Faz escuro mas eu canto
"Boca do Inferno", de Carmela Gross, com o meteoro do Museu Nacional à frente. Foto: © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

Faz escuro mas eu canto, a 34ª Bienal de São Paulo é, sem dúvida, uma “Bienal da Esperança”, como prometeu a direção da instituição. Muitas são as obras que buscam apontar para um caráter de superação, de transformação pelo sofrimento, como em um dos primeiros conjuntos da mostra, um display que exibe uma rocha queimada junto com todo o edifício do Museu Nacional, em 2018, e que, por conta do calor, passou de ametista, uma variedade de quartzo de cor violeta, para citrino, de cor amarelada. “Continua sendo a mesma rocha porque soube transformar-se”, explica didaticamente o texto próximo à vitrine.

Essa visão de uma resistência, que já está afinal no péssimo título da Bienal, um trecho do poema de Thiago de Mello, de 1965, quando se associar o negro a algo negativo não era uma liberdade poética em questão como se atenta hoje, acaba reforçando ao final uma visão de meritocracia: “Porque soube transformar-se”. Ora, e todos os demais tesouros que viraram pó porque não eram rochas?

Assim, o que se percebe logo de início é que se trata de uma mostra sobre uma capacidade de resistência baseada mais em ações individualistas do que coletivas, em atos isolados do que comunitários.

Outros exemplos na mesma linha são os instigantes retratos de Frederick Douglass (1818 1895), abolicionista negro estadunidense, e principalmente do “Almirante Negro”, líder da Revolta da Chibata, João Candido (1880-1969). Preso em 1910, na masmorra da Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, ele participa da “Bienal da Esperança” com dois bordados lá realizados, enquanto 16 companheiros de cela morreram asfixiados. Solto dois anos depois, foi expulso da Marinha e teve uma vida de privações. Romantizar esses bordados chega a ser perverso.

Nessa altura, é incontornável a questão de o que levou o time de curadores, composto por Jacopo Crivelli Visconti (geral), Paulo Miyada (adjunto) e os convidados Carla Zaccagnini, Francesco Stocchi e Ruth Estévez a selecionarem exemplos de ações de resistência em tempos longínquos, quando se está diante da maior crise sanitária dos últimos 100 anos, que abalou a atividade artística de forma catastrófica, combinada à crise política sem precedentes no Brasil, que praticamente inviabilizou as leis de apoio à cultura. Vive-se a política da terra arrasada cultural, mas a bienal canta.

Faz escuro mas eu canto
Retratos de Frederick Douglass na Bienal. Foto: Hélio Campos Mello

Praticamente não há referência ao presente, sendo que, prevista para ser realizada no ano passado, a exposição agora em cartaz ignora as urgências de quem resiste de fato. Talvez esteja na própria boa vontade em querer dar algum tipo de esperança que a mostra se afunda em uma fuga do presente. O escritor francês André Gide (1869-1951) já defendia que “não se faz boa literatura com boas intenções nem com bons sentimentos”. O mesmo para uma bienal, é obvio.

Há mais ambiente de Bienal na mostra Dizer Não, organizada pelo Ateliê 397, em seu novo espaço na Barra Funda, do que no Parque Ibirapuera. Lá há obras contundentes, como a instalação Serpente, de João Loureiro, que abriga uma jiboia escondida no ambiente.

Presença indígena

Apesar de demasiadamente higienizada, o que inclui também a arquitetura, mesmo que inovadora nos materiais e transparências, Faz escuro mas eu canto tem uma presença histórica de artistas indígenas: Daiara Tukano, Sueli Maxakali, Jaider Esbell, Uyra e Gustavo Caboco. Não se trata, contudo, de uma pesquisa com novas descobertas, afinal todos desse grupo já estão inseridos no circuito de arte contemporânea, tendo participado de mostras na Pinacoteca do Estado – Véxoa – nós sabemos, organizada por Naine Terena, em 2020, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e até no Centro Cultural Banco do Brasil, quando da exposição Vaivém, em 2019. Sem dúvida é uma presença merecidamente conquistada, que algum dia precisa também chegar à curadoria, uma questão difícil na instituição, que segue com sub-representação na presença de mulheres e sem nenhuma representatividade negra na direção geral da mostra, no que Veneza e Kassel, com quem a Bienal de São Paulo gosta de se comparar, já estão muito mais avançadas.

A 34ª Bienal traz ainda conjuntos significativos de artistas estelares no circuito, como Antonio Dias (1944-2018), Lygia Pape (1927-2004), Lasar Segall (1889-1957) e Eleonore Koch (1926-2018). São grupos de obras sempre agradáveis de se ver, mas que parecem mais estandes especiais de feiras de arte. Koch ainda sai perdendo porque está sendo exposta em lugares de passagem, um trabalho poético que merecia estar em uma escala menor.

Mas sim, há algumas poucas obras que pensam o presente, e uma das mais contundentes
é Derrubada, de Clara Ianni, que simplesmente deixa no chão todos os mastros de bandeiras, que estão na área externa do pavilhão e que costumam celebrar a internacionalidade do evento. Derrubada é das poucas obras que apontam para o lugar de pária que o Brasil se tornou no mundo, sem diálogo possível no cenário internacional, mesmo que no catálogo isso seja visto apenas como um comentário do fim das “representações nacionais” na mostra.

*

Leia mais sobre Faz escuro mas eu canto aqui.

 


Cadastre-se na nossa newsletter

sab22fev(fev 22)12:00sab26abr18:00Exposição coletiva "ABRE ALAS 20"Ao longo desses 20 anos, mais do que uma exposição, o Abre Alas se tornou um lugar de festa, encontro e experimentação.31 Dias 8:32:22 para terminarA Gentil Carioca, Rua Gonçalves Lédo, 17 - Centro, Rio de Janeiro - RJ, 20060-020

sex06dez(dez 6)13:00dom08jun(jun 8)21:30Exposição "31ª Mostra de Artes da Juventude – MAJ"31ª edição do evento tem curadoria de Camila Fontenele e Tiago Gualberto, que prezaram pela escolha de artistas das mais diversas regiões do Brasil e de diferentes grupos étnicos e interesses poéticos74 Dias 12:02:22 para terminarSesc Ribeirão Preto, Rua Tibiriça, 50, Centro, Ribeirão Preto - SP

sex07fev(fev 7)10:00dom30mar(mar 30)18:00Exposição "Sala de Vídeo", de Janaina WagenrMostra inaugura ano de Histórias da Ecologia com vídeos sobre impacto da BR-230 no meio ambiente e no cotidiano das populações locais.4 Dias 8:32:22 para terminarMASP, Avenida Paulista, 1578, São Paulo

qui13fev(fev 13)11:00sab12abr(abr 12)18:00Exposição individual "Flora", de Claudia AndujarA mostra reúne uma série de imagens que exaltam a beleza e a complexidade ambiental da natureza17 Dias 8:32:22 para terminarCasa Seva, Al. Lorena, 1257 - Casa 1, Jardins, São Paulo - SP

seg17fev(fev 17)11:00qua30abr(abr 30)19:00Exposição individual "o lado de fora dos olhos fechados", de Mariana ManhãesUm conjunto que mescla escultura, instalação e vídeo reorganiza a ambientação da galeria. 35 Dias 9:32:22 para terminarCentral Galeria, Rua Bento Freitas, 306 / subsolo vila buarque / 01220-000 são paulo

ter18fev(fev 18)09:00dom11mai(mai 11)18:00Exposição coletiva "Nhe´ ẽ Se"Exposição reúne 13 artistas de norte ao sul do Brasil, e lança em primeira mão novo manto feito pela artista Glicéria Tupinambá46 Dias 8:32:22 para terminarCAIXA Cultural São Paulo, Praça da Sé, 111 – Centro – SP

qua19fev(fev 19)09:00seg05mai(mai 5)20:00Exposição coletiva "Arte Subdesenvolvida"Mostra apresenta mais de 130 obras assinadas por grandes nomes da arte contemporânea brasileira, entre 1930 e 198040 Dias 10:32:22 para terminarCentro Cultural Banco do Brasil Rio de Janeiro (CCBB RJ), Rua Primeiro de Março, 66 –Centro, Rio de Janeiro - RJ

qui20fev(fev 20)11:00sab26abr19:00Exposição individual "Carnaval Crypto", de Randolpho LamonierA mostra apresenta um conjunto de obras que têm como cenário um carnaval em meio a uma crise financeira, geopolítica e ambiental.31 Dias 9:32:22 para terminarPortas Vilaseca Galeria, Rua Dona Mariana, 137, casa 2, Botafogo, Rio de Janeiro - RJ

sex21fev(fev 21)10:00dom30mar(mar 30)19:00Exposição "Ney Matogrosso"A mostra faz um percurso cronológico pela obra do artista, passando por cada década de sua atuação4 Dias 9:32:22 para terminarMuseu da Imagem e do Som - MIS, Av. Europa, 158, Jd. Europa São Paulo - SP

sab22fev(fev 22)12:00sab26abr18:00Exposição coletiva "ABRE ALAS 20"Ao longo desses 20 anos, mais do que uma exposição, o Abre Alas se tornou um lugar de festa, encontro e experimentação.31 Dias 8:32:22 para terminarA Gentil Carioca, Rua Gonçalves Lédo, 17 - Centro, Rio de Janeiro - RJ, 20060-020

sex06dez(dez 6)13:00dom08jun(jun 8)21:30Exposição "31ª Mostra de Artes da Juventude – MAJ"31ª edição do evento tem curadoria de Camila Fontenele e Tiago Gualberto, que prezaram pela escolha de artistas das mais diversas regiões do Brasil e de diferentes grupos étnicos e interesses poéticos74 Dias 12:02:22 para terminarSesc Ribeirão Preto, Rua Tibiriça, 50, Centro, Ribeirão Preto - SP

Deixe um comentário

Por favor, escreva um comentário
Por favor, escreva seu nome