foi um trabalho feito a seis mãos”, assevera.

Luciana salienta ainda que Ajuntamentos ampliou o leque artístico Afonso Tostes. “Ele abriu várias frentes em ambas exposições. Os trabalhos com jornais, que não haviam sido mostrados em São Paulo, são um exemplo. Já as esculturas são todas inéditas, e as pinturas estão fazendo muito sucesso porque ele sempre foi mais conhecido como escultor. Inclusive do ponto comercial podemos afirmar que a gente vendeu superbem”.

Ainda que haja novidades em Ajuntamentos, Luciana faz questão de ressaltar que há sempre muita coerência no trabalho de Tostes. “Ele tem uma investigação muito própria, em que se utiliza de materiais que vai encontrando e recolhendo, algo que também vale para as ferramentas que usa. Dentro desse universo, que pode parecer limitado, ele consegue uma variação superimportante de narrativas sobre a natureza”, argumenta. No panorama da arte contemporânea brasileira, afirma Luciana, Tostes tem uma presença de destaque, com um trabalho muito singular, em que é fiel à sua pesquisa como artista, desde os anos 1980 ou mesmo um pouco antes.


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