Início Site

O mundo reinventado de Hudinilson Junior para conferir em mostra

Hudinilson em seu ateliê
Acima, retrato de Hudinilson em seu ateliê, década de 80.

O que pode a arte? Hudinilson Júnior sempre fez o que bem quis e a resposta a essa irreverência foi tornar-se um ponto fora da curva dentro do universo da arte brasileira. Sua trajetória é marcada pelo colapso do sujeito, explosão da relação com o objeto e radicalização de performances. Com vigor poético sofisticado, somado às experiências corporais e relacionais, Hudinilson deixa uma produção intimamente ligada a São Paulo, seja em performances, grafites ou arte em xerox.

Muitas de suas obras surgem na busca da simultaneidade entre pensamento e visualidade, como no dia em que surpreendeu a cidade com a imagem do seu pênis xerografada em um imenso outdoor, próximo ao parque do Ibirapuera. As reações provocadas pelo atrevimento apontavam para o desmonte das hierarquias do espaço expositivo, destruição do poder de localização da obra e ao mesmo tempo revelava a irreverência do sujeito.

obra "Sem Título" do artista,
Obra “Sem Título” do artista, produzida na década de 80.

Todo movimento de acionar a des – ordem perpassa pelas obras que tomam agora os 600 metros quadrados da galeria Jaqueline Martins, cuja proprietária é também a curadora da mostra. As novidades são as pinturas sobre tela, realizadas quando o artista ainda era estudante de arte na década de 1970. Uma tensão curiosa permeia a pluralidade do trabalho de Hudinilson, um dos pioneiros do movimento da arte xerox no Brasil. Melhor personagem de sua própria obra, ao criar Exercício de me ver (1981), desorganiza o pensamento crítico com a simulação do ato sexual com uma máquina de xerox. É instigante segui-lo nessa experimentação produzindo outros sentidos para o homem e a máquina. Como não lembrar de Hélio Oiticica quando sentenciou: “experimentar o experimental”? Hudinilson se expressa, sem pudor, por meio de várias linguagens que, em algumas circunstâncias, passa a ser instrumento de especulação. Para o crítico Jean-Claude Bernardet, “a fragmentação do corpo pela xerox, converte-o em paisagens abstratas, nas quais os fragmentos se esvaem”. Em sua performance com a máquina copiadora, ele utiliza seu corpo como matriz para a reprodução e investigação de possibilidades visuais.

Em 1979, Hudinilson cria o grupo 3Nós3, com os artistas Rafael França e Mário Ramiro. A união por afinidades eletivas era de amigos que pactuavam arte e forma de fazer arte. Até 1982 eles intervêm em vários pontos de São Paulo, praticando a reapropriação lúdica e crítica da cidade. O repertório de ações vai desde o ensacamento de monumentos públicos à intervenção no buraco de respiração de um túnel, à lacração de portas de galerias de arte. Todas entendidas como marco revolucionário contra as determinações racionalistas e controladoras da metrópole. Mesmo atuando com o grupo, ele jamais abandona sua produção individual que dura mais de três décadas.

Desde o início, Hudinilson mantém uma forte relação com a colagem, ponto de partida para uma fase comentarista. A isso se somam experimentos na xilogravura, suporte pelo qual a maior parte dos artistas brasileiros passou, utilizando decalques de imagens fotográficas. Hudinilson passava longas horas escolhendo fotos de corpos nus que retirava de revistas americanas. Em 1984, abandona esses modelos e centra toda a sua atenção em torno dele mesmo, quando se dedica a Narcise/Estudo para autorretrato (1984). Nesse “ensaio” dialoga com o mito de Narciso e cria sua própria identidade visual. O projeto envolve uma série de trabalhos, como uma espécie de “ópera”. Narciso passa a ser obsessão para ele que, nos últimos cadernos de colagens, revela seu interesse pelo estudo do nu masculino.

Hudinilson Jr, Amantes e Casos
Hudinilson Jr, Amantes e Casos

Na década de 1980, o lugar da arte de Hudinilson é a rua, onde inventa grafites com desenhos incorporados à escrita, numa reivindicação de espaço de liberdade total. Seu mentor e cúmplice, Alex Vallauri (1949-1987), foi o primeiro artista brasileiro a aderir ao grafite. Como ele, Hudinilson trabalha com máscaras ou estênceis na busca de um novo espaço formal para criar, uma resistência em vão, como se fosse possível alguma naturalidade na arte.

Em vida Hudinilson se salvou de experimentar a vertigem ilusória de pertencer ao mercado de arte e de participar da internacionalização por meio das maratonas repetitivas de feiras e bienais. Só depois de sua morte seus trabalhos chegam ao exterior e desembarca, em junho, na Art Basel, na Suíça, a mais antiga e reverenciada entre as feiras de arte do mundo.

Hudinilson Jr.
Até 06 de setembro de 2019
Na Galeria Jaqueline Martins
Rua Dr. Cesário Mota Junior, 433 – Vila Buarque, São Paulo

Extrema direita tenta passar a boiada na Lei Rouanet, mas intelectuais reagem

Câmara dos Deputados

A extrema-direita ancorada no Congresso Nacional conseguiu aprovar na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado (CSPCCO) da Câmara dos Deputados um projeto de lei que invade competências da Lei Rouanet e sequestra os recursos destinados ao Fundo Nacional de Cultura (FNC). Se aprovado pelo plenário, o texto é devastador e retirará recursos da ordem de 2,6 bilhões de reais de projetos importantíssimos hoje financiados pelo FNC – como são os casos da Fundação Bienal de São Paulo e Cinemateca Brasileira.

O relator do projeto é Alexandre Ramagem (PL-RJ), réu por tentativa de golpe de Estado e associação criminosa no Supremo Tribunal Federal (STF), e tem autoria de Kim Kataguiri (União-SP, condenado por fazer associação entre Caetano Veloso e pedofilia), e trata de algo totalmente alheio ao campo cultural, é uma lei de incremento de estabelecimentos prisionais de segurança máxima. A apreensão do mundo artístico com o avanço do projeto no Congresso levou à adoção de um abaixo-assinado contrário à intenção que já contava com mais de 3 mil assinaturas esta tarde.

Para tentar barrar o avanço do malfadado projeto, deputados progressistas, como Denise Pêssoa (PT-RS), Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ) e Luciene Cavalcanti (PSOL-SP) tentam incluir a Comissão de Cultura na tramitação do assunto, já que ele repercute diretamente no escopo da área cultural. A perversidade do projeto consiste em transferir os recursos previstos na rubrica da Lei Rouanet para o FNC ao novo texto, como se isso fosse possível.

“Com relação à fonte de custeio dessa importante política pública, percebe-se que a revogação dos benefícios fiscais concedidos pela Lei nº 8.313/91 (Lei Rouanet) pode recuperar aproximadamente R$ 1,5 bilhão anuais. Essa quantia, atualmente não arrecadada devido à renúncia fiscal, representa uma fonte significativa de recursos que ´poderá ser redirecionada para o aprimoramento das unidades prisionais de segurança máxima”, disse o autor, Kataguiri, quando da apresentação do Projeto de Lei. Alguém deve tê-lo advertido do equívoco logo adiante, já que os recursos da Lei Rouanet, para existirem, precisam ser primeiro captados junto à iniciativa privada, para só depois então provocarem o desconto no pagamento do Imposto de Renda. Foi então que, em maio, a frente de extrema direita resolveu avançar em recursos já existentes do sistema da Lei Rouanet, e o único deles é o fundo direto de investimento, o FNC.

Finalmente, o texto aprovado pelo relator na Comissão de Segurança Pública incluiu a supressão dos incisos V, VI e VII da Lei Rouanet e de todo o Art. 4º para que haja dinheiro vivo na aplicação do seu projeto. Contudo, a proposição continua cometendo o equívoco de dizer que tem “a finalidade de redirecionar para o sistema prisional recursos que hoje são objeto de renúncia fiscal”. É escandaloso que deputados, sejam de que partido forem, não se informem previamente (ou desconheçam profundamente) os mecanismos de financiamento público que cobiçam com tanto desvelo.

“Ao retirar recursos de uma política pública consolidada e estratégica como a cultura, o projeto enfraquece justamente um dos instrumentos mais eficazes para a redução da violência e da exclusão social”, diz o abaixo-assinado, firmado, entre outros, por Adauto Novaes, Adriana Falcão, Chico Pinheiro, Cláudia Abreu, Eliane Brum, Fábio Assunção, Fernando Gabeira, Flávia Oliveira, Itamar Vieira Jr, José Eduardo Agualusa, Lili Schwarcz, Luiz Schwarcz, Malu Mader, Milton Hatoum, Paloma Jorge Amado e centenas de intelectuais e artistas.

Um semestre dedicado à Parceria França – Brasil

Jamyle Rkain
Jamyle Rkain é bacharel em jornalismo pelo Mackenzie e mestranda em Artes Visuais pela Universidade de São Paulo. Trabalhou na equipe de comunicação do MAM São Paulo, da Flip e de galerias de arte. Atualmente, é coordenadora de comunicação da Cinemateca Brasileira e colabora com a arte!brasileiros desde 2017.

Em um mundo onde as fronteiras entre o político, o social e o ambiental se tornam cada vez mais tênues, a arte emerge não apenas como um espelho de nossa realidade, mas como um motor potente para a reflexão e a mudança. A arte!brasileiros compreende profundamente essa dinâmica, dedicando suas páginas a desvendar como as artes visuais dialogam e, muitas vezes, antecipam os grandes desafios de nosso tempo.

Nossas equipes junto a várias equipes de jornalistas nacionais, juntaram-se a equipes da Temporada França-Brasil 2025, coordenada pelo Institut Français e o Instituto Guimarães Rosa em estreita colaboração com as Embaixadas da França no Brasil e do Brasil na França, sob autoridade dos ministérios das Relações Exteriores e da Cultura de ambos os países.

Os comissários são Anne Louyot (programação no Brasil) e Emilio Kalil (programação na França) trabalharam para desenvolver um amplo conjunto de iniciativas ligadas às culturas de ambos países.

Não se trata apenas de apreciar a estética, mas de mergulhar nas narrativas visuais que artistas contemporâneos tecem sobre crises climáticas, desigualdades sociais e os complexos jogos de poder que redefinem nossa existência. Nosso compromisso é o de apresentar a arte como uma ferramenta vital para a compreensão e a transformação do mundo que habitamos, instigando o leitor a uma participação ativa nesse processo.

Neste segundo semestre de 2025, a arte!brasileiros intensifica seu compromisso com essa abordagem ao mergulhar na Temporada França-Brasil 2025, um evento cultural que promete ser um divisor de águas na relação entre as duas nações. Mais do que uma celebração de intercâmbio artístico, a Temporada se configura como um palco privilegiado para explorar como as questões urgentes, que tanto nos preocupam, são tratadas por artistas e instituições de ambos os países. Como a arte brasileira e francesa, com suas ricas e diversas tradições, se encontra para abordar o colapso climático iminente? De que forma as manifestações artísticas refletem as tensões sociais, os movimentos migratórios e as lutas por inclusão em contextos tão distintos e, ao mesmo tempo, tão interligados? Nosso editorial busca responder a essas perguntas, revelando as pontes que a arte constrói entre continentes, entre culturas, e, acima de tudo, entre a urgência do presente e a esperança de um futuro mais consciente e equitativo.

Gê Viana, Sentem para jantar
Gê Viana, Sentem para jantar, 2021, da série Atualizações traumáticas de Debret, 2021. Jacques Leenhardt, Le Brésil illustré, L’héritage postcolonial de Jean-Baptiste Debret, 2025, Edicions Actes Sud.

A cobertura da Temporada França-Brasil2025 pela arte!brasileiros transcenderá a mera reportagem de eventos, buscando analisar as profundas conexões e os contrastes temáticos que emergem. Abordaremos exposições, performances e projetos que não apenas exibem talento, mas que também provocam, questionam e inspiram ações frente aos desafios climáticos e sociais. Serão investigadas as narrativas visuais que denunciam a devastação ambiental na Amazônia e em outras regiões vulneráveis do planeta, bem como aquelas que iluminam as lutas por justiça social, equidade de gênero e direitos humanos em Paris, São Paulo e além. Ao destacar a sinergia e a ressonância entre a produção artística dos dois países, a revista propõe um diálogo franco e necessário sobre como a arte pode ser um agente transformador, capaz de mobilizar consciências e impulsionar mudanças significativas. A arte!brasileiros convida seus leitores a embarcar nessa jornada de descoberta e engajamento, onde a beleza da arte encontra a força da urgência global.

A Temporada França-Brasil 2025, iniciativa bilateral proposta pelos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Emmanuel Macron, emerge como um marco crucial para reafirmar e aprofundar os laços entre as duas nações. Retomando a rica tradição de intercâmbios culturais iniciada em 2005 e 2009, este vasto evento, que se estenderá pela França na primavera de 2025 e até dezembro no Brasil, transcende a mera celebração artística. Sua ambição é a de fortalecer laços duradouros entre sociedades e profissionais, focando em pesquisa, empreendedorismo e educação. Com programação em diversas cidades brasileiras – de Belém a Porto Alegre –, e abrangendo dança, música, cinema, artes visuais, literatura e gastronomia, a Temporada é organizada por instituições-chave como o Institut Français e os ministérios de ambos os países, refletindo preocupações e desafios comuns e promovendo um diálogo e cooperação essenciais.

Os pilares temáticos que sustentam esta Temporada são um espelho das urgências globais e da busca por novas narrativas contra-hegemônicas e decoloniais. A Temporada englobará discussões cruciais sobre economia social e solidária, o combate à desinformação, a igualdade de gênero e a luta contra discriminações, culminando na defesa de uma democracia cultural. O Fórum Juventude e Democracia em Brasília, por exemplo, reunirá jovens franceses e brasileiros em torno de projetos concretos de defesa democrática. Nas artes cênicas, “Respire e Funambulismo” da companhia As Filhas da Raposa Pálida, em Brasília, transforma a arte em um potente símbolo de conexão, resiliência e democracia. A exposição “Agnès Varda, Fotógrafa” no Instituto Moreira Salles ressalta seu compromisso social e feminista, sublinhando a intersecção entre arte e engajamento político. O programa “Gol de Letra” também se alinha, promovendo a inserção social pelo esporte.

Outro pilar fundamental volta seu olhar para a emergência climática e a transição ecológica. Inclui fóruns científicos sobre a Amazônia, biodiversidade e meio ambiente, reunindo pesquisadores antes da COP30. A exposição imersiva “Clima: o Novo Anormal”, adaptada da Cité das Ciências e da Indústria de Paris, visa sensibilizar o público brasileiro para os desafios climáticos, explorando a descarbonização, a antecipação e a ação. Encontros com povos indígenas do Brasil e da Guiana abordarão a poluição dos rios e a extinção de espécies, preparando-os para vocalizar suas preocupações na COP30. A Bienal de São Paulo também aborda este tema, com um conceito descentralizado e foco nas paisagens e filosofias do Brasil.

Institut Français
Patricia Rousseaux, Diretora Editorial de arte!brasileiros, junto com jornalistas e colaboradores de diferentes meios brasileiros que participaram da viagem

O eixo Diversidade da Sociedade e Diálogo com a África se dedica a fortalecer as relações culturais e sociais, com foco nas realidades afrodescendentes e nas trocas com a África e suas diásporas, buscando preencher os “apagamentos da história”. Exposições como “O Poder das Minhas Mãos”, com artistas mulheres da África e da diáspora, são um testemunho da riqueza da criação contemporânea. Concertos como o TRACE Concert Brasil celebrarão os laços musicais e culturais entre França, Brasil e África, com transmissão global. O Fórum “Nosso Futuro – Diálogos África-Europa” em Salvador da Bahia, incorporará as realidades afrodescendentes das Américas, reafirmando a importância dessas trocas. O Festival Afropunk em Salvador sublinha a cultura afrodescendente, promovendo autoexpressão e discussões sobre questões sociais. O “Projeto Glissant” aprofunda a discussão sobre identidade e interculturalidade, enquanto o Festival Mix Brasil promove a visibilidade da diversidade sexual e de gênero. A Bienal das Amazônias e a Fashion Favela Week também se alinham a esta teia de diversidade, com foco no diálogo com o Caribe e a África.

A Temporada França-Brasil 2025, em sua essência, não é apenas um compêndio de eventos, mas uma poderosa manifestação de que a arte e a cultura são pretextos para a reflexão, o reencontro e a reparação. Em um tempo de polarizações e desafios globais, a iniciativa busca criar “ligações sutis”, promover a “atenção” e a “pulsão de vida”, pavimentando novos caminhos para uma civilização que preze pela convivência, justiça social e sustentabilidade, evidenciando que, como diria Deleuze, há alegria na capacidade da arte de incomodar e fascinar.

Vapor e concreto: Fluxos, de Laura Vinci

Por Tiago Mesquita

Optou-se, com acerto, por um conjunto conciso de peças, realizadas entre 2007 e 2025, articuladas com grande coesão, embora bastante diversas. Estão presentes trabalhos de entalhe e de molde, obras que incorporam fenômenos naturais — como Ainda Viva (2007) e No ar (2010/2017) —, além de outras marcadamente estruturais e serializadas, como as diferentes Correntes (2024) e o módulo gradeado de mármore, criado em 2014, instalado na área externa do museu.

Mesmo quando os trabalhos operam com materiais e forças voláteis — como pó, vapor, água, frio, calor ou o desgaste provocado pela passagem do tempo —, sua produção os associa continuamente a formas delimitadas e prontamente reconhecíveis. Esses volumes podem ser os cilindros de Pilarzinho (2024) ou os montes de mármore de Máquina do mundo (2005).

Justapostos a esses corpos robustos, os elementos etéreos relativizam a rigidez e a estabilidade comumente atribuídas à tridimensionalidade escultórica, conferindo-lhe um caráter transitório. Tanto os sólidos corpulentos quanto aquilo que parece se decompor, evaporar, migrar, transpirar ou triturar o material duro permanecem, de algum modo, inscritos na forma escultórica — coexistem, lado a lado.

É dessa convivência entre o que persiste e o que se dissipa, entre o estável e o efêmero, o objeto e seus rejeitos, que parece emanar a tensão central de alguns dos melhores trabalhos da exposição. Neles, não sabemos, se algo de fato está a se desfazer ou a se constituir – provavelmente, as duas coisas se dão simultaneamente.
Mesmo em esculturas formalmente estáveis — penso em Duas Graças (2016) —, o movimento está incorporado à morfologia: elas se apoiam sobre superfícies curvas que sugerem o giro torneado que teria moldado suas formas e que ainda sustenta o bailar delicado de seus corpos. Como se os volumes fossem feitos de um desbastar causado pelo rodopiado dos fusos, que ainda continuará.

Talvez por isso, na exposição Fluxos, temos a impressão de que as obras estão em permanente processo de constituição— como se continuassem a se formar ali, em tempo real —, relacionando-se entre si e intensificando seus sentidos na interação com a arquitetura do museu, projetado por Paulo Mendes da Rocha. Segundo Agnaldo Farias: “Ao ocupar o MuBE, as peças de Laura Vinci aderem à arquitetura de pele nua do museu”.
Embora exista, como afirma Farias, uma relação de adesão entre as esculturas e o espaço do museu, essa adesão se dá de modo friccionado. Penso, por exemplo, em No ar (2010/2017), quando um vapor frio sobe do piso do museu por debaixo da sua marquise.

Embora enigmática, a fumaça parece se relacionar com os volumes construídos. A junção da bruma com o prédio sugere o que poderia ser uma sublimação do concreto, a passagem do sólido para o gasoso. Independentemente de como se leia, algo a mais do que partículas de água parecem se desfazer com o vapor que sobe do piso. Temos a impressão de que algo se transforma e é inevitável relacionar com o pesado volume que abriga a instalação. A formação da névoa sedutora parece implicar no dispêndio de outra coisa. Algo está se constituindo enquanto outro elemento parece dissipar.

A escultura Sem Título (2011/2025) lida com a mesma ambiguidade. Apresentada nas galerias, no subsolo do museu, ecoa o trabalho feito para o Arte/Cidade de 1997, que, embora não tivesse título, ficou conhecido como Ampulheta. Naquela obra, um monte de areia distribuído sobre a laje de um prédio arruinado vazava por uma fenda ínfima para o andar inferior, formando ali um novo aclive. A poeira desmoronava da mesma forma que o edifício se corroía. Mas as marcas do que passou se depositavam.

Aqui, a dinâmica é um pouco distinta. Não há ruína. O pó de mármore escoa do interior de uma pequena pirâmide de alumínio invertida, suspensa no teto. Um fio fino de poeira cai de sua ponta e se espalha no chão. O trabalho se realiza menos no suporte de onde o pó escapa e mais no acúmulo gradual desse material no chão. O seu trânsito de cima para baixo, lida como um movimento de desorganização do volume.

Tal como as maçãs dispostas sobre a mesa polida de mármore em Ainda Viva (2007), a queda da areia é marcador da passagem do tempo — ou, mais precisamente, de uma representação do tempo como desgaste inevitável da matéria. Nesse sentido, embora não sejam obras moralizantes, ambas se aproximam das vanitas, memento mori: gênero artístico dedicado a lembrar a inevitabilidade do fim.

Nada, porém, soa grave, trágico ou lamurioso na exposição. Mesmo porque parece haver mais movimento nessa matéria dispersa, volátil, a se desorganizar do que nas folhas de metal dependuradas, da peça intitulada Solitárias (2025) , onde o ressecamento do vegetal parece ter sido suspenso.

Em um caso ou em outros — na fumaça, no pó, na folha solta —, Laura Vinci observa o que se desprende de uma estrutura estável. Talvez, se fosse uma escultora da tradição, interessar-se-ia não apenas pelas formas torneadas do volume final, idealizado, mas também pelas aparas e restos que ela desbastou do monolito.

Pinacoteca: 120 anos de arte em movimento

Concerto para piano com luvas de boxe
Concerto para piano com luvas de boxe (1980), Aguilar, marca o início da Banda Performática

A Pinacoteca do Estado de São Paulo (Pina) comemora 120 anos de uma trajetória marcada pela transformação. Fundada no final do século XIX, com projeto arquitetônico não acabado de Ramos de Azevedo, nasceu com a missão de preservar e estudar a arte brasileira. Ao longo das décadas, o museu ampliou seu acervo, incorporou o modernismo e passou a dialogar com a arte contemporânea, sem romper com suas raízes. O que começou como um espaço de perfil clássico, hoje se afirma como um centro cultural dinâmico, híbrido e em constante reinvenção.

Sob a direção do curador Jochen Volz, desde 2017, a Pinacoteca expandiu-se anexando outras duas unidades: a Pina Estação, que faz parte do Complexo Cultural Júlio Prestes e a Pina Contemporânea, que conta com dois espaços expositivos, a Galeria Praça, dedicada em grande parte às mostras experimentais e a Grande Galeria, que permite expor obras de grandes dimensões em um local de mil metros quadrados. Os três espaços contribuíram para transformar a instituição em um organismo vivo, aberto à diversidade e aos debates de nosso tempo.

Microscópio Para São Paulo
Microscópio Para São Paulo, 2011, Olafur Eliasson, Pinacoteca de São Paulo

Na celebração dos 120 anos do museu mais antigo da cidade, destaco um espaço que simboliza sua constante renovação: a rotunda central da Pinacoteca Luz. Ao longo do tempo, o local abrigou diferentes usos e propostas, de Teatro de Arena a Octógono, mantendo-se sempre aberto à arte contemporânea. Foi ali que o experimentalismo encontrou terreno fértil, permitindo que artistas desafiassem convenções e contribuíssem para transformar a instituição em um espaço de diálogo com o novo e o inesperado. Na década de 1970, o local composto de oito paredes, com sua geometria octogonal transformou-se em uma Arena, com arquibancada tanto para receber o público infantil dentro do projeto educacional, quanto os artistas que ministravam aulas e expunham obras não convencionais.

Em 1973, durante a gestão de Walter Wey (1972–1974), a rotunda da Pinacoteca recebeu uma cobertura transparente. Até então, o espaço era totalmente a céu aberto. A intervenção arquitetônica não apenas protegeu a estrutura, mas abriu caminho para que o local se tornasse um local de experimentação contemporânea. A mudança dialogava com iniciativas de vanguarda que já ocorriam em instituições como o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM), com cursos e performances conduzidos por Frederico de Morais, e o Museu de Arte Contemporânea da USP (MAC), sob a direção visionária do crítico e historiador Walter Zanini.

 SomosMuit+s: Experimentos sobre Coletividade
Parte da exposição: SomosMuit+s: Experimentos sobre Coletividade, 2019, de Rirkrit Tiravanija e Coletivo Legítima Defesa, intervenção em processo performático

A crítica e historiadora Aracy Amaral esteve à frente da Pinacoteca entre 1975 e 1979, imprimindo à instituição uma visão contemporânea que refletia sua formação. Um dos marcos de sua gestão foi a exposição Projeto Construtivo Brasileiro na Arte (1950–1962), realizada em parceria com o crítico Ronaldo Brito, uma revisão histórica dos movimentos concretista e neoconcretista. Aracy também voltou seu olhar à nova geração de artistas incentivando, entre outros, nomes como Cildo Meireles, Marcello Nitsche (1942–2009), Mario Cravo Neto (1947–2009) e o argentino Alfredo Portillos, integrante do Grupo CAYC, de Buenos Aires.

Entre 1979 e 1982, sob a direção do crítico e historiador Fábio Magalhães, a Arena da Pinacoteca consolidou-se como um espaço ousado da cena artística paulistana. Em pleno regime militar, o museu assumiu o papel de reduto de liberdade, resistência e experimentação. Magalhães abriu as portas para performances radicais e propostas fora dos padrões tradicionais. Um dos marcos desse período foi o Concerto para piano com luvas de boxe, apresentado em 1980 por José Roberto Aguilar. A ação marcou o nascimento da Banda Performática, coletivo fundado por Aguilar que mesclava música, artes visuais e teatro em happenings intensos e imprevisíveis. No palco, o artista tentava som de um piano usando luvas de boxe, enquanto a violinista Go o acompanhava em cena.

A apresentação incluía ainda extintores de incêndio, uma cítara e letras móveis que, ao final, formavam a palavra ARTE.

O grupo reunia nomes como Arnaldo Antunes, Paulo Miklos, Go, Marciano, Tuba, Flávio Smith e Lanny Gordin, entre outros. A performance se alinhava ao espírito do Parangolé, movimento proposto por Hélio Oiticica, que visava dissolver as fronteiras entre as linguagens artísticas, promovendo uma arte total, sensorial e participativa.

No mesmo clima de irreverência, em 1982, o coletivo 3NÓS3, formado por Hudnilson Jr., Rafael França e Mário Ramiro tomaram parte da intocável fachada da Pina. Eles instalaram uma faixa de plástico vermelho que cobria parte do edifício, encapando visualmente a instituição. Essa ação ocorreu simultaneamente à exposição individual dos integrantes, uma ocupação temporária que instigava o público a refletir sobre a relação entre arte, museu e mídia.

Mario Merz
Mario Merz (1925-2003) Expoente da arte povera mostra elementos de sua produção icônica em exposição de 2003

Também marcou esse período o artista argentino León Ferrari, cuja obra de forte carga poética e provocadora deixou sua marca na Pinacoteca em 1980, com a performance Percanto. Ferrari imediatamente conquistou o público ao extrair sons incomuns de esculturas compostas por hastes paralelas de ferro. O concerto, único em sua concepção, desafiava as noções convencionais de música e escultura, fundindo matéria e som em uma experiência sensorial.

Como um furacão, tudo muda com a chegada de Emanoel Araújo (1940-2022) à direção da instituição e, esse espaço também se transforma. O novo diretor convida o arquiteto Paulo Mendes da Rocha para fazer o projeto da reforma do edifício da Pinacoteca, o arquiteto Eduardo Colonelli se une a ele e mais uma equipe. O prédio tornou-se um espaço contemporâneo, com soluções arquitetônicas arrojadas, como as duas passarelas metálicas que conectam os quatros eixos da planta.

A partir da reforma da Pinacoteca o Octógono substitui a antiga Arena, assume uma nova vocação: tornar-se palco para instalações, muitas delas de caráter performático. Essa mudança de perspectiva, voltada para uma arte mais participativa e imersiva, transformou o Octógono em um verdadeiro trampolim para trabalhos memoráveis, marcados pelo novo e diálogo direto com o público.

Como afirma Jochen Volz, na apresentação do livro Projeto Octógono: 20 anos (aprendendo com artistas), com organização editorial de Pollyana Quintella: “Com 71 exposições no decorrer de 20 anos, o projeto é um dos mais duradouros programas museais no Brasil.”

O Octógono foi inaugurado com obras do artista italiano Mario Merz (1925–2003), um dos expoentes da arte povera, movimento que propunha o uso de materiais simples e naturais, como pedra, galhos, barro e vidro, em contraponto à arte industrializada. Com a curadoria de Danilo Eccher a exposição trouxe à Pinacoteca obras icônicas de Merz vindas de Buenos Aires e que depois seguiram para o Rio de Janeiro e Salvador. A instalação reafirmou a vocação da Pinacoteca para o diálogo internacional e interdisciplinar. A icônica estrutura em forma de iglu, que eternizou as ousadias de Merz com tubos de neon e sequências numéricas do matemático Leonardo Fibonacci (1170-1250), estabeleceu um elo entre ancestralidade e modernidade, ciência e poesia. Merz contribuiu para que a Pinacoteca entrasse no circuito internacional da arte contemporânea e ampliasse a percepção do público sobre obras não convencionais.

Ressoando as complexidades contidas nos conceitos poéticos da produção de Tunga, a instalação: À Luz de dois mundos, expôs elementos recorrentes de sua trajetória numa atmosfera ritualística que envolvia fios trançados, ímãs, objetos alquímicos, corpos simulados. A obra reafirmava o interesse do artista pela mitologia, processos de transformação e dualidade entre razão e instinto, uma síntese de seu barroco tropical.

À luz de dois mundos
À luz de dois mundos, 2018, Tunga reafirma o interesse do artista pela mitologia

Com um trabalho feérico, Olafur Eliasson, em 2011, envolveu o Octógono, com Seu corpo da obra, uma série de intervenções que explora espelhos, luz, cor e percepção, em uma conversa direta entre arte e arquitetura. Seu trabalho, composto de esculturas ópticas, questionavam os limites físicos do museu, convidando o visitante a tornar-se parte da obra e a perceber a arquitetura como um organismo vivo, refletindo sobre a construção de seu próprio olhar.

Na arte, o lúdico pode assumir muitas formas. Nas obras de Rirkrit Tiravanija (Buenos Aires, 1961), essa dimensão frequentemente emerge da interação direta entre público e obra. Foi exatamente o que aconteceu na Pinacoteca de São Paulo, durante a exposição Somos Muit+s: Experimentos sobre Coletividade (2019), com o Coletivo Legítima Defesa. Tiravanija instalou um “palco aberto” e o deixou à disposição do público, livre para ser ocupado como quisesse.

Oficinas, apresentações de dança e teatro, performances poéticas e até aulas de ioga tomaram o espaço, numa celebração da diversidade de expressões. No espírito do “tudo junto e misturado”, instaurou-se uma troca genuína entre arte e público, onde a experiência vivida se tornou parte da própria obra.

A proposta reforçou um dos pilares do trabalho de Tiravanija: a arte como processo coletivo, em que o sentido não está dado de antemão, mas se constrói na convivência e no engajamento. Um gesto plenamente sintonizado com a vocação do Octógono como espaço de experimentação e participação. ✱

Espaçonaves e guerrilhas: os tentáculos da arte pop no Brasil, uma outra ideia de popular

Astronautas
Claudio Tozzi, Astronautas (1969). Ao lado: Claudia Andujar, Chico Buarque (1968). Foto

Pop Brasil: vanguarda e nova figuração, exposição que aglutina um conjunto significativo de artistas e obras representativas das décadas de 1960 e 1970, é ao mesmo tempo um marco institucional, um resgate histórico e uma reconexão com questões fundantes da cultura brasileira. Apresentada pela Pinacoteca de São Paulo como o mais importante evento do calendário das festividades em torno dos 120 anos da instituição, a mostra também marca o 60º aniversário da antológica mostra Opinião 65, marco do movimento de renovação artística no Brasil, e celebra a renovação do comodato da Coleção Roger Wright, acervo que – juntamente com o do museu – constitui o núcleo central de Pop Brasil.

Por meio de 250 obras produzidas por uma centena de artistas, o visitante tem a oportunidade rara de ver lado a lado trabalhos que tangenciam questões fundamentais do período, como a adesão à linguagem popular, uma forte tendência ao coletivismo – em oposição a uma visão mais purista e autônoma da arte – e uma relação ácida e crítica com as instâncias de poder e os símbolos e atos opressores do regime militar então vigente. A exposição se articula em torno de sete núcleos, criando um mapa amplo das vertentes e caminhos trilhados no período. Mescla obras incontornáveis como A Bela Lindoneia, de Rubens Gerchman, que se notabilizou como a “Gioconda do subúrbio” e que vira tema da música do disco Tropicália, de Caetano Veloso, a trabalhos até agora pouco mostrados. É o caso, por exemplo, de Reparos na Nave 21, de Nelson Bavaresco, que entrou para o acervo da Pinacoteca um ano depois de realizada, em 1969, e nunca mais foi exibida.

Reconhecer que são muitos os ingredientes constitutivos desse momento de crise e renovação é um dos pontos altos da mostra. Já no texto de abertura, essa ideia de imprecisão – expressa inclusive na dificuldade de encontrar um nome único para um movimento de contornos cambiantes – fica evidente. O uso convencional da abreviação silábica “pop” indica uma aculturação e mascara o que há de inovador, disruptivo no movimento brasileiro, subordinação que é quebrada com a recolocação de termos usados para definir o movimento, como Nova Figuração ou Novo Realismo.

Mesmo tendo uma evidente relação com o processo norte-americano e europeu de incorporação da cultura de consumo, das técnicas industriais e de afronta à dita “alta cultura”, o fenômeno que começa a se moldar no início dos anos 1960 confronta-se com uma situação econômica, social e política de um país marcadamente subdesenvolvido. Yuri Quevedo, curador da exposição em parceria com Pollyana Quintella, sintetiza esse caráter ambíguo com o termo “pop feito à mão”, reforçando assim a condição precária, rudimentar e violenta da produção nacional nesse momento. Trata-se, afinal, de uma cena tensa e paradoxal. O homem chegava à lua e a televisão ocupava o cotidiano. Mas o Brasil seguia sendo majoritariamente rural e submetido aos desmandos de um longo período ditatorial.

Cansados do formalismo, de uma abstração descolada da realidade que a antecedeu, os artistas dessa geração retomam com força a potência das ruas, a concretude cotidiana em sua complexidade, real e poética, como se pode ver nos sete núcleos que compõem a mostra. Após reforçar o caráter coletivo, urbano e anti-institucional do movimento com um conjunto amplo de bandeiras mostradas na Praça General Osório, em Ipanema (dentre elas a icônica Seja Marginal, seja Herói, de Hélio Oiticica, bem como um conjunto amplo e potente de pinturas serigráficas de Pietrina Checcacci), a exposição enfrenta a questão ambígua, até mesmo paradoxal, da sedução e aversão em relação à hegemonia da cultura de massas.

A relação com ícones midiáticos e os mitos da modernidade tecnológica – ponto fulcral da pop norte-americana, que por uma feliz coincidência também pode ser vista em São Paulo por meio da antologia de Andy Warhol em cartaz no Museu de Arte Brasileira da Faap – está no cerne do núcleo “Astros e Astronautas”. Enquanto um sensual e tímido Chico Buarque nos é apresentado pelas lentes de Claudia Andujar, Altar para Roberto Carlos (mostrado por Nelson Leirner na mostra inaugural da galeria Rex, em 1966) coloca o dedo na ferida ao associar iconoclastia e devoção, situando-se “entre homenagem e escárnio”, como escreve Pollyana. Afinal, aqui assistimos a uma “cultura de massas submetida à censura e imbuída, encharcada, conduzida pelo Estado como forma de forjar uma falsa ideia de harmonia, integração e unidade nacional, num momento de grande violência”, sintetiza Fred Coelho no catálogo da exposição. Rica fonte de pesquisa, a publicação reúne não apenas imagens de todas as obras selecionadas, ensaios dos curadores e pesquisadores, mas também importantes textos históricos, que situam os impasses e anseios da época, de autores como Ferreira Gullar e Mário Pedrosa.

O próprio título dos núcleos expositivos – como “Poder e resistência”, “Multidão e Espaço Público”, “Construção, Imagem e Subdesenvolvimento” – revela o caráter instável e desafiador da produção do período. A política, num cenário opressivo, torna-se elemento incontornável. Quevedo usa um termo médico – “inflamação” – para tentar descrever esse ímpeto transgressor, que sacode um meio artístico que parecia estagnado. Um incômodo que se faz sentir em diferentes níveis, gerando respostas que incorporam novos materiais, linguagens e ações; ampliando os limites da ação artística, incorporando práticas e agentes artísticos até então excluídos do circuito e isolados sob o título de “naifs”, e, consequentemente, fazendo soçobrar estruturas e certezas. Afinal, “da adversidade vivemos!”, como afirma Hélio Oiticica na conclusão de Esquema Geral da Nova Objetividade, publicado no catálogo da exposição de mesmo nome, realizada em 1967 no MAM do Rio.

Olhando em retrospecto, não são poucas as semelhanças entre aquele período histórico e os dias atuais, e não apenas em termos políticos, o que parece explicar o interesse crescente em revisitar movimentos inovadores de contracultura, como as novas figurações e o tropicalismo. “Ficamos muitas vezes perdidos e a arte tem essa capacidade de nos provocar”, afirma Jochen Voltz, diretor da Pinacoteca ao explicar as escolhas para a programação da instituição no ano em que completa 120 anos. Segundo ele, estamos novamente num momento em que tudo está mudando radicalmente e em velocidade acelerada – realidade virtual, fake news… – é importante olhar para esses momentos de grandes quebras de paradigma e ver como a arte reage.

A eleição do “popular” e do pop como elemento fundamental da arte dos anos 1960 e 1970 (como referência e como produção) e também como fio condutor para a programação de 2025 – iniciada com a exposição Caipiras: das derrubadas à saudade – revela ainda uma intenção de ampliar o raio de ação do museu, incorporando práticas e agentes que por muito tempo ficaram excluídos. E conclui: “As categorias que a gente criou, diferenciando arte popular e arte erudita, ou arte acadêmica, talvez não se sustentem mais”. ✱

Manifesto Flaminaçu

Em 1927, apareceu nas páginas da revista Belém-Nova, publicação literária editada na capital do Pará, no coração da Amazônia, um manifesto endereçado “aos intelectuais paraenses”. O texto era assinado por Abguar Bastos Damasceno (1902-1995), escritor e advogado, e tinha o título Flami-n’-assú, que significa “chama grande”, em Tupi. As proposições contidas nesse manifesto tinham sido urdidas ao longo da década de 1920 pelo grupo de intelectuais da Amazônia do qual Abguar fazia parte, no qual pontificavam nomes como o do escritor e editor Bruno de Menezes (1893-1963), do editor Paulo de Oliveira (que chegou a ser açoitado em 1927 por motivos políticos) e do poeta Francisco Galvão (1906- 1956), entre outros.

Nesse manifesto crucial do modernismo amazônico, Abguar escreveu:
“FLAMI-N’-ASSU é mais sincera porque exclui, completamente, qualquer vestígio transoceânico; porque textualiza a índole nacional; prevê as suas transformações étnicas; exalta a flora e a fauna exclusivas ou adaptáveis do país, combate os termos que não externem sintomas brasílicos, substituindo o cristal pela água, o aço pelo acapu, o tapete pela esteira, o escarlate pelo açaí, a taça pela cuia, o dardo pela flecha, o leopardo pela onça, a neve pelo algodão, o veludo pela pluma de garças e sumaúma, a ‘flor de lótus’ pelo ‘amor dos homens’. Arranca dos rios as maravilhas ectiológicas; exclui o tédio e dá, de tacape, na testa do romantismo; virtualiza o Amor, a Beleza, a Força, a Alegria e os heróis das planícies e dos sertões, e as guerras de independência; canta ruidosa os nossos usos e costumes, dando-lhes uma feição de elegância curiosa”.

Em relação a que Flami-N’-Assu seria mais sincera, ao propor excluir completamente todo o eurocentrismo da arte brasileira que dominava o País desde a colônia?
Bom, um ano depois do Manifesto Flami-N’-Assú, em maio de 1928, Oswald de Andrade publicaria no número um da Revista de Antropofagia, em São Paulo, o Manifesto Antropófago, no qual reivindica a “Revolução Caraíba”, entroniza a deglutição do Bispo Sardinha e prescreve o seguinte:

“Apenas brasileiros de nossa época. O necessário de química, de mecânica, de economia e de balística. Tudo digerido. Sem meeting cultural. Práticos. Experimentais. Poetas. Sem reminiscências livrescas. Sem comparações de apoio. Sem pesquisa etimológica. Sem ontologia. Bárbaros, crédulos, pitorescos e meigos. Leitores de jornais. Pau-Brasil. A floresta e a escola. O Museu Nacional. A cozinha, o minério e a dança. A vegetação. Pau-Brasil”.

Por questões de isolamentos culturais, influências metropolitanas e econômicas, estratégias de disseminação de informação e outras, é óbvio que o Manifesto Antropófago afirmou-se como um debate intelectual reincidente e o Flami-N’-Assú quedou esquecido no número 74 da revista Belém-Nova, publicado em 15 de setembro de 1927 e hoje indisponível em versão fac-similar. Ainda assim, o manifesto animou obras de artistas posteriores da região Amazônica, como o poeta-xamã Vicente Franz Cecim (1946-2021), autor de Coisas escuras procurando a luz com dedos finos cheios de ervas: Uma história de amor e cinzas (2017).
A Semana de Arte Moderna de 1922 tinha espalhado pelo País a semente de uma ação de busca da identidade, mas as proposituras do Manifesto da Amazônia de 1927 vieram com uma carga de cisão ainda maior acerca das bases em que isso se daria. A própria noção de história da Amazônia, na arte indígena e no folclore, traria claridade a essa busca, segundo os intelectuais paraenses.

“FLAMI-N’-ASSU não é um estorvo aos grandes charivaris da civilização. Não! Ela admite as transformações evolutivas. O seu fim especialíssimo e intransigente é dar um calço de legenda à grandeza natural do Brasil, do seu povo, das suas possibilidades, da sua história. Entrego aos meus irmãos de Arte o êxito desta iniciativa, lembrando que o Norte precisa eufonizar na amplidão a sua voz poderosa”, prossegue o manifesto dos paraenses.
Abguar era amigo de Oswald de Andrade, Raul Bopp e Oswaldo Costa e participava das publicações de antropofagia. O Manifesto Flami-N-Assú decorre, portanto, da adesão de Abguar às teses e mesmo à retórica (é filho dileto do estilo oswaldiano) do modernista paulistano. “Uma visão que bata nos cilindros dos moinhos, nas turbinas elétricas, nas usinas produtoras, sem perder de vista o Museu Nacional. Pau-Brasil”, escreveu Oswald de Andrade em março de 1924, no seu Manifesto da Poesia Pau-Brasil.

Mas o manifesto paraense difere em sua radicalidade. Segundo conta o livro Esse Rio é Minha Rua, do paraense Ruy Antônio Barata, ainda inédito (a ser lançado durante a COP30, em Belém), Abguar Bastos teria lançado o Manifesto Flami-’N-Assú no centro de Belém, no lendário Café Manduca, na esquina das ruas Treze de Maio e Campos Sales, no Bairro do Comércio. O local, joia da boemia paraense, sempre se enchia de advogados, funcionários públicos, comerciários e passantes para o papo de fim de expediente, num tipo de happy hour “nem tão comportado assim”. Era ponto de encontro de intelectuais e boêmios como Bruno de Menezes, Abguar, Jaques Flores e Eustáquio de Azevedo, entre outros. Teria sido de uma das mesas do Café Manduca que Abguar teria lançado o Manifesto Flaminaçu (flami-n’-assú) como um grito de libertação: “(…) porque eu vos falo da ponta dum planalto amazônico, entre selvas, uiáras e estrelas”, bradava o Ginsberg do VerO-Peso.
Um artigo do historiador Aldrin Moura de Figueiredo, da Universidade Federal do Pará, na Revista de História, diz o seguinte sobre o texto de Abguar Bastos. “Não se tratava de pensar a região como um reduto de tradições, perdido no passado, à margem da história. Ideias de futuro, juventude, vanguarda, saber e arte indígenas fizeram parte do repertório cognitivo de sustentação ‘mental’ e ‘espiritual’ desse manifesto, nas contendas com o passado e a construção do presente”.

Abguar Bastos Damasceno
Abguar Bastos Damasceno O ideal revolucionário do escritor anunciava-se desde 1926, no Manifesto Flaminaçu (ou, como escreve Bastos, “FLAMI-N’-ASSÚ”), em que conclama os intelectuais do Norte a abandonarem seu tradicionalismo, voltando-se aos temas da realidade e do folclore amazônicos.

Abguar Bastos viveu com sua família em Manaus, entre 1921 e 1925, quando cursou a Faculdade de Direito do Amazonas. Nesse período, trabalhou como bancário, depois como tabelião e cartorário na cidade de Coari, a 363 quilômetros de Manaus, no Amazonas, tornando-se secretário e prefeito interino daquela cidade. Em suas muitas viagens pelo interior de Amazonas, Pará e Acre, colheu histórias e narrativas que utilizaria em seus romances e estudos de folclore, religião e alimentação, segundo conta o historiador Aldrin Figueiredo. Intelectual ativo, passou a publicar artigos em periódicos do Amazonas e do Pará a partir de 1926, quando envia suas colaborações para amigos e colaboradores editores das revistas A Semana e Belém-Nova e dos jornais A Tarde e O Estado do Pará.
Entre seus romances, Somanlu: o viajante da estrela, de 1953, é referido pelo historiador Aldrin Figueiredo como uma obra que inventaria “narrativas indígenas como parte de uma moderna escrita literária brasileira” e, portanto, é o prosseguimento de um esforço de decolonização. A noção de independência teria que se dar, no entendimento de Abguar Bastos, a partir também de uma ruptura com o espírito que deu luz ao modernismo brasileiro, vento soprado a partir de uma experiência europeia, e de nova compreensão do que fosse o regionalismo e a brasilidade. “E, assim, FLAMI-N’-ASSU marchará, selvas adentro, montanhas acima, conservadora, patriótica, verde-amarela”, diz o texto.

Abguar Bastos foi um dos criadores da União Brasileira de Escritores, da qual foi presidente, foi deputado federal e adido da Embaixada do Brasil em Varsóvia, na Polônia, e morreu em São Paulo, aos 93 anos, em 1995.

Leia o Manifesto Flami-N-Assú na íntegra:

“Não é um apelo de audácia nem de reclamo. E um apelo de necessidade e independência.
Como há dois anos atrás, recorro ao meu dundunar de sapopema oriunda – porque eu vos falo da ponta dum planalto amazônico, entre selvas, uiáras e estrelas.
Sapopema é o clamor do viageiro que se perdeu nas matas e apela; não é só isto, pode ser, também, o símbolo da voz da mocidade que teve comigo idêntica maqueira d’oiro para um sonho extraordinário de liberdade literária.

Ride, ó vós que não atinardes com as minhas palavras, ride-vos, à socapa escondidos nos cipós da intriga como curupiras de casaca a assoviar feitiços atrás das encruzilhadas. Ride.
Eu terei a serenidade dos morubixabas heroicos e sorrirei, também, de vossa agonia em me não compreender. Ouvi.

Primeiramente vós, poetas e prosadores divinos da minha geração, depois de vós, prosadores e poetas, apajelados à sombra das vossas tabas primitivas e que estais a ver, espetados em paus sagrados, os despojos, as glórias, as caveiras – das vossas escaladas às cordilheiras da Ilusão. Àqueles a minha voz vai confiada. A estes ela se intimida. Àqueles ela se recolhe como um zangão à sua colmeia. A estes ela recalcitra. Não que os receie no choque, mas, de fato, porque eles não procurarão, sem esforços dolorosos, metê-las em suas sacolas de Arte.

Assunto-vos agora o meu propósito de uma corrente de pensamento, cara a cara à que se inicia no Sul com esta pele genuína: ‘Pau-brasil’.

Oiço, rascantes, os agudos de serrotão das gargalhadas puristas. E oponho-lhes, seguro, esta verdade: nem um dos garimpeiros desse bando, correu à briga, sem ter uma bagagem de vulto onde toda a gente meteu a mão e trouxe pepitas faiscantes. Eles correram, escoteiros, todas as escolas, acordando, maravilhosos, o ritmo do universo, com a mais intuitiva segurança. E venceram. E glorificaram-se. E entenderam, por fim, que nem uma delas era verdadeira para o espírito nacional.

Rasgaram, pois, as redes do passadismo e deixaram passar a piracema da mais alta expressão da independência emocional.

Houve balbúrdia, como em chinfrim de tosca, à toa, mirabolante até, num grande revoar de papagaios arrepiados, papagaios teratológicos, por que tinham dentes de ouro no bico e poleiros de jacarandá. Apesar disso, noto, inflexível, que o repiquete ‘pau-brasil’ ainda não é o próprio volume da nacionalidade.

Daí a minha ideia com um título incisivo: – FLAMI-N’-ASSU. É a grande chama, indo-latina, aquilo em que eu penso poderem apoiar-se as gerações presentes e porvindoiras.
FLAMI-N’-ASSU é mais sincera porque exclui, completamente, qualquer vestígio transoceânico; porque textualiza a índole nacional; prevê as suas transformações étnicas; exalta a flora e a fauna exclusivas ou adaptáveis do país, combate os termos que não externem sintomas brasílicos, substituindo o cristal pela água, o aço pelo acapu, o tapete pela esteira, o escarlate pelo açaí, a taça pela cuia, o dardo pela flecha, o leopardo pela onça, a neve pelo algodão, o veludo pela pluma de garças e sumaúma, a ‘flor de lótus’ pelo ‘amor dos homens’. Arranca dos rios as maravilhas ectiológicas; exclui o tédio e dá, de tacape, na testa do romantismo, virtualiza o Amor, a Beleza, a Força, a Alegria e os heróis das planícies e dos sertões, e as guerras de independência; canta ruidosa os nossos usos e costumes, dando-lhes uma feição de elegância curiosa.

E, assim, FLAMI-N’-ASSU marchará, selvas a dentro, montanhas acima, conservadora, patriótica, verde-amarela.

FLAMI-N’-ASSU não é um estorvo aos grandes charivaris da civilização. Não! Ela admite as transformações evolutivas. O seu fim especialíssimo e intransigente é dar um calço de legenda à grandeza natural do Brasil, do seu povo, das suas possibilidades, da sua história.
Entrego aos meus irmãos de Arte o êxito desta iniciativa, lembrando que o Norte precisa eufonizar na amplidão a sua voz poderosa.” ✱

Muito além de “alegres, limpos, bem-vestidos”

Vania Toledo, Madame Satã, 1980
Vania Toledo, Madame Satã, 1980

Sempre me incomodei com as mostras retrospectivas sobre os anos 1980 porque elas basicamente se atinham a duas mostras do período: Como vai você, geração 80, no Parque Lage, em 1984, e a 18ª Bienal de São Paulo, em 1985, apelidada de A Bienal da Grande Tela, porque em três longos corredores expôs pinturas de grandes dimensões muito semelhantes.

Basicamente, ambas as exposições falavam mais sobre a linguagem artística, no caso a pintura, sem se atentarem à intensa politização do período, marcado pelos massivos comícios por eleições diretas, em 1983, o processo constituinte, que culminou com a chamada Constituição Cidadã de 1988 e mesmo a Aliança dos Povos da Floresta, que unia Chico Mendes (1944 – 1988), Davi Kopenawa Yanomami e Ailton Krenak, entre outros.
Essa intensa politização social, que emergia após duas décadas da ditadura civil-militar, sempre me pareceu contrastante com “os alegres, limpos, bem-vestidos” da geração 80, como ficou caracterizado o grupo de artistas que surgia naquele período, conforme o texto clássico de Frederico Morais, Gute Nacht Herr Baselitz ou Hélio Oiticica onde está você?

Cartaz da Aliança dos Povos da Floresta
Instituto Socioambiental – ISA, Cartaz da Aliança dos Povos da Floresta, 1989

Pois Fullgás – artes visuais e anos 1980 no Brasil, em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) de São Paulo até 4 de agosto, finalmente revê o período, agora com lentes mais atuais, já que as mostras anteriores costumavam ser feitas por curadores que viveram aquele momento e, por isso mesmo, costumavam seguir os mesmos padrões daquela época.

A chave agora é outra na curadoria de Raphael Fonseca, Amanda Tavares e Tálisson Melo.

A mostra abarca um período de 15 anos, que corresponde ao declínio da ditadura, com o fim do Ato Institucional nº 5, em 1978, até 1993, quando Itamar Franco se torna presidente do Brasil, após o impeachment de Fernando Collor. O próprio recorte, marcado por fatos políticos relevantes, já indica que a mostra não se debruça apenas sobre pintura. Finalmente.

Dois são os méritos essenciais da mostra: contextualizar o período de maneira abrangente e tirar do protagonismo a turma “alegre, limpa e bem-vestida” que circulava pelo Parque Lage, no Rio, e a Faap, em São Paulo, o epicentro de onde teria saído a maioria dos protagonistas da tal Geração 80.

Com mais de 260 artistas e coletivos no CCBB, esse ranço sudestino perde relevância, a pintura deixa de ser a linguagem dominante e experimentações em diversas áreas se somam a um ativismo que os manuais de história da arte do período não costumavam dar conta. Essa releitura se revela, aliás, essencial, quando o momento atual aponta para a importância da inclusão e da diversidade.

Fullgás representa um significativo passo neste esforço ao revelar que a produção negra e indígena de diversos estados do país se fazia presente nos anos 1980. Uma das produções mais relevantes na mostra, o Vídeo nas Aldeias, criado em 1987, é um paradigma para se pensar a autorrepresentação e nesses quase 40 anos formou diversas gerações de artistas indígenas.

Xuxa e Senna

A contextualização ocorre ao longo dos cinco módulos da mostra, todos com títulos que partem de músicas do período, o que já ajuda a recriar o ambiente sonoro da época: Que país é este (Legião Urbana), Beat acelerado (Metrô), Diversões eletrônicas (Arrigo Barnabé), Pássaros na garganta (Tetê Espindola), O tempo não para (Cazuza).

 

Outro destaque é uma banca de jornais, com revistas da época, com uma narrativa multifacetada sobre os principais fatos do país nos 15 anos da exposição. Lá também estão algumas capas de discos de vinil, reforçando a influência da música no período.

Mas há também muitos objetos de época, seja a réplica de um capacete de Ayrton Senna (1960 – 1994), o figurino de uma paquita do Xou da Xuxa ou um exemplar da Constituição de 1988, entre eles. Com isso, a produção artística do período não se distancia d

Leonilson, Sem título (As ruas da cidade)
Leonilson, Sem título (As ruas da cidade)
Foto: Sergio Guerini

o contexto cultural e, melhor, pode ser pensada a partir dele. Esse é um excelente partido curatorial empenhado em apontar como toda produção artística é fruto de um contexto e com ele dialoga.

Entre as capas de revista, está uma edição da Manchete com o título Aids e o amor, uma chave importante para a obra de diversos artistas da mostra, muitos mortos por conta da infecção do HIV, caso do cearense Leonilson (1957 – 1993), do gaúcho Rafael França (1957 – 1991) do goiano Samuel Costa (1954 – 1987), do norte-americano radicado no Rio Jorge Guinle (1947 – 1987) e do etíope radicado em São Paulo Alex Vallauri. Obras de todos eles estão presentes na exposição, o que aponta o impacto da Aids nessa geração. Não por acaso, o termo contaminação acaba sendo apropriado pelo circuito da arte.

Mesclar a cultura de massa dos programas de televisão, das revistas e da música com a produção de artes visuais do período é ainda uma opção necessária, frente ao hermetismo das mostras de instituições de arte que ignoram o contexto. Fullgás, nesse sentido, é uma pesquisa de fundo, que aponta como os museus ainda precisam se atualizar muito para uma comunicação mais eficaz com o público e com o compromisso de rever a própria história da arte.

Madame Satã

Nos anos 1980, o templo de cultura underground na capital paulista era o Madame Satã, no Bixiga, que além de uma discoteca era um espaço para ações performáticas. Em Fullgás, ele é lembrado por uma imagem de Vania Toledo (1945 – 2020). A fotografia, aliás, é uma linguagem muito presente na mostra, trazendo alguns artistas e coletivos que só nos anos recentes ganharam visibilidade, caso do Zumví Arquivo Afro Fotográfico, criado em 1990 em Salvador, e dos Retratistas do Morro, que registra a vida no Aglomerado da Serra, sul de Belo Horizonte, de 1960 a 1990. É de Afonso Pimenta, um dos integrantes do grupo, uma das imagens que ajuda a contextualizar o espírito da época: um dançarino de soul, que é sósia de Michael Jackson, foto realizada em 1987.

Mônica Nador
Mônica Nador, Mamãe Natureza, 1990.
Foto: Filipe Berndt

Mas a década de 1980 marca também o surgimento e fortalecimento do audiovisual, que vai impactar em muito a arte contemporânea a partir de então. Eduardo de Jesus tem no catálogo da mostra o texto Com e contra a televisão, onde aponta todo o experimentalismo do período, influenciado pelo programa Abertura, de Glauber Rocha, e pelo surgimento do festival Videobrasil, em 1983, essencial para o fomento e a inserção da produção audiovisual no circuito da arte.
Para além da diversidade de linguagem, Fullgás também está atenta à diversidade da produção territorial, como a produção de Hélio Mello (1926 – 2001), no Acre, ou do capixaba Elpídio Malaquias (1919 – 1999), para citar artistas distantes dos centros hegemônicos.

Finalmente, claro, há muita pintura também, especialmente de nomes que se consolidaram nas últimas décadas, como Leda Catunda, Adriana Varejão, Luiz Zerbini e Beatriz Milhazes, de um lado mais institucional, ou de Monica Nador que com o Jardim Miriam Arte Clube (Jamac) levou a pintura para muito além dos museus. Fullgás, ao final, é uma imensa amostra do que foram os anos 1980: uma mescla de otimismo pelo fim da censura, esperança com a democracia, mas com uma concentração de renda explosiva e violência nas cidades e nas florestas, que ainda seguem sem solução. ✱

Colaboradores da edição #71

Vania Leal foi curadora da primeira Bienal das Amazônias e, atualmente, é diretora de projetos especiais do Centro Cultural Bienal das Amazônias, em Belém (PA). Nesta edição, Vânia relatou a experiência da itinerância da Bienal, que passou por diversas cidades da região amazônica por cerca de um ano.

Caroline Vieira é mestre em Cultura e Sociedade pela UFBA, Doutora em Artes Visuais, linha de pesquisa em História e Teoria da Arte, pela Escola de Belas Artes da UFBA. Trabalha na área do audiovisual como editora e atua como pesquisadora da arte e da comunicação. Para esta edição, Caroline aborda as escavações que apontam vestígios do primeiro cemitério público da América Latina.


Leonor Amarante jornalista, curadora e editora. Trabalhou no Jornal O Estado de S.Paulo, na revista Veja, na TV Cultura e no Memorial da América Latina. Nesta edição escreve sobre os 120 anos da Pinacoteca de São Paulo.

Fabio Cypriano Jornalista, é crítico de arte, professor e diretor da Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes da PUC-SP. Nesta edição, Cypriano visita o Instituto Inhotim, que recebe 22 obras de artistas indígenas no Pavilhão Claudia Andujar, e o CCBB-SP, que revê a chamada Geração 80 na mostra Fullgás – artes visuais

Coil Lopes é desenvolvedor multimídia, designer, videomaker e programador. Atuando na ARTE!Brasileiros desde sua fundação, integra criação e tecnologia, produzindo fotografias, vídeos, newsletters e gerenciamento do portal.

Fotos: arquivo pessoal

Relatos de uma viagem que me define como “Corpo de rio”

Vânia Leal
Vânia Leal - Foto: Nailana Thiely

Vânia Leal, foi curadora da Primeira Bienal das Amazônias e acompanha as itinerâncias desta edição, que envolve a saída de diferentes núcleos da instituição para espaços parceiros. Por cerca de dois anos, a Bienal ocupará os rios amazônicos abrindo debates e aproximando territórios.

O projeto de itinerância surgiu da necessidade de levar o acervo das Amazônias brasileira e internacional para os artistas e o público de diferentes cidades nas quais a região está compreendida. Com isso, o projeto iniciou sua jornada que já passou por Marabá (PA), Manaus (AM), Macapá (AP), Boa Vista (RO), São Luís (MA) e Canaã dos
Carajás (PA). Esses deslocamentos são enfrentados entre dificuldades e desafios. Para Macapá, por exemplo, onde só se chega de barco e avião, as obras viajarampor meio de balsa.

Atualmente, Vânia Leal é diretora de projetos especiais do Centro Cultural Bienal das Amazônias, em Belém (PA) e tem acompanhado os deslocamentos que a primeira edição continua suscitando. A próxima edição da Bienal acontecerá em agosto de 2025.

Para a arte!brasileiros, Vânia comentou parte da experiência dessa itinerância.

Leia a seguir.

Por Vânia Leal

Iniciar a jornada da itinerância pela Amazônia Brasileira colocou meu corpo de curadora em deslocamentos por vias de estrada, campos, rios e floresta, utilizando variados meios de transporte: avião, carro e barco.

Em todos os estados, fizemos uma conexão com os rios como fonte de inspiração e desejo das águas, em um processo de hidrossolidariedade, encontro com culturas ancestrais, fusos horários diferentes, tempos amazônicos que alinham nossa espiritualidade com o coletivo.

Eu e Pâmela Carneiro, produtora da itinerância, compartilhamos experiências únicas ao longo dessa jornada. O encontro com o Rio Negro em Manaus, e o rio de Marabá, que se forma pela confluência dos rios Tocantins e Itacaiunas, ressaltam a importância desses marcos geográficos. Também exploramos os rios maranhenses como o Periá, Mapari e Anajatuba, o rio Branco em Boa Vista-RR, e o majestoso rio Amazonas em Macapá, no Amapá. Todas essas vivências foram marcadas por um profundo respeito e rituais de licença e rezo antes de entrar e mergulhar nas águas.

“Corpo de rio” me define numa perspectiva política, cultural, antropológica e humana na mais intrínseca natureza de existir. Ser do Norte e fazer parte da floresta me coloca numa condição de experiência com o lugar de maneira profunda que potencializa o fazer curatorial.

Em São Luís, no Maranhão, dançar o Tambor da Lua com a entidade Nãna Sá foi um presente que o mundo me deu. Nãna fez uma saia para mim em tempo de sóis: a saia ficou estendida em um varal cumprindo ciclos de sol para que fosse autorizada meu vestir e, assim, dançar nas ruas de São Luís.

Ver e acompanhar a queima e produção da cerâmica de Daya Roraima, parte dos ‘Saberes da Koko’Non’ (vovó barro em Macuxi), foi um momento mágico dentro da floresta. Ao redor de uma fogueira, dancei o Parixara para o fogo, envolvida por terra e água, em que a argila descansa através de uma técnica sagrada. A retirada do barro das margens dos igarapés é um ritual. Vivi espíritos felizes com Daya, desde a criação até a inauguração da obra na Praça Cívica de Roraima, terra Macunaimî, que me ensinou a sentir plenamente a força do Pajé Jenipapo, cujos grafismos de cura e bençãos Bruna Macuxi gravou em meu ‘corpo rio’.

Em Manaus, a força do encantamento conduzida pela Pajé e ativista indígena Dyakaripó com ervas, breus e rezos, reafirmou a força dos povos originários. Manaus, terra indígena fincada na floresta, amplia vozes múltiplas do saber e compartilhamento.

Em Macapá, capital que se encontra na linha do Equador, que divide os hemisférios, encontramos um símbolo da diversidade e resistência de uma Amazônia negra. A ancestralidade do barracão da Elisia Congó, em que o Marabaixo é força, é fé e identidade afro-amapaense, nos marcou. Os tambores do Amapá abriram nossa exposição, como povos que honram suas raízes negras.

A Bienal das Amazônias investe em uma política pública e afirmativa que resguarda os saberes ancestrais dos estados brasileiros. A itinerância é uma comunhão com as culturas mães que reforçam os desenvolvimentos das Amazônias que são pulsantes e resistentes.
Eu, como andarilha nessa jornada, levo nossas histórias de quem nasceu na beira do Rio Amazonas e vive nas beiras dos rios das Amazônias em uma comunhão florestânica.

Música melhora a matemática, teatro refina interpretação de texto

Nesta quarta-feira, 25, em Brasília, durante 10 horas, em uma jornada imersiva com a participação de uma centena de pessoas – especialistas e representantes públicos de quatro países (Alemanha, Colômbia, França e Brasil), secretários de Cultura e Educação de quatro estados do País (Espírito Santo, São Paulo, Minas Gerais e Bahia), três secretários de Estado do governo brasileiro e dezenas de especialistas, educadores e pensadores –, debateram-se as possibilidades, o histórico e as potencialidades de um tema de importância crucial para o futuro: a implementação da arte e da cultura na formação de crianças e adolescentes. Foi durante o seminário internacional Experiências Internacionais que conectam arte, cultura e educação. O simpósio foi realizado para apresentar e debater o estudo inédito Relatório de Boas Práticas: Recomendações para a Construção de Políticas Públicas de Arte, Cultura e Educação, realizado pela Fundação Itaú com apoio da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), ministérios da Educação e da Cultura e Inep.

A meta do encontro era muito clara: apresentar evidências concretas das inúmeras vantagens de se incluir, na educação de crianças e adolescentes, o contato com currículos artísticos integrados. De posse dessas informações, o poder público terá, futuramente, condições de trabalhar de forma concreta no impulsionamento de políticas públicas “mais equitativas e inovadoras” de incremento social, conforme o estudo. Os resultados mostraram o que é até evidente: a integração das artes aos currículos das escolas melhoram o desenvolvimento socioemocional dos jovens, a participação, os laços sociais, aumenta a pontuação em provas de escrita e ajuda estudantes com baixo desempenho, porta a melhores resultados acadêmicos futuros. Há resultados específicos entre as estatísticas apresentadas, como por exemplo; a educação musical na escola melhora as habilidades cognitivas, como consciência fonológica, matemática e velocidade de processamento; e a educação teatral ajuda a desenvolver habilidades verbais e a interpretação de texto. Um exame dos resultados do PISA (Programme for International Student Assessment, ou Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, realizado a cada 3 anos pela OCDE) identificou uma relação positiva entre a participação dos jovens de 15 anos em atividades artísticas e culturais e o desempenho acadêmico em matemática e leitura em alguns países (como Canadá, Estônia, Noruega e Reino Unido).

Não são conclusões das quais a sociedade já não tenha consciência: segundo o estudo, no Brasil, 8 em cada 10 pais ou responsáveis de crianças e adolescentes pedem para o poder público aumentar a oferta de atividades culturais nas escolas; 80% dos estudantes afirmam que gostariam de ter mais atividades culturais nas escolas; e 38% citam a escola como o local em que têm efetivo contato com atividades culturais. Mas, para os realizadores do simpósio, o Brasil (e boa parte da América Latina) ainda enfrenta um ambiente árido para que se demonstrem concretamente esses benefícios e suas vantagens, daí a importância desse primeiro estudo e do debate que acarretou. “Sabemos que é importante, mas constrangemos sua aplicação”, disse Esmeralda Macana, coordenadora do Observatório Fundação Itaú. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do Brasil, documento normativo que orienta o planejamento pedagógico nacional, tem cinco menções às artes em sua conformação.

Diana Toledo, executiva do Education Policy Outlook da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), responsável por apresentar esse primeiro relatório (que é resultado de um acordo entre Fundação Itaú e o governo brasileiro em 2024), elogiou a postura do Brasil em trabalhar com constância e continuidade na coleta de dados e explicou a relevância da parceria da OCDE com os dois ministérios e com a Fundação Itaú. “(O Brasil) é um contribuinte muito importante, coletando dados e informações de qualidade”, assinalou.

Há diversos estudos recentes realizados no Brasil que atestam como os setores artístico e cultural têm contribuído de forma considerável para o crescimento econômico e promovido habilidades e capacidades de inovação que terminam beneficiando outros setores, além de criar postos de trabalho qualificados. Entre 2012 e 2020, a taxa média de crescimento anual da economia da cultura e do setor criativo foi de 2,2% ao ano, em comparação a -0,4% da economia nacional em geral, segundo dados levantados em 2022 pelo Observatório Fundação Itaú.

Os painéis do dia foram capitaneados tanto por especialistas e ativistas independentes quanto por dirigentes do Estado brasileiro, e foi interessante observar a sinergia entre essas forças em relação ao assunto debatido. Fabiano Piúba, que é Secretário Nacional do Livro e da Leitura do Ministério da Cultura (MinC) leu um pequeno manifesto escrito, com grande receptividade, e relatou uma experiência quando secretário de Cultura do Ceará, entre 2016 e 2022, quando promoveu um programa de oferta de projeção de filmes para escolares no Cine São Luiz. Ali, ficou sabendo que para quase 100% dos estudantes (e também dos professores) participantes, aquela era a primeira vez que entravam numa sala de cinema, exclusão cultural a que chamou de “perversidade”.

Kátia Schweickardt, secretária de Educação Básica do Ministério da Educação, após emocionar os presentes ao falar de sua experiência em comunidades ribeirinhas da Amazônia, de onde é oriunda, demonstrou grande engajamento do governo federal na problemática apresentada. Após definir-se como mulher preta, destacou que, à revelia disso, não é pautada apenas pela pauta identitária e que, para seguir a orientação do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, de ampliar a jornada escolar, vê necessidade também de expandir os ambientes, e a cultura se adequa com precisão a essa demanda. “O Bumbódromo é um grande espaço educador, assim como as escolas de samba e todos os mestres da cultura”, afirmou. Kátia destacou que, desde que Lula iniciou o programa Escola em Tempo Integral, em 2023, o percentual de municípios que tinham políticas de educação integral pulou de 17% para 66%, com quase 2 milhões de matrículas.

Marcela Rocio Herrera Oleas, especialista científica do DLR Projektträger da Alemanha, falou sobre a instituição Kultur Macht Stark, e afirmou que a experiência alemã, que atendeu 1,5 milhão de participantes desde 2013, com mais de 50 mil atividades culturais e 50 milhões de euros de investimento, se baseia numa filosofia muito básica: as ideias têm que vir de baixo, e que antes de se iniciar um movimento social, deve-se iniciar um movimento de base, permitindo que apareçam várias soluções para lugares diversos, e não apenas uma para todos. Cada núcleo do Kultur Macht Stark deve ter pelo menos três parcerias locais para se realizar. O perfil dos professores, em geral oriundos da classe média, também não dá conta da especificidade de cada comunidade, por isso é importante envolver atores locais, de clubes a igrejas. “Não é só comer o pastel, mas inventar a receita”, afirmou.

Solmar Diáz, do Ministério da Cultura da Colômbia, falou sobre a experiência de educação integral em seu País e disse que, para o governo, trata-se de uma aposta estratégica de ressignificação do tempo escolar – nesse processo, se reconhece a integralidade do ser humano, algo que pode permitir o pleno desenvolvimento das dimensões da personalidade, com um reconhecimento cultural, socioafetivo e cognitivo das potencialidades de cada indivíduo. Na Colômbia, explicou Solmar, a ação educativa nas áreas recém-saídas de conflitos impõe também o reconhecimento de uma “pedagogia crítica do corpo”, para fazer frente aos traumas de guerras.

Instado a comentar como os indígenas brasileiros encaram tais questões, o escritor e ativista Daniel Munduruku brincou: “Tá todo mundo querendo adotar o modo indígena de educar”, divertiu-se. “Quem sabe agora a gente passe a ouvir as populações originárias”. Munduruku explicou que a experiência indígena, embora diversa no País, pressupõe uma educação para o todo, sistêmica, e sua tradição não vê as coisas de forma separada há muito tempo – arte e cultura não estão dissociadas de todas as outras atividades cotidianas. Ele contou o caso que lhe foi relatado pelo indigenista Orlando Villas-Boas, de uma mãe que fazia cerâmicas muito refinadas e o filho pequeno, assim que ela finalizava um vaso, ia lá e o quebrava. E a mãe fazia outro igualmente bem-acabado. Villas-Boas foi até ela, inconformado, para perguntar porque não fazia um vaso qualquer, feinho, já que seria mesmo quebrado. Ela respondeu-lhe que era assim mesmo que fazia. Ou seja: não se trata de dar destinações diferentes às coisas, elas são como devem ser.

O presidente da Fundação Itaú, Eduardo Saron, que abriu o simpósio, destacou que o fato de a escola ser o equipamento público mais presente no território brasileiro projeta a educação como “o catalisador das soluções, não só para o processo de ensino-aprendizagem, mas também das soluções (para as questões) que os territórios oferecem, a partir deste catalisador chamado escola pública”, capaz de contribuir para o desenvolvimento de uma nova subjetividade.

O secretário de Cultura do Espírito Santo, Fabrício Noronha (que também preside o Fórum Nacional do Secretários de Cultura), afirmou que esse novo e desafiador momento da educação no País abre perspectivas também novas, cujas demandas podem ser incorporadas às políticas do Sistema Nacional de Cultura (SNC), e que exigem uma convergência de agendas à qual ficará atento. “Saio daqui muito inspirado para várias ações lá no nosso território”, afirmou, adiantando que a inauguração do Cais das Artes, centro arquitetônico ousado de Paulo Mendes da Rocha prestes a ser inaugurado, deve abrigar projetos da rede estadual de formação do Espírito Santo.

Bel Mayer, educadora e coordenadora do Instituto Brasileiro de Pesquisa e Apoio Comunitário (IBEAC), expôs em um dos painéis a experiência de conquistar bibliotecas comunitárias no bairro de Parelheiros, na capital paulista, algo que parecia impossível há alguns anos (não havia nenhuma) e hoje o bairro já conta com um conjunto de seis instituições. Ela disse que é preciso adotar novas políticas de estímulo para as produções culturais, alertando para uma prevalência de editais de apoio pelo País todo. Recordou de amigos que chegam se lamentando que deixaram de se classificar para um edital por 0,2 ponto e que isso não lhe parece justo. “O que significa 0,2 ponto para engavetar um projeto de cultura?”. Bel lembrou uma consideração que ouviu do antropólogo mineiro Tião Rocha: “É preciso deixar de é-ditais para passar a ser é-de-todos”.

O jornalista Jotabê Medeiros viajou a Brasília a convite da Fundação Itaú