Acima, retrato de Hudinilson em seu ateliê, década de 80.
O que pode a arte? Hudinilson Júnior sempre fez o que bem quis e a resposta a essa irreverência foi tornar-se um ponto fora da curva dentro do universo da arte brasileira. Sua trajetória é marcada pelo colapso do sujeito, explosão da relação com o objeto e radicalização de performances. Com vigor poético sofisticado, somado às experiências corporais e relacionais, Hudinilson deixa uma produção intimamente ligada a São Paulo, seja em performances, grafites ou arte em xerox.
Muitas de suas obras surgem na busca da simultaneidade entre pensamento e visualidade, como no dia em que surpreendeu a cidade com a imagem do seu pênis xerografada em um imenso outdoor, próximo ao parque do Ibirapuera. As reações provocadas pelo atrevimento apontavam para o desmonte das hierarquias do espaço expositivo, destruição do poder de localização da obra e ao mesmo tempo revelava a irreverência do sujeito.
Obra “Sem Título” do artista, produzida na década de 80.
Todo movimento de acionar a des – ordem perpassa pelas obras que tomam agora os 600 metros quadrados da galeria Jaqueline Martins, cuja proprietária é também a curadora da mostra. As novidades são as pinturas sobre tela, realizadas quando o artista ainda era estudante de arte na década de 1970. Uma tensão curiosa permeia a pluralidade do trabalho de Hudinilson, um dos pioneiros do movimento da arte xerox no Brasil. Melhor personagem de sua própria obra, ao criar Exercício de me ver (1981), desorganiza o pensamento crítico com a simulação do ato sexual com uma máquina de xerox. É instigante segui-lo nessa experimentação produzindo outros sentidos para o homem e a máquina. Como não lembrar de Hélio Oiticica quando sentenciou: “experimentar o experimental”? Hudinilson se expressa, sem pudor, por meio de várias linguagens que, em algumas circunstâncias, passa a ser instrumento de especulação. Para o crítico Jean-Claude Bernardet, “a fragmentação do corpo pela xerox, converte-o em paisagens abstratas, nas quais os fragmentos se esvaem”. Em sua performance com a máquina copiadora, ele utiliza seu corpo como matriz para a reprodução e investigação de possibilidades visuais.
Em 1979, Hudinilson cria o grupo 3Nós3, com os artistas Rafael França e Mário Ramiro. A união por afinidades eletivas era de amigos que pactuavam arte e forma de fazer arte. Até 1982 eles intervêm em vários pontos de São Paulo, praticando a reapropriação lúdica e crítica da cidade. O repertório de ações vai desde o ensacamento de monumentos públicos à intervenção no buraco de respiração de um túnel, à lacração de portas de galerias de arte. Todas entendidas como marco revolucionário contra as determinações racionalistas e controladoras da metrópole. Mesmo atuando com o grupo, ele jamais abandona sua produção individual que dura mais de três décadas.
Desde o início, Hudinilson mantém uma forte relação com a colagem, ponto de partida para uma fase comentarista. A isso se somam experimentos na xilogravura, suporte pelo qual a maior parte dos artistas brasileiros passou, utilizando decalques de imagens fotográficas. Hudinilson passava longas horas escolhendo fotos de corpos nus que retirava de revistas americanas. Em 1984, abandona esses modelos e centra toda a sua atenção em torno dele mesmo, quando se dedica a Narcise/Estudo para autorretrato (1984). Nesse “ensaio” dialoga com o mito de Narciso e cria sua própria identidade visual. O projeto envolve uma série de trabalhos, como uma espécie de “ópera”. Narciso passa a ser obsessão para ele que, nos últimos cadernos de colagens, revela seu interesse pelo estudo do nu masculino.
Hudinilson Jr, Amantes e Casos
Na década de 1980, o lugar da arte de Hudinilson é a rua, onde inventa grafites com desenhos incorporados à escrita, numa reivindicação de espaço de liberdade total. Seu mentor e cúmplice, Alex Vallauri (1949-1987), foi o primeiro artista brasileiro a aderir ao grafite. Como ele, Hudinilson trabalha com máscaras ou estênceis na busca de um novo espaço formal para criar, uma resistência em vão, como se fosse possível alguma naturalidade na arte.
Em vida Hudinilson se salvou de experimentar a vertigem ilusória de pertencer ao mercado de arte e de participar da internacionalização por meio das maratonas repetitivas de feiras e bienais. Só depois de sua morte seus trabalhos chegam ao exterior e desembarca, em junho, na Art Basel, na Suíça, a mais antiga e reverenciada entre as feiras de arte do mundo.
Hudinilson Jr. Até 06 de setembro de 2019 Na Galeria Jaqueline Martins Rua Dr. Cesário Mota Junior, 433 – Vila Buarque, São Paulo
O projeto final do Centre Pompidou Paraná, assinado pelo arquiteto Solano Benítez, foi apresentado na sexta-feira última, em evento em Foz do Iguaçu, sob tendas improvisadas, no terreno de 24 mil metros quadrados, onde o museu será construído, bem próximo ao aeroporto.
Benítez, premiado com o Leão de Ouro na Bienal de Arquitetura de Veneza em 2016, revelou um projeto que vai além da arquitetura: um manifesto de simplicidade, sustentabilidade e pertencimento. O barro valoriza a ligação com a terra e a identidade local, enquanto o tijolo representa as soluções práticas e ambientalmente responsáveis. “Vivemos em um mundo que precisa redefinir a relação entre pessoas e natureza, entre cultura e meio ambiente, colocando o ser humano no centro como agente da construção desse futuro. É transformar e ser transformado.” Benítez entende a arquitetura como um espaço de ideias, não apenas de formas. “O que importa é a mensagem das construções.” As alamedas vazadas, nesse contexto, oferecem ventilação natural e conforto aos visitantes nos dias quentes.
De um lado, o arquiteto paraguaio celebra a conexão com o território; do outro, a sede francesa projeta o espaço cultural para o mundo. O presidente do Centre Pompidou, Laurent Le Bon, voltou a reforçar que a instituição parisiense pretende ceder obras de sua coleção para exposições na unidade paranaense. Atualmente, o Pompidou mantém filiais em Málaga, na Espanha, e em Xangai, na China. E ainda estão previstas mais inaugurações em Jersey City (EUA), Seul (Coreia do Sul) e Bruxelas (Bélgica). O projeto no Paraná será o primeiro na América Latina.
Em todos esses espaços já erguidos, controlar umidade e temperatura é essencial. Le Bon destaca que em Foz do Iguaçu é o desafio crucial para proteger as obras de arte. Benítez explica que “os biomas do projeto refletem a força da Mata Atlântica, resistente aos desafios da natureza”.
Confiante na parceria, ele afirma que a população pode esperar um espaço cultural de grande relevância e reforça: “Esse projeto faz parte da amizade entre Brasil e França; não é uma aventura. Nós nascemos juntos”.
O governador do Paraná, Ratinho Júnior, agradeceu a Le Bon pela confiança e destacou que o Pompidou Paraná vai consolidar uma nova rota de turismo em Foz do Iguaçu. “Além do apelo natural das Cataratas, a cidade passa a oferecer também o turismo cultural.” Segundo ele, o projeto deve atrair ainda mais visitantes de todo o mundo, gerar empregos, movimentar a economia e aproximar crianças e jovens de obras de arte de relevância histórica e contemporânea, antes só vistas pela maioria por meio de livros, televisão e internet.
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O investimento previsto, segundo o governador, é de R$ 250 milhões, financiado pela Fundação Cultural do Paraná e pela Secretaria da Cultura. “Após a entrega dos estudos de engenharia, prevista para outubro, será aberta licitação nacional ou internacional, para a execução das obras.”
Nome importante no projeto, Luciana Casagrande Pereira, secretária de Cultura do Paraná, trabalha há cinco anos para ajudar a entregar um museu de referência, capaz de atrair moradores da região e visitantes do mundo todo. Na cerimônia de lançamento foi realizada uma oficina de confecção de tijolos que serão utilizados na construção do museu. O evento envolveu crianças da rede municipal de ensino em um gesto simbólico de construção do satélite do Pompidou nas Américas. “Essas ações mostram que o museu nasce coletivo, aberto e conectado à sua região”, afirma a secretária.
Especialistas da Tríplice Fronteira comentam o projeto, destacando impactos culturais, arquitetônicos e urbanos da região.
A brasileira Aracy Amaral destaca que “o projeto concebido por Solano Benítez para o Centre Pompidou Paraná, cuja inauguração está prevista para 2028, surge como um audacioso projeto de luz para todo o continente. “Combinando técnicas construtivas ousadas, com a terra do nosso solo, exibirá obras do acervo do Pompidou e da América Latina, unindo a experiência cultural da França com a esperança de novos tempos.”
A crítica Adriana Almada está otimista: “Do Paraguai, celebramos a futura instalação do Centre Pompidou Paraná, o primeiro satélite do Pompidou na América Latina. Este projeto representa não apenas uma mudança na geopolítica cultural da região, mas também a oportunidade de consolidar Foz do Iguaçu como um polo de arte contemporânea. O museu poderá se tornar um ponto irradiador de cultura com alcance para Brasil, Paraguai e Argentina, valorizando a diversidade local e incorporando as múltiplas camadas migratórias às culturas originárias”.
O crítico argentino Fernando Farina analisa o projeto em duas frentes. Por um lado, destaca o potencial do Pompidou Paraná de transformar o ecossistema cultural latino-americano, criando um espaço de circulação regional que aproxime obras, público e artistas de vários países, descentralizando o acesso à arte e oferecendo maior visibilidade para talentos locais. Por outro, aponta desafios importantes: o risco de impor um modelo eurocêntrico, concentrar recursos em uma iniciativa estrangeira em detrimento de instituições locais e gerar uma dependência simbólica de marcas globais. Segundo Farina, o verdadeiro teste será fazer do museu um ponto de diálogo que valorize a diversidade e a memória cultural da América Latina, e não apenas uma vitrine periférica do cânone europeu.
A fotógrafa Luiza Segulem não se limita a registrar corpos em movimento: ela desafia a lógica do olhar em um conjunto de imagens que integra a coletiva 34ª edição do Programa de Exposições do CCSP, inaugurada neste sábado (23), no Centro Cultural São Paulo.
Após um acidente, durante um treino de escalada na academia, sua vida tomou outro rumo. “Comecei este projeto em março do ano passado, quase como uma desculpa para voltar a sair e circular pela cidade. Com a mobilidade reduzida e vivendo em uma São Paulo hostil nesse aspecto, encontrei forças para ocupar os espaços públicos, sentir novamente a cidade pulsando e retomar a fotografia, algo que não praticava há muito tempo”.
Sua ideia era explorar escalas e perspectivas. Foi daí que surgiu o projeto de retratos, mas não retratos tradicionais. Ela se espelhou na história da arte, em como o retrato sempre refletiu status, gestos e posturas ligadas ao poder ou à classe social. “Hoje, vemos padrões semelhantes nos retratos na internet ou nas revistas, sempre reproduzindo corpos, gestos e pontos de vista específicos. Eu queria questionar isso”. Então Luiza cria um “estúdio fotográfico”, uma espécie de fundo infinito adaptado, abaixo da altura convencional, à altura de seu olhar quando sentada na cadeira de rodas, com cerca de 1,40 m. Circulando por pontos diferentes da cidade ela passou a convidar quem passava para interagir e posar para ela, respeitando os limites e possibilidades de cada corpo. “Meu propósito, era um convite para pensar o que consideramos natural na circulação e na presença dos corpos no espaço urbano”.
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Foto: Luiza Sigulem
Foto: Luiza Sigulem
Tudo começou há cinco anos, pouco antes do início da pandemia, literalmente um mês antes de o mundo se fechar. “Era o período da Covid, foi então que a fotografia voltou a se impor em meu cotidiano”. Confinada em casa, Luiza passou a registrar as pessoas que a visitavam. Esses retratos tornaram-se mais do que simples imagens: eram tentativas de preservar fragmentos de presença em um período marcado pela suspensão do tempo e pela fragilidade da memória.
Após anos de afastamento, quando abandonou a fotojornalismo para se dedicar à psicanálise, ela reencontrou na fotografia não apenas um ofício, mas uma forma de elaborar o vivido, de transformar a ausência em vestígio e o instante em permanência.
Em suas fotografias, Luiza tensiona o corpo, o espaço urbano e o gesto cotidiano. Sua prática não se reduz ao simples ato de registrar; é antes de tudo um exercício crítico, em que a fotografia se torna reflexão sobre os limites da norma, sobre o enquadramento social dos corpos e sobre a potência de reinventar o visível.
Com o forte perfil de fotojornalista, com passagem por jornais como a Folha de S.Paulo e revistas como Brasileiros e ARTE!Brasileiros, Luiza quis voltar a fotografar. “Por ter feito muito retrato, minha ideia era desconstruir os padrões e pensar um jeito diferente de olhar para o mundo e as pessoas. Minha perspectiva era também que eu pudesse criar uma questão com isso”. Luiza foi convidando as pessoas que circulavam para interagirem e posar para ela, mas sempre pensando nesse limite, cada um controlando a extensão de seu corpo.
A presença do projeto nas praças é estimulante, porque provoca vivências fragmentadas que ela vê também, como performances. “Algumas pessoas criam situações que têm um pouco de dança, têm algo talvez de escultura, a partir do que eu vou propondo”. Conceitualmente é isso, mas do ponto de vista prático é mais complexo, ela depende de pessoas que a ajudam no deslocamento.
Ao expandir seu trabalho por diferentes territórios, ela não perde de vista a questão entre o público e o privado. “O primeiro local que atuei foi a Praça da República, pensando em pontos de grande circulação. Depois, cheguei à Guarapiranga, à Zona Norte, ao Parque do Trote, à feira do Bixiga, fui me deslocando para outras regiões, até chegar à Oscar Freire e ao Iguatemi”. Em cada bairro ela vivenciou atuações e posturas diferentes. Os personagens retratados são sempre passantes, todos em constante movimento. “Há também aqueles que apenas atravessam o local, vindos de outro lugar e que não permanecem, se dissolvem na multidão e se fundem a outros corpos”.
O projeto como um todo, tem a ver com a psicanálise, segundo Luiza. “A minha ideia era também que as pessoas experimentassem o próprio corpo e sentissem os seus limites. Propus algo que as pessoas, em geral, não fazem”. Ela mesma confessa que não sabe toparia participar.
As diversas cenas registradas por Luiza me lembram Merleau-Ponty, numa frase que não é textual, mas traz a ideia de que “o corpo é o veículo do ser no mundo”.
Equipe conceitural 36ª Bienal de São Paulo. Footo: João Medeiros
Começam a definir-se com mais precisão os contornos da 36ª Bienal de São Paulo, que abre as portas para o público em 6 de setembro. Em meio a um intenso processo de montagem, vai tomando forma um projeto colaborativo, construído a partir de intenso diálogo entre os membros da equipe curatorial. Na semana passada, os cocuradores Alya Sebti, Anna Roberta Goetz, Keyna Eleison e Thiago de Paula Souza, conversaram com a Arte!Brasileiros sobre as linhas gerais deste trabalho, seus principais desafios, metodologias e descobertas.
Entre as várias metáforas que serviram de guia durante essa jornada, destaca-se aquela que compara a equipe a pássaros migratórios, que se deslocam com uma compreensão expandida de tempos e espaços, para em seguida retornar ao grupo, trocando e ressignificando sugestões e descobertas e configurando – ao longo desses encontros – famílias de trabalhos, com pensamentos e poéticas em comum. “Cada um de nós percorreu diferentes rotas, mas fomos pássaros muito comunicativos”, explicou Alya Sebti. “Todo artista que entrou na nossa lista foi escolhido por cada um de nós cinco, não temos nenhum artista que não tenhamos encontrado, discutido o trabalho”, acrescentou Keyna Eleison. Segundo Anna Roberta Goetz, as rotas de voo traçadas por eles procuraram, propositalmente, evitar aqueles caminhos já esquematizados. Os brasileiros Keyna Eleison e Thiago de Paula Souza, por exemplo, não “sobrevoaram” o País, o que não quer dizer que não tenham sugerido nomes nacionais importantes, derivados de suas pesquisas anteriores. “Procuramos somar histórias que já conhecíamos a novas vozes, sempre em busca de pontos de conexão”, acrescentou a pesquisadora, radicada na Suíça (seu país natal) e no México. Até chegar à lista dos 120 artistas, anunciada há poucos meses, foram muitas idas e vindas.
Os curadores alertam que em nenhum momento houve a intenção de propor um panorama da produção contemporânea, mas sim de traçar narrativas horizontais e intergeracionais, criando agrupamentos, a partir de afinidades de diversos tipos: formais, existenciais, temáticas ou poéticas. Um exemplo de núcleo potente é aquele que reúne mulheres negras, trabalhadoras, que de forma autodidata encontram na arte uma maneira de se afirmar no mundo, como Maria Auxiliadora, Chaïbia Talal e Hessie. Outro fio condutor que pode ser apreendido a partir da observação da lista de convidados é o interesse primordial pela memória, pela busca de novas formas de contar histórias esquecidas ou invisibilizadas. Ou ainda um resgate importante de artistas situados à margem dos centros hegemônicos, que desenvolveram sua poética em sintonia (e também em tensão) com os modelos eurocêntricos de vanguarda.
No campo da produção mais contemporânea, a lista também surpreende, sobretudo pela presença massiva de trabalhos comissionados, feitos especialmente para a Bienal– mais de 50% das produções se enquadram nessa categoria. E também por refletirem (da mesma forma que as seleções mais históricas) uma visão bastante ampliada do mundo. De Teerã ao Haiti, de Alepo a Dakar, a mostra espraia-se por regiões muito menos investigadas internacionalmente, com um olhar atento à produção africana, resultado não apenas da metodologia curatorial adotada – como a organização de “Invocações” em diferentes continentes –, mas também pelo fato de dois dos curadores responsáveis serem africanos: o curador geral Bonaventure Soh Ndikung é de Camarões, e Alya Sebti, do Marrocos.
Ainda preservando informações relativas aos trabalhos que comporão a mostra e os contornos finais da complexa expografia, os curadores adiantam que a montagem da exposição se guia pelo pensamento do pavilhão como um estuário (outra das fortes metáforas que guiaram o processo) e articula algumas mudanças no uso tradicional do espaço, como a criação de algumas conexões verticalizadas num espaço tão marcado pela linearidade dos pisos horizontais. Não teremos mais, por exemplo, o vão como espaço isolado, ocupado por uma obra em destaque. “Sempre será o prédio do Niemeyer, não estamos brigando com isso”, diz Keyna. “É como se dançássemos com o prédio”, acrescenta Alya.
A música e a dança, formas de expressão que haviam sido elencadas como fundamentais para o projeto curatorial, fazem-se presentes seja como linguagem –por meio de criadores como Leonel Vásquez e Cevdet Erek – quanto alegoria desse processo coletivo. “Música é ritmo, pensamos a música como um elemento de inspiração”, afirma Thiago de Paula Souza, lembrando quão fundamental ela é na obra de Heitor dos Prazeres, outro brasileiro histórico da seleção que, além de ter sido premiado na primeira Bienal, em 1951, tinha profunda conexão – não apenas como tema – com o universo do samba. Mas convivem também com muita fotografia, vídeo e pintura, numa mostra em que a diversidade de meios, técnicas e poéticas parece ser fundamental.
A presença de dissonâncias, a convivência de diferentes vozes e a incontornável presença de trabalhos combativos (temas como colonialismo, opressão, violação de direitos, debacle ambiental estão bastante presentes) não significa, para Thiago, que estamos diante de uma mostra militante. “A maioria das exposições mostrando como o mundo está queimando fracassaram”, diz ele. O fato de não se assemelhar a um manifesto não significa, para Anna, que a 36ª Bienal não seja política. “É uma mostra muito política. Não no sentido de comentar ou mostrar o que está acontecendo, mas sim por meio da experiência dos artistas. Há muitos trabalhos que falam de experiências concretas e há uma abertura nessa concretude, um convite para que diferentes pessoas olhem para si”, diz ela.
Finalista do Prêmio Governador do Estado em 2018, o Teatro de Contêiner Mungunzá saiu subitamente da condição de homenageado pelo poder público para a de alvo do poder público. Na última terça-feira, 19, o teatro foi violentamente invadido pela Guarda Civil Metropolitana e seus artistas retirados à força das suas instalações, com uso de spray de pimenta e imobilização física. O que é no mínimo um contrassenso: o teatro da Cia. Mungunzá de Teatro tem sido, desde sua fundação, em 2017, uma ilha de acolhimento, delicadeza e excelência cultural no Centro mais complicado de São Paulo.
Em 2020, durante a pandemia, o Teatro de Contêiner manteve as portas abertas para moradores em situação de rua, para ajudar com questões de higiene pessoal, além de ter sido ponto logístico da organização de ajuda humanitária Médicos sem Fronteiras (que atuou em dois locais no centro da capital paulista). Abrigou ações de coletivos ativistas do Centro (relacionados à saúde e a assistência social), tornou-se ponto de coleta e distribuição de doações e ajudou a distribuir 40 mil refeições (500 por dia) para a população de rua naquela ocasião.
Um ano antes, em 2019, o Teatro de Contêiner organizou a mostra O Fluxo Expõe – A Arte da Cracolândia, com trabalhos dos artistas Clayton Dentinho, Ed Peixoto, Fábio Rodrigues, Índio Badarós, Jaick MC, Rogério Roque, Wesley Marciano e Yóri Felipe Ken. Os 8 artistas produziam em situação de grande vulnerabilidade social no Fluxo (fluxo era o nome utilizado para designar a localidade próxima à Estação da Luz na capital, na qual havia então uma grande concentração de usuários de crack e de pessoas em situação de rua).
O amplo ateliê de costura que funciona no espaço dos fundos do Teatro de Contêiner Mungunzá, da Cia. Mungunzá de Teatro, estava em plena atividade nesta sexta-feira. Instalado após um investimento de 65 mil reais, o espaço (como todo o complexo, construído com contêineres marítimos, um de 12 metros e outros dois de seis metros) é a sede do Coletivo Tem Sentimento, que desenvolve um projeto de geração de renda com e para mulheres que vivem ali naquela região do Centro de São Paulo.
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Teatro de Contêiner. Foto: Jotabê Medeiros
Teatro de Contêiner. Foto: Jotabê Medeiros
Teatro de Contêiner. Foto: Jotabê Medeiros
Teatro de Contêiner. Foto: Jotabê Medeiros
Teatro de Contêiner. Foto: Jotabê Medeiros
A arquitetura do teatro, dessa forma, além de se caracterizar como Habitação de Interesse Social, um espectro que deve ser protegido pelo Estado, não significa apenas uma intervenção de um grupo de teatro em uma região urbana, mas tornou-se um caso de desenvolvimento da própria linguagem do teatro dentro das conformações de uma pulsão urbanística. A Cia Mungunzá de Teatro deu um depoimento sobre essa relação. “Acabamos por apresentar novas vias de atuação. Novos formatos de políticas públicas. O nosso espaço se relaciona diretamente com a cidade e com os moradores do centro, seja por meio da arquitetura ou da dinâmica que criamos sem divisões”, explicou o ator Marcos Felipe.
Segundo informou a Agência Brasil, a Justiça de São Paulo concedeu nesta quinta-feira uma liminar que garante a permanência, pelos próximos 180 dias, do Teatro de Contêiner Mungunzá e do Coletivo Tem Sentimento no imóvel (que pertencente à prefeitura de São Paulo). A liminar da juíza Nandra Martins da Silva Machado, da 5ª Vara da Fazenda Pública, impede ações de desocupação e incursões da Guarda Civil Metropolitana e de outros órgãos como a que foi tentada na noite de terça. A juíza justificou que o teatro é composto por 15 estruturas de contêineres marítimos interligados, paredes de vidro, cobertura acústica, iluminação, além de um acervo artístico e cultural e que, por isso, a desocupação do imóvel não seria um processo simples e exigiria um “planejamento técnico e logístico para sua desmontagem, transporte e reestruturação”.
Outro motivo alegado pela Justiça é que o teatro tem programação confirmada até dezembro deste ano, e “cuja interrupção acarretaria prejuízos não apenas para o Teatro de Contêiner, mas para toda a sociedade e para os inúmeros artistas, educadores e públicos diretamente envolvidos”. Em nota publicada na manhã desta sexta-feira (22) em seu site oficial, a prefeitura informou que pretende revitalizar a região e construir um prédio de habitação de interesse social no terreno onde está o Contêiner. A administração municipal alegou ainda que já havia oferecido três áreas legalizadas para o Teatro de Contêiner Mungunzá, “que não cumpriu três ofícios para saída do terreno municipal ocupado irregularmente”. Ainda nesta quinta-feira, 21, a presidente da Funarte, Maria Marighella, disse que enviou ofício ao prefeito Ricardo Nunes para tentar trocar o terreno alvo do projeto da Prefeitura por outro do governo federal, caso seja possível, e manter o Contêiner em sua área de atuação.
Após uma violenta invasão na tarde desta terça-feira, 19, pela Guarda Civil Metropolitana (GCM), polícia subordinada à Prefeitura de São Paulo, artistas, produtores, técnicos, encenadores e frequentadores do Teatro de Contêiner Mungunzá estão promovendo neste momento uma ocupação pacífica e permanente do complexo cultural e social independente (localizado no centro da cidade de São Paulo, na região da Luz). Os ocupantes querem impedir a demolição do complexo, considerado um dos mais notáveis esforços de recuperação de uma área urbana degradada (foram mais de 4 mil atividades artístico-sociais realizadas nos últimos 9 anos).
A ação policial foi truculenta. Segundo Lucas Beda, co-criador do coletivo do Contêiner, o enfrentamento se deu porque a prefeitura queria montar uma estrutura para receber o prefeito, Ricardo Nunes, e o governador, Tarcísio de Freitas, em uma cerimônia. Essa montagem poderia comprometer a integridade do teatro, o que colocaria em risco os frequentadores e equipes de serviço. Alegando ordem judicial, a polícia manteve equipes e membros da ONG Tem Sentimento (baseada no local) sitiados no prédio, impedindo o acesso aos objetos pessoais dos trabalhadores da cultura, e depois fazendo uso até de spray de pimenta e força física.
Os gestores do teatro rebatiam, mostrando que há um inquérito em curso no Ministério Público que visa responsabilizar autoridades e impedir a ação, que pode ser irreversível se levada a cabo. E nesta quinta-feira, 21, acaba o prazo judicial para que os artistas desocupem o espaço. “Vocês não têm vergonha de se prestar a esse papel?”, afirmou uma atriz que a GCM tentava retirar do espaço. A prefeitura ambiciona desapropriar a área com a justificativa de querer implantar ali um programa habitacional.
A ação da Prefeitura de São Paulo é a segunda movimentação arbitrária e truculenta contra espaços de artes cênicas da capital paulista. Em fevereiro, a administração municipal mandou demolir, de forma acintosa (com tratores invadindo o espaço) e ao arrepio da legislação de patrimônio, o tradicional Teatro Vento Forte e a escola de capoeira Angola Cruzeiro do Sul, no Parque do Povo, no Itaim Bibi. O ato violento desta terça-feira ocorreu justamente quando os artistas celebravam o Dia do Artista de Teatro.
Após a demolição do Vento Forte, o secretário de Cultura do prefeito Ricardo Nunes, Totó Parente, chegou a se comprometer publicamente com a reconstrução do complexo do Parque do Povo. Até hoje, entretanto, nada avançou. Os gestores do Teatro do Contêiner desconfiam do mesmo intento em relação à ação desta terça – primeiro, tornar irreversível a intervenção e, segundo, criar um falso espaço de diálogo com a classe artística. A maior preocupação que a prefeitura demonstra tem sido em atuar para satisfazer empreendimentos imobiliários privados e seus planos de investimentos nas áreas de usufruto coletivo e de promoção da cidadania. Não há registro, mesmo no auge da ditadura militar, de uma administração pública que tivesse investido com tal sanha destruidora contra espaços culturais.
“O Teatro de Contêiner precisa ser replicado como política pública, e não aniquilado”, protestou o ator Mateus Solano. “A prefeitura de SP quer ‘revitalizar’ expulsando cultura! O despejo do Teatro de Contêiner Mungunzá é mais um ataque ao povo: em vez de somar moradia + cultura, escolhem o autoritarismo. A prefeitura prova que não sabe governar para gente, só para concreto”, afirmou o vereador Jilmar Tatto, da oposição a Ricardo Nunes.
O Ministério da Cultura e a Funarte, organismos do governo federal, emitiram nota de repúdio à ação policial empreendida pela prefeitura de São Paulo. “Em ofício, até agora sem resposta, enviado ao prefeito Ricardo Nunes pela ministra da Cultura Margareth Menezes e pela presidenta da Funarte Maria Marighella, foi solicitada a ampliação do prazo dado pela Prefeitura para o despejo do coletivo artístico de sua sede, de modo a permitir que os entendimentos iniciados junto à Superintendência do Patrimônio da União para a busca de um novo terreno pudessem resultar positivamente”, diz a nota. “Lamentamos que o uso da força tenha substituído a continuidade do diálogo em prol da arte e da cultura, que cumprem papel relevante junto à comunidade do centro da capital paulista por meio da atuação do Teatro de Contêiner, da Cia Mungunzá e da ONG Tem Sentimento. Reforçamos nosso apelo para que o prazo seja ampliado e a negociação pacífica retomada com a maior brevidade possível”.
A exposição “Fala Falar Falares“, em cartaz no Museu da Língua Portuguesa até 14/09/2025, nos ajuda a compreender a dimensão do ato de falar. Além de demonstrar como a fala funciona dentro do corpo humano, a exposição apresenta a relação dos brasileiros com a língua portuguesa e celebra os sotaques que compõem o nosso idioma.
“O português do Brasil são muitos portugueses, são muitas falas e muitas formas de exprimir. E essas formas de exprimir elas carregam um peso. Cada sotaque carrega um peso. Existe um sotaque neutro? E todos os outros são menos valiosos?”, questiona Daniela Thomas, cenógrafa e cineasta que divide a curadoria da mostra com o escritor e linguista Caetano W. Galindo.
Assista à nossa conversa com Daniela e saiba mais:
SERVIÇO
Museu da Língua Portuguesa:Praça da Luz, s/nº – Centro Histórico de São Paulo, São Paulo – SP
Em cartaz até 14 de setembro de 2025
Visitação: de terça a domingo, das 9h às 16h30 (permanência permitida até 18h)
Ingressos: Inteira – R$ 24,00 | Meia-entrada – R$ 12,00. Grátis aos sábados Grátis aos domingos | Crianças até 7 anos não pagam.
A extrema-direita ancorada no Congresso Nacional conseguiu aprovar na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado (CSPCCO) da Câmara dos Deputados um projeto de lei que invade competências da Lei Rouanet e sequestra os recursos destinados ao Fundo Nacional de Cultura (FNC). Se aprovado pelo plenário, o texto é devastador e retirará recursos da ordem de 2,6 bilhões de reais de projetos importantíssimos hoje financiados pelo FNC – como são os casos da Fundação Bienal de São Paulo e Cinemateca Brasileira.
O relator do projeto é Alexandre Ramagem (PL-RJ), réu por tentativa de golpe de Estado e associação criminosa no Supremo Tribunal Federal (STF), e tem autoria de Kim Kataguiri (União-SP, condenado por fazer associação entre Caetano Veloso e pedofilia), e trata de algo totalmente alheio ao campo cultural, é uma lei de incremento de estabelecimentos prisionais de segurança máxima. A apreensão do mundo artístico com o avanço do projeto no Congresso levou à adoção de um abaixo-assinado contrário à intenção que já contava com mais de 3 mil assinaturas esta tarde.
Para tentar barrar o avanço do malfadado projeto, deputados progressistas, como Denise Pêssoa (PT-RS), Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ) e Luciene Cavalcanti (PSOL-SP) tentam incluir a Comissão de Cultura na tramitação do assunto, já que ele repercute diretamente no escopo da área cultural. A perversidade do projeto consiste em transferir os recursos previstos na rubrica da Lei Rouanet para o FNC ao novo texto, como se isso fosse possível.
“Com relação à fonte de custeio dessa importante política pública, percebe-se que a revogação dos benefícios fiscais concedidos pela Lei nº 8.313/91 (Lei Rouanet) pode recuperar aproximadamente R$ 1,5 bilhão anuais. Essa quantia, atualmente não arrecadada devido à renúncia fiscal, representa uma fonte significativa de recursos que ´poderá ser redirecionada para o aprimoramento das unidades prisionais de segurança máxima”, disse o autor, Kataguiri, quando da apresentação do Projeto de Lei. Alguém deve tê-lo advertido do equívoco logo adiante, já que os recursos da Lei Rouanet, para existirem, precisam ser primeiro captados junto à iniciativa privada, para só depois então provocarem o desconto no pagamento do Imposto de Renda. Foi então que, em maio, a frente de extrema direita resolveu avançar em recursos já existentes do sistema da Lei Rouanet, e o único deles é o fundo direto de investimento, o FNC.
Finalmente, o texto aprovado pelo relator na Comissão de Segurança Pública incluiu a supressão dos incisos V, VI e VII da Lei Rouanet e de todo o Art. 4º para que haja dinheiro vivo na aplicação do seu projeto. Contudo, a proposição continua cometendo o equívoco de dizer que tem “a finalidade de redirecionar para o sistema prisional recursos que hoje são objeto de renúncia fiscal”. É escandaloso que deputados, sejam de que partido forem, não se informem previamente (ou desconheçam profundamente) os mecanismos de financiamento público que cobiçam com tanto desvelo.
“Ao retirar recursos de uma política pública consolidada e estratégica como a cultura, o projeto enfraquece justamente um dos instrumentos mais eficazes para a redução da violência e da exclusão social”, diz o abaixo-assinado, firmado, entre outros, por Adauto Novaes, Adriana Falcão, Chico Pinheiro, Cláudia Abreu, Eliane Brum, Fábio Assunção, Fernando Gabeira, Flávia Oliveira, Itamar Vieira Jr, José Eduardo Agualusa, Lili Schwarcz, Luiz Schwarcz, Malu Mader, Milton Hatoum, Paloma Jorge Amado e centenas de intelectuais e artistas.
Jamyle Rkain é bacharel em jornalismo pelo Mackenzie e mestranda em Artes Visuais pela Universidade de São Paulo. Trabalhou na equipe de comunicação do MAM São Paulo, da Flip e de galerias de arte. Atualmente, é coordenadora de comunicação da Cinemateca Brasileira e colabora com a arte!brasileiros desde 2017.
Em um mundo onde as fronteiras entre o político, o social e o ambiental se tornam cada vez mais tênues, a arte emerge não apenas como um espelho de nossa realidade, mas como um motor potente para a reflexão e a mudança. A arte!brasileiros compreende profundamente essa dinâmica, dedicando suas páginas a desvendar como as artes visuais dialogam e, muitas vezes, antecipam os grandes desafios de nosso tempo.
Nossas equipes junto a várias equipes de jornalistas nacionais, juntaram-se a equipes da Temporada França-Brasil 2025, coordenada pelo Institut Français e o Instituto Guimarães Rosa em estreita colaboração com as Embaixadas da França no Brasil e do Brasil na França, sob autoridade dos ministérios das Relações Exteriores e da Cultura de ambos os países.
Os comissários são Anne Louyot (programação no Brasil) e Emilio Kalil (programação na França) trabalharam para desenvolver um amplo conjunto de iniciativas ligadas às culturas de ambos países.
Não se trata apenas de apreciar a estética, mas de mergulhar nas narrativas visuais que artistas contemporâneos tecem sobre crises climáticas, desigualdades sociais e os complexos jogos de poder que redefinem nossa existência. Nosso compromisso é o de apresentar a arte como uma ferramenta vital para a compreensão e a transformação do mundo que habitamos, instigando o leitor a uma participação ativa nesse processo.
Neste segundo semestre de 2025, a arte!brasileiros intensifica seu compromisso com essa abordagem ao mergulhar na Temporada França-Brasil 2025, um evento cultural que promete ser um divisor de águas na relação entre as duas nações. Mais do que uma celebração de intercâmbio artístico, a Temporada se configura como um palco privilegiado para explorar como as questões urgentes, que tanto nos preocupam, são tratadas por artistas e instituições de ambos os países. Como a arte brasileira e francesa, com suas ricas e diversas tradições, se encontra para abordar o colapso climático iminente? De que forma as manifestações artísticas refletem as tensões sociais, os movimentos migratórios e as lutas por inclusão em contextos tão distintos e, ao mesmo tempo, tão interligados? Nosso editorial busca responder a essas perguntas, revelando as pontes que a arte constrói entre continentes, entre culturas, e, acima de tudo, entre a urgência do presente e a esperança de um futuro mais consciente e equitativo.
Gê Viana, Sentem para jantar, 2021, da série Atualizações traumáticas de Debret, 2021. Jacques Leenhardt, Le Brésil illustré, L’héritage postcolonial de Jean-Baptiste Debret, 2025, Edicions Actes Sud.
A cobertura da Temporada França-Brasil2025 pela arte!brasileiros transcenderá a mera reportagem de eventos, buscando analisar as profundas conexões e os contrastes temáticos que emergem. Abordaremos exposições, performances e projetos que não apenas exibem talento, mas que também provocam, questionam e inspiram ações frente aos desafios climáticos e sociais. Serão investigadas as narrativas visuais que denunciam a devastação ambiental na Amazônia e em outras regiões vulneráveis do planeta, bem como aquelas que iluminam as lutas por justiça social, equidade de gênero e direitos humanos em Paris, São Paulo e além. Ao destacar a sinergia e a ressonância entre a produção artística dos dois países, a revista propõe um diálogo franco e necessário sobre como a arte pode ser um agente transformador, capaz de mobilizar consciências e impulsionar mudanças significativas. A arte!brasileiros convida seus leitores a embarcar nessa jornada de descoberta e engajamento, onde a beleza da arte encontra a força da urgência global.
A Temporada França-Brasil 2025, iniciativa bilateral proposta pelos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Emmanuel Macron, emerge como um marco crucial para reafirmar e aprofundar os laços entre as duas nações. Retomando a rica tradição de intercâmbios culturais iniciada em 2005 e 2009, este vasto evento, que se estenderá pela França na primavera de 2025 e até dezembro no Brasil, transcende a mera celebração artística. Sua ambição é a de fortalecer laços duradouros entre sociedades e profissionais, focando em pesquisa, empreendedorismo e educação. Com programação em diversas cidades brasileiras – de Belém a Porto Alegre –, e abrangendo dança, música, cinema, artes visuais, literatura e gastronomia, a Temporada é organizada por instituições-chave como o Institut Français e os ministérios de ambos os países, refletindo preocupações e desafios comuns e promovendo um diálogo e cooperação essenciais.
Os pilares temáticos que sustentam esta Temporada são um espelho das urgências globais e da busca por novas narrativas contra-hegemônicas e decoloniais. A Temporada englobará discussões cruciais sobre economia social e solidária, o combate à desinformação, a igualdade de gênero e a luta contra discriminações, culminando na defesa de uma democracia cultural. O Fórum Juventude e Democracia em Brasília, por exemplo, reunirá jovens franceses e brasileiros em torno de projetos concretos de defesa democrática. Nas artes cênicas, “Respire e Funambulismo” da companhia As Filhas da Raposa Pálida, em Brasília, transforma a arte em um potente símbolo de conexão, resiliência e democracia. A exposição “Agnès Varda, Fotógrafa” no Instituto Moreira Salles ressalta seu compromisso social e feminista, sublinhando a intersecção entre arte e engajamento político. O programa “Gol de Letra” também se alinha, promovendo a inserção social pelo esporte.
Outro pilar fundamental volta seu olhar para a emergência climática e a transição ecológica. Inclui fóruns científicos sobre a Amazônia, biodiversidade e meio ambiente, reunindo pesquisadores antes da COP30. A exposição imersiva “Clima: o Novo Anormal”, adaptada da Cité das Ciências e da Indústria de Paris, visa sensibilizar o público brasileiro para os desafios climáticos, explorando a descarbonização, a antecipação e a ação. Encontros com povos indígenas do Brasil e da Guiana abordarão a poluição dos rios e a extinção de espécies, preparando-os para vocalizar suas preocupações na COP30. A Bienal de São Paulo também aborda este tema, com um conceito descentralizado e foco nas paisagens e filosofias do Brasil.
Patricia Rousseaux, Diretora Editorial de arte!brasileiros, junto com jornalistas e colaboradores de diferentes meios brasileiros que participaram da viagem
O eixo Diversidade da Sociedade e Diálogo com a África se dedica a fortalecer as relações culturais e sociais, com foco nas realidades afrodescendentes e nas trocas com a África e suas diásporas, buscando preencher os “apagamentos da história”. Exposições como “O Poder das Minhas Mãos”, com artistas mulheres da África e da diáspora, são um testemunho da riqueza da criação contemporânea. Concertos como o TRACE Concert Brasil celebrarão os laços musicais e culturais entre França, Brasil e África, com transmissão global. O Fórum “Nosso Futuro – Diálogos África-Europa” em Salvador da Bahia, incorporará as realidades afrodescendentes das Américas, reafirmando a importância dessas trocas. O Festival Afropunk em Salvador sublinha a cultura afrodescendente, promovendo autoexpressão e discussões sobre questões sociais. O “Projeto Glissant” aprofunda a discussão sobre identidade e interculturalidade, enquanto o Festival Mix Brasil promove a visibilidade da diversidade sexual e de gênero. A Bienal das Amazônias e a Fashion Favela Week também se alinham a esta teia de diversidade, com foco no diálogo com o Caribe e a África.
A Temporada França-Brasil 2025, em sua essência, não é apenas um compêndio de eventos, mas uma poderosa manifestação de que a arte e a cultura são pretextos para a reflexão, o reencontro e a reparação. Em um tempo de polarizações e desafios globais, a iniciativa busca criar “ligações sutis”, promover a “atenção” e a “pulsão de vida”, pavimentando novos caminhos para uma civilização que preze pela convivência, justiça social e sustentabilidade, evidenciando que, como diria Deleuze, há alegria na capacidade da arte de incomodar e fascinar.
Optou-se, com acerto, por um conjunto conciso de peças, realizadas entre 2007 e 2025, articuladas com grande coesão, embora bastante diversas. Estão presentes trabalhos de entalhe e de molde, obras que incorporam fenômenos naturais — como Ainda Viva (2007) e No ar (2010/2017) —, além de outras marcadamente estruturais e serializadas, como as diferentes Correntes (2024) e o módulo gradeado de mármore, criado em 2014, instalado na área externa do museu.
Mesmo quando os trabalhos operam com materiais e forças voláteis — como pó, vapor, água, frio, calor ou o desgaste provocado pela passagem do tempo —, sua produção os associa continuamente a formas delimitadas e prontamente reconhecíveis. Esses volumes podem ser os cilindros de Pilarzinho (2024) ou os montes de mármore de Máquina do mundo (2005).
Justapostos a esses corpos robustos, os elementos etéreos relativizam a rigidez e a estabilidade comumente atribuídas à tridimensionalidade escultórica, conferindo-lhe um caráter transitório. Tanto os sólidos corpulentos quanto aquilo que parece se decompor, evaporar, migrar, transpirar ou triturar o material duro permanecem, de algum modo, inscritos na forma escultórica — coexistem, lado a lado.
É dessa convivência entre o que persiste e o que se dissipa, entre o estável e o efêmero, o objeto e seus rejeitos, que parece emanar a tensão central de alguns dos melhores trabalhos da exposição. Neles, não sabemos, se algo de fato está a se desfazer ou a se constituir – provavelmente, as duas coisas se dão simultaneamente.
Mesmo em esculturas formalmente estáveis — penso em Duas Graças (2016) —, o movimento está incorporado à morfologia: elas se apoiam sobre superfícies curvas que sugerem o giro torneado que teria moldado suas formas e que ainda sustenta o bailar delicado de seus corpos. Como se os volumes fossem feitos de um desbastar causado pelo rodopiado dos fusos, que ainda continuará.
Talvez por isso, na exposição Fluxos, temos a impressão de que as obras estão em permanente processo de constituição— como se continuassem a se formar ali, em tempo real —, relacionando-se entre si e intensificando seus sentidos na interação com a arquitetura do museu, projetado por Paulo Mendes da Rocha. Segundo Agnaldo Farias: “Ao ocupar o MuBE, as peças de Laura Vinci aderem à arquitetura de pele nua do museu”.
Embora exista, como afirma Farias, uma relação de adesão entre as esculturas e o espaço do museu, essa adesão se dá de modo friccionado. Penso, por exemplo, em No ar (2010/2017), quando um vapor frio sobe do piso do museu por debaixo da sua marquise.
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Todas as Graças, 2018 Latão repuxado 7 peças Ø 60 cm, 7 peças Ø 30 cm. Fotos: MuBE
Todas as Graças, 2018 Latão repuxado 7 peças Ø 60 cm, 7 peças Ø 30 cm
Sem Título, 2011/2025 Alumínio e pó de mármore
Ainda Viva, 2007 Mármore e maçãs Mesa de mármor, cerca de 300 maçãs e 21 cubos de mármore (formas variadas)
TRIZ, 2024 Aço inoxidável, máquinas de fumaça, latão e latão cromado
Embora enigmática, a fumaça parece se relacionar com os volumes construídos. A junção da bruma com o prédio sugere o que poderia ser uma sublimação do concreto, a passagem do sólido para o gasoso. Independentemente de como se leia, algo a mais do que partículas de água parecem se desfazer com o vapor que sobe do piso. Temos a impressão de que algo se transforma e é inevitável relacionar com o pesado volume que abriga a instalação. A formação da névoa sedutora parece implicar no dispêndio de outra coisa. Algo está se constituindo enquanto outro elemento parece dissipar.
A escultura Sem Título (2011/2025) lida com a mesma ambiguidade. Apresentada nas galerias, no subsolo do museu, ecoa o trabalho feito para o Arte/Cidade de 1997, que, embora não tivesse título, ficou conhecido como Ampulheta. Naquela obra, um monte de areia distribuído sobre a laje de um prédio arruinado vazava por uma fenda ínfima para o andar inferior, formando ali um novo aclive. A poeira desmoronava da mesma forma que o edifício se corroía. Mas as marcas do que passou se depositavam.
Aqui, a dinâmica é um pouco distinta. Não há ruína. O pó de mármore escoa do interior de uma pequena pirâmide de alumínio invertida, suspensa no teto. Um fio fino de poeira cai de sua ponta e se espalha no chão. O trabalho se realiza menos no suporte de onde o pó escapa e mais no acúmulo gradual desse material no chão. O seu trânsito de cima para baixo, lida como um movimento de desorganização do volume.
Tal como as maçãs dispostas sobre a mesa polida de mármore em Ainda Viva (2007), a queda da areia é marcador da passagem do tempo — ou, mais precisamente, de uma representação do tempo como desgaste inevitável da matéria. Nesse sentido, embora não sejam obras moralizantes, ambas se aproximam das vanitas, memento mori: gênero artístico dedicado a lembrar a inevitabilidade do fim.
Nada, porém, soa grave, trágico ou lamurioso na exposição. Mesmo porque parece haver mais movimento nessa matéria dispersa, volátil, a se desorganizar do que nas folhas de metal dependuradas, da peça intitulada Solitárias (2025) , onde o ressecamento do vegetal parece ter sido suspenso.
Em um caso ou em outros — na fumaça, no pó, na folha solta —, Laura Vinci observa o que se desprende de uma estrutura estável. Talvez, se fosse uma escultora da tradição, interessar-se-ia não apenas pelas formas torneadas do volume final, idealizado, mas também pelas aparas e restos que ela desbastou do monolito.
Concerto para piano com luvas de boxe (1980), Aguilar, marca o início da Banda Performática
A Pinacoteca do Estado de São Paulo (Pina) comemora 120 anos de uma trajetória marcada pela transformação. Fundada no final do século XIX, com projeto arquitetônico não acabado de Ramos de Azevedo, nasceu com a missão de preservar e estudar a arte brasileira. Ao longo das décadas, o museu ampliou seu acervo, incorporou o modernismo e passou a dialogar com a arte contemporânea, sem romper com suas raízes. O que começou como um espaço de perfil clássico, hoje se afirma como um centro cultural dinâmico, híbrido e em constante reinvenção.
Sob a direção do curador Jochen Volz, desde 2017, a Pinacoteca expandiu-se anexando outras duas unidades: a Pina Estação, que faz parte do Complexo Cultural Júlio Prestes e a Pina Contemporânea, que conta com dois espaços expositivos, a Galeria Praça, dedicada em grande parte às mostras experimentais e a Grande Galeria, que permite expor obras de grandes dimensões em um local de mil metros quadrados. Os três espaços contribuíram para transformar a instituição em um organismo vivo, aberto à diversidade e aos debates de nosso tempo.
Microscópio Para São Paulo, 2011, Olafur Eliasson, Pinacoteca de São Paulo
Na celebração dos 120 anos do museu mais antigo da cidade, destaco um espaço que simboliza sua constante renovação: a rotunda central da Pinacoteca Luz. Ao longo do tempo, o local abrigou diferentes usos e propostas, de Teatro de Arena a Octógono, mantendo-se sempre aberto à arte contemporânea. Foi ali que o experimentalismo encontrou terreno fértil, permitindo que artistas desafiassem convenções e contribuíssem para transformar a instituição em um espaço de diálogo com o novo e o inesperado. Na década de 1970, o local composto de oito paredes, com sua geometria octogonal transformou-se em uma Arena, com arquibancada tanto para receber o público infantil dentro do projeto educacional, quanto os artistas que ministravam aulas e expunham obras não convencionais.
Em 1973, durante a gestão de Walter Wey (1972–1974), a rotunda da Pinacoteca recebeu uma cobertura transparente. Até então, o espaço era totalmente a céu aberto. A intervenção arquitetônica não apenas protegeu a estrutura, mas abriu caminho para que o local se tornasse um local de experimentação contemporânea. A mudança dialogava com iniciativas de vanguarda que já ocorriam em instituições como o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM), com cursos e performances conduzidos por Frederico de Morais, e o Museu de Arte Contemporânea da USP (MAC), sob a direção visionária do crítico e historiador Walter Zanini.
Parte da exposição: SomosMuit+s: Experimentos sobre Coletividade, 2019, de Rirkrit Tiravanija e Coletivo Legítima Defesa, intervenção em processo performático
A crítica e historiadora Aracy Amaral esteve à frente da Pinacoteca entre 1975 e 1979, imprimindo à instituição uma visão contemporânea que refletia sua formação. Um dos marcos de sua gestão foi a exposição Projeto Construtivo Brasileiro na Arte (1950–1962), realizada em parceria com o crítico Ronaldo Brito, uma revisão histórica dos movimentos concretista e neoconcretista. Aracy também voltou seu olhar à nova geração de artistas incentivando, entre outros, nomes como Cildo Meireles, Marcello Nitsche (1942–2009), Mario Cravo Neto (1947–2009) e o argentino Alfredo Portillos, integrante do Grupo CAYC, de Buenos Aires.
Entre 1979 e 1982, sob a direção do crítico e historiador Fábio Magalhães, a Arena da Pinacoteca consolidou-se como um espaço ousado da cena artística paulistana. Em pleno regime militar, o museu assumiu o papel de reduto de liberdade, resistência e experimentação. Magalhães abriu as portas para performances radicais e propostas fora dos padrões tradicionais. Um dos marcos desse período foi o Concerto para piano com luvas de boxe, apresentado em 1980 por José Roberto Aguilar. A ação marcou o nascimento da Banda Performática, coletivo fundado por Aguilar que mesclava música, artes visuais e teatro em happenings intensos e imprevisíveis. No palco, o artista tentava som de um piano usando luvas de boxe, enquanto a violinista Go o acompanhava em cena.
A apresentação incluía ainda extintores de incêndio, uma cítara e letras móveis que, ao final, formavam a palavra ARTE.
O grupo reunia nomes como Arnaldo Antunes, Paulo Miklos, Go, Marciano, Tuba, Flávio Smith e Lanny Gordin, entre outros. A performance se alinhava ao espírito do Parangolé, movimento proposto por Hélio Oiticica, que visava dissolver as fronteiras entre as linguagens artísticas, promovendo uma arte total, sensorial e participativa.
No mesmo clima de irreverência, em 1982, o coletivo 3NÓS3, formado por Hudnilson Jr., Rafael França e Mário Ramiro tomaram parte da intocável fachada da Pina. Eles instalaram uma faixa de plástico vermelho que cobria parte do edifício, encapando visualmente a instituição. Essa ação ocorreu simultaneamente à exposição individual dos integrantes, uma ocupação temporária que instigava o público a refletir sobre a relação entre arte, museu e mídia.
Mario Merz (1925-2003) Expoente da arte povera mostra elementos de sua produção icônica em exposição de 2003
Também marcou esse período o artista argentino León Ferrari, cuja obra de forte carga poética e provocadora deixou sua marca na Pinacoteca em 1980, com a performance Percanto. Ferrari imediatamente conquistou o público ao extrair sons incomuns de esculturas compostas por hastes paralelas de ferro. O concerto, único em sua concepção, desafiava as noções convencionais de música e escultura, fundindo matéria e som em uma experiência sensorial.
Como um furacão, tudo muda com a chegada de Emanoel Araújo (1940-2022) à direção da instituição e, esse espaço também se transforma. O novo diretor convida o arquiteto Paulo Mendes da Rocha para fazer o projeto da reforma do edifício da Pinacoteca, o arquiteto Eduardo Colonelli se une a ele e mais uma equipe. O prédio tornou-se um espaço contemporâneo, com soluções arquitetônicas arrojadas, como as duas passarelas metálicas que conectam os quatros eixos da planta.
A partir da reforma da Pinacoteca o Octógono substitui a antiga Arena, assume uma nova vocação: tornar-se palco para instalações, muitas delas de caráter performático. Essa mudança de perspectiva, voltada para uma arte mais participativa e imersiva, transformou o Octógono em um verdadeiro trampolim para trabalhos memoráveis, marcados pelo novo e diálogo direto com o público.
Como afirma Jochen Volz, na apresentação do livro Projeto Octógono: 20 anos (aprendendo com artistas), com organização editorial de Pollyana Quintella: “Com 71 exposições no decorrer de 20 anos, o projeto é um dos mais duradouros programas museais no Brasil.”
O Octógono foi inaugurado com obras do artista italiano Mario Merz (1925–2003), um dos expoentes da arte povera, movimento que propunha o uso de materiais simples e naturais, como pedra, galhos, barro e vidro, em contraponto à arte industrializada. Com a curadoria de Danilo Eccher a exposição trouxe à Pinacoteca obras icônicas de Merz vindas de Buenos Aires e que depois seguiram para o Rio de Janeiro e Salvador. A instalação reafirmou a vocação da Pinacoteca para o diálogo internacional e interdisciplinar. A icônica estrutura em forma de iglu, que eternizou as ousadias de Merz com tubos de neon e sequências numéricas do matemático Leonardo Fibonacci (1170-1250), estabeleceu um elo entre ancestralidade e modernidade, ciência e poesia. Merz contribuiu para que a Pinacoteca entrasse no circuito internacional da arte contemporânea e ampliasse a percepção do público sobre obras não convencionais.
Ressoando as complexidades contidas nos conceitos poéticos da produção de Tunga, a instalação: À Luz de dois mundos, expôs elementos recorrentes de sua trajetória numa atmosfera ritualística que envolvia fios trançados, ímãs, objetos alquímicos, corpos simulados. A obra reafirmava o interesse do artista pela mitologia, processos de transformação e dualidade entre razão e instinto, uma síntese de seu barroco tropical.
À luz de dois mundos, 2018, Tunga reafirma o interesse do artista pela mitologia
Com um trabalho feérico, Olafur Eliasson, em 2011, envolveu o Octógono, com Seu corpo da obra, uma série de intervenções que explora espelhos, luz, cor e percepção, em uma conversa direta entre arte e arquitetura. Seu trabalho, composto de esculturas ópticas, questionavam os limites físicos do museu, convidando o visitante a tornar-se parte da obra e a perceber a arquitetura como um organismo vivo, refletindo sobre a construção de seu próprio olhar.
Na arte, o lúdico pode assumir muitas formas. Nas obras de Rirkrit Tiravanija (Buenos Aires, 1961), essa dimensão frequentemente emerge da interação direta entre público e obra. Foi exatamente o que aconteceu na Pinacoteca de São Paulo, durante a exposição Somos Muit+s: Experimentos sobre Coletividade (2019), com o Coletivo Legítima Defesa. Tiravanija instalou um “palco aberto” e o deixou à disposição do público, livre para ser ocupado como quisesse.
Oficinas, apresentações de dança e teatro, performances poéticas e até aulas de ioga tomaram o espaço, numa celebração da diversidade de expressões. No espírito do “tudo junto e misturado”, instaurou-se uma troca genuína entre arte e público, onde a experiência vivida se tornou parte da própria obra.
A proposta reforçou um dos pilares do trabalho de Tiravanija: a arte como processo coletivo, em que o sentido não está dado de antemão, mas se constrói na convivência e no engajamento. Um gesto plenamente sintonizado com a vocação do Octógono como espaço de experimentação e participação. ✱