Uma das mais importantes instituições culturais de Salvador e da Bahia, tanto por sua história e acervo quanto pelo patrimônio arquitetônico de sua sede, o Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM-BA) passou quase um ano sem diretor. Após esse período – no qual muitos acusaram o governo de descaso com o museu (o MAM está vinculado à Secretaria de Cultura do Estado) – e ainda de portas fechadas por conta da pandemia, a instituição ganha agora novo diretor, o cineasta, comunicador e gestor público Pola Ribeiro.
“Eu tenho consciência de que estou entrando para um projeto de curta distância, já que são os dois últimos anos de um governo de oito anos” diz Ribeiro, em referência à gestão de Rui Costa (PT). “Então não estou com projetos muito mirabolantes, mas com o plano de reestruturar o museu e dar musculatura a ele.” Para além dos ajustes administrativos, Ribeiro – que já comandou o Instituto de Radiodifusão do Estado da Bahia (Irdeb) e a Secretaria de Audiovisual do Ministério da Cultura -, afirma que pretende levar novamente “um pensamento” à instituição, o que teria faltado neste período sem direção.
Para isso quer contar com a presença de um curador-chefe (o nome ainda não foi divulgado), reforçar o trabalho educativo, fortalecer diálogos com outras linguagens artísticas como a música e a dança e se reaproximar da população local e de outras instituições de Salvador. Pretende também reconectar o MAM com o Recôncavo, região localizada em torno da Baía de Todos-os-Santos com intensa influência da cultura e das religiões de matriz africana. “Porque nos últimos 20 anos Salvador deu uma certa esnobada no Recôncavo, como se ela fosse Litoral Norte”, afirma, se referindo à uma região mais turística e rica do Estado.
Nesse sentido, por reforçar a ligação com o mar, Pola não vê com maus olhos a polêmica reforma do píer do Solar do Unhão, que acrescenta um atracadouro para pequenos barcos e lanchas. Nos últimos tempos, diversos arquitetos e urbanistas, entre eles pessoas que já trabalharam no MAM, se manifestaram afirmando que a reforma (que inclui a volta de um restaurante ao piso inferior do museu) distorce o projeto de Lina Bo Bardi – que reformou o Solar nos anos 1960 – e significa uma elitização e turistificação da instituição.
O novo diretor, que assume o museu com a obra já em fase de finalização, ressalta que o projeto foi feito pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e diz que vai trabalhar para que o restaurante esteja à serviço do museu “e não seja algo folclórico, explicitamente turístico”. Leia abaixo a íntegra da entrevista:
ARTE!✱ – Você assume a diretoria do MAM-BA após a instituição ter passado quase um ano sem diretor. Queria que começasse contando um pouco qual a situação do museu hoje. Ou seja, o que você encontrou pela frente?
Pola Ribeiro – O MAM está dentro de um guarda-chuva do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC), como outros dez museus. Então ele esteve sem diretor, mas não ficou totalmente sem uma gestão. Porque ali não é só um museu, é também o conjunto arquitetônico, o patrimônio, e isso não pode ficar largado. Agora, o que aconteceu tem uma certa gravidade, porque o mesmo período em que o museu ficou sem direção foi o tempo da pandemia de Covid-19. Então tem uma expressão aqui na Bahia que diz: “Tem, mas está faltando”. E é um pouco isso. O MAM está lá, mas com muita coisa precisando de reajustes, desde a manutenção do ar-condicionado, do elevador, da câmera de segurança etc. E estamos levantando isso tudo nesse período em que o museu ainda se encontra fechado, para podermos engatar o trabalho. Tem também a reforma na área do restaurante e do píer do atracadouro, que é um projeto do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), tocado pela Secretaria de Turismo, e que vai ser entregue agora no dia 19 de março. Mas para além disso tudo, dos ajustes administrativos e de colocar a coisa para rodar, o MAM ficou sem um pensamento. O museu já teve várias gestões, com pensamentos que vão se modificando a cada novo diretor, todos contribuindo de algum modo, mas nesses dez meses sem diretor ele ficou um pouco improvisado.
ARTE!✱ – Nesse sentido, quais então são os seus planos? Ou seja, qual é o pensamento que você traz para a sua gestão?
Em primeiro lugar estou negociando para trazermos um curador, com a ideia de que o museu tenha um diretor e também um curador-chefe, para pensarmos um projeto museal. E eu tenho consciência de que estou entrando para um trabalho de curta distância, já que são os dois últimos anos de um governo de oito anos. Então não estou com projetos muito mirabolantes, mas com o plano de reestruturar o museu e dar musculatura a ele. Então temos um projeto para o centenário da Semana de Arte Moderna, outro para o bicentenário da Independência do Brasil – e o museu tem essa vocação histórica, ligada ao passado de Salvador e da Bahia, vinculada, por exemplo, à Revolta dos Alfaiates -, e ainda teremos o Salão de Arte da Bahia, que é um evento que já vem acontecendo há alguns anos e deve finalizar nossa programação em 2022. Então temos que fazer esse desenho, e pretendemos também dialogar com outras instituições e eventos de arte, como a Bienal de São Paulo e os museus de arte moderna do país.
Mas quando eu falo desta programação de dois anos não estou dizendo que é uma coisa fechada, porque o que eu estou tentando fazer, colocar para a cidade, é que a gestão daquele espaço vai para além do IPAC, da Secretaria de Cultura, porque ali é uma plataforma da cidade. Eu vejo aquilo como um espaço de diálogo. O MAM está entre a Cidade Alta e a Cidade Baixa; está também do lado tanto de uma das partes mais ricas da cidade, que é a Bahia Marina, quanto de uma comunidade carente; e ele reconecta Salvador com o Recôncavo. Porque Salvador, nos últimos 20 anos, deu uma certa esnobada no Recôncavo, como se ela fosse litoral Norte, Praia do Forte, o que é péssimo para a cidade. Então a gente busca se reconectar com o Recôncavo, lembrando que o MAM está ali na beira do mar, com uma praia quase dentro dele.
ARTE!✱ – Em entrevista ao jornal A Tarde você disse que vai precisar ter uma escuta muito apurada, até por não ser um “nativo das artes visuais”. Você já falou sobre trazer um curador, mas poderia falar um pouco mais sobre esse assunto? Essa escuta se refere a pessoas de dentro e de fora do museu?
Pensando na cidade, eu tenho um relacionamento muito bom com diversas pessoas do setor cultural, com gestores de teatro, cinema, televisão. Com galeristas ainda não comecei a conversar, mas tenho conversado bastante com artistas. E estamos construindo isso, sabendo que a escuta é também com músicos (a Jam no MAM é uma referência), dançarinos etc. Porque o MAM tem essa característica, que tem sido a característica dos museus contemporâneos, de colocar diferentes linguagens em diálogo, pensar uma ressignificação das artes. Então estamos escutando muito, para fazer também uma gestão com a comunidade, que muitas vezes não se reconhece no museu. Precisamos trazer de volta também muita gente que se desconectou do museu, além de gente do circuito do comércio, da Fundação Gregório de Matos (órgão vinculado à prefeitura), entre outros. Então para tratar do MAM e do Solar do Unhão não existe conversa partidária, sectária. Tem que contar com todo mundo que pode contribuir, porque aquele lugar tem muito para dar.
E sobre a questão de trazer um curador, existe o fato de que se você falar o meu nome no MASP, na Bienal, nos museus de arte de Recife ou do Rio, as pessoas não reconhecem, como reconheceriam no circuito do audiovisual. E eu não tenho muito tempo. Não tenho tempo de ir aos poucos ganhando credibilidade no setor, para assim colocar o museu no circuito. Então precisamos de um nome que as pessoas vejam e já reconheçam e reconectem imediatamente.
ARTE!✱ – Na mesma entrevista você falou também da importância de focar no trabalho educativo. Essa ideia de que um museu seja um espaço de participação, não apenas de contemplação, parece ganhar cada vez mais espaço na pauta das instituições culturais. O foco no educativo vai neste sentido? Quais os planos neste momento?
Exatamente. Eu visitei essa semana a Secretaria do Trabalho e tenho um encontro marcado com o secretário de Educação e de Ciência e Tecnologia após o Carnaval, para podermos buscar programas para o MAM. Como eu disse, estamos nos últimos dois anos de governo, então eu preciso trabalhar com programas que já existam, para que eu possa canaliza-los para aquele local. Então estou indo fazer essa sinalização com as autoridades maiores, de secretarias, para mostrar a importância do museu. Por exemplo, nós temos um projeto aprovado com a Sherwin-Williams, onde eles cedem além de oficiais, as tintas para pintar as fachadas da comunidade do Unhão. Então eu quero fazer isso, mas não preciso fazer apenas como gestor do Unhão, mas junto com a Secretaria do Trabalho, que tem um trabalho de ação comunitária que pode crescer.
E as oficinas do MAM sempre foram uma referência, há 40 anos, porque estão no desenho inicial da Lina. Era um museu de arte popular, depois um museu de arte moderna, com oficinas de artesanato ou desenho industrial. E a gente quer retomar isso, mas tirando o caráter sazonal delas. O que eu mais quero é que quem assumir o museu daqui dois anos não ache que eu fiz uma gestão personalista, e não queira botar debaixo do tapete o que foi feito para começar uma outra coisa totalmente diferente. Quero que a gente tenha uma gestão que a gente saiba que vai ter continuidade nas mãos de outra pessoa, trabalhar com essa perspectiva.
ARTE!✱ – O MAM, para além de sua atuação, de seu acervo, é também um patrimônio arquitetônico de Salvador, tanto pensando no conjunto histórico colonial quanto no projeto de Lina Bo Bardi. Neste sentido, existe uma polêmica em torno do atual projeto de instalação do restaurante no piso inferior do museu e do atracadouro. Muitos dizem que isso distorce o projeto da Lina e a ideia de um museu democrático, não voltado apenas para as elites e para o turismo. Enfim, queria saber como você vê essa questão?
Eu cheguei com esse projeto já em fase de finalização. E é um projeto do Iphan, porque qualquer alteração no museu tem que passar por uma autorização do Iphan. Observando com o olho de quem é apaixonado por aquele lugar, mas não tem o conhecimento técnico sobre interferências urbanas em patrimônio histórico, eu não vejo problema. É um píer de concreto, não sai da linha do mar, ou seja, não atrapalha a vista do prédio, e eu acho que vai ficar belíssimo. E o espaço será também atracadouro, mas apenas de pequenas embarcações. E quando eu falo que Salvador se desconectou do Recôncavo, é porque ela se desconectou da Bahia de Todos os Santos. E eu sinto que este é também um canal de ligação, de onde se pode sair e ir para o Forte de São Marcelo, para a Ilha de Itaparica ou para o Museu Wanderley de Pinho, em Candeias, que está sendo recuperado. Então eu não acho que este atracadouro em si vá significar a elitização ou não.
ARTE!✱ – Mas quando se fala nessas pequenas embarcações, o que são? A imagem de divulgação que foi publicada nas redes é a de uma lancha de luxo, por exemplo. Quer dizer, quem vai usar este atracadouro?
Veja bem, o MAM está do lado da Bahia Marina e a maioria das pessoas que tem barco em Salvador tem a sua garagem náutica ali. Então eu não vejo tanto por aí. E a questão do restaurante… Nós tínhamos ali no MAM um restaurante de comida baiana, com shows folclóricos, que era muito careiro, e a gente achava que o museu ficava muito à serviço do restaurante. E eu vou trabalhar para que, desta vez, nessa licitação esteja colocado que o restaurante também esteja à serviço do museu, e não seja algo folclórico, explicitamente turístico. E que seja um espaço mais de comidas leves, para quem visitou o museu e quer sentar um pouco, ver o por do sol. Até porque ao lado, na Bahia Marina, já existem vários restaurantes grandes.
ARTE!✱ – Porque inclusive os arquitetos dizem que não há uma estrutura ali para abrigar uma grande cozinha de restaurante…
Sim, é isso mesmo.
ARTE!✱ – Voltando um pouco à questão do pensamento do museu e dos rumos curatoriais, uma série de pautas relacionadas à questões raciais, de gênero e à ideia de decolonialidade têm ganhado espaço no debate feito pelas instituições culturais do país. Você pretende trazer esses temas para o trabalho no MAM?
Com certeza. Claro que eu tenho pouco tempo, como eu disse, e não posso botar o sarrafo tão alto. Mas queremos recuperar a alma do museu. No contato que já tive com a equipe, com os funcionários, sinto as pessoas muito apaixonadas pela instituição, e acho isso fundamental para poder mexer nas coisas. E reconectar com a comunidade, reaproximar pessoas que já foram funcionários do museu. E acho que isso vem também com essa estratégia que estamos fazendo de envolver as instituições, de despartidarizar, de dialogar com todo mundo, com as divergências, com as diferenças, com as complexidades…
ARTE!✱ – Falando do contexto político atual, por mais que o MAM seja um museu ligado à Secretaria de Cultura do Estado, temos hoje no país um governo federal que parece ver a área cultural, as artes, quase como inimigas. Como trabalhar neste momento tão conturbado para o setor cultural?
Quando eu fui convidado para o cargo eu tive que pesar essa questão. Porque, por exemplo, quando eu fui gestor do IRDEB, ou mesmo na Secretaria do Audiovisual, no meu telefone eu tinha o número do ministro, do governador, dos secretários… e eu ligava diretamente para o ministro para dizer que tinha tido uma ideia. Era uma coisa fantástica essa possibilidade de articulação nacional. Então eu pensei nisso, como uma coisa negativa do novo contexto, mas por outro lado aumentou a minha responsabilidade de assumir o cargo. Nesse momento em que temos tantos gestores que estão trabalhando contra as estruturas que foram criadas, contra as políticas públicas que foram desenhadas na base de intermináveis discussões, com pessoas boicotando e destruindo ponto por ponto, eu pensei que não tinha como dizer não. Eu tenho que ir e fazer desse limão uma limonada, fazer o que for possível com a motivação que ainda tenho para me apaixonar por isso.
E se você for olhar o MAM como um problema, você fica dez anos lá e não resolve. O administrador me falou que a equipe de pintura começa a pintar desde a capela e vai indo até o fim do parque de esculturas, e que quando acaba tudo já tem que começar a pintar a capela de novo. Porque a gente está na beira do mar. Então problemas não faltam. Mas temos que pensar como uma plataforma que de fato dá eco ao que é produzido aqui, para ser escutado fora, e também com uma escuta grande para o que existe fora e pode ser apresentado aqui. Ou seja, que seja também uma janela para os baianos, para que possam dividir essa experiencia que é um museu, que se transforma, mas não deixa de ser algo forte.
Bravo POLA!!!!
Venho seguindo suas andanças… sempre promovendo para nosso País… a ARTE!!!