Sebastião Salgado
Foto: Sebastião Salgado

Perdemos um olhar especial, refinado e educado, que durante 50 anos vislumbrou o mundo. Faleceu, na sexta-feira, 23, em Paris, o fotógrafo documentarista Sebastião Salgado, mineiro de Aimorés, (1944-2025).

Sebastião seguiu e retratou a passagem do ser humano pelo planeta. Em suas fotos em preto e branco, a profundidade de um olhar que tentava traduzir a humanidade com generosidade e crítica. Certeira. De formação econômica, foi com este viés e um sólido embasamento cultural que ele documentou o século XX e o século XXI.

Quando Sebastião Salgado decidiu tornar-se fotógrafo, em 1973, o mundo era bem diferente. Analógico. A Guerra Fria ainda ocupava as páginas da imprensa, o muro de Berlim permanecia em pé, o Brasil estava mergulhado no pior período da ditadura militar. Foi neste cenário que Sebastião, que já carregava consigo uma bagagem como economista, com mestrado em São Paulo e nos Estados Unidos e, por questões políticas havia se mudado para Paris no final dos anos 1960, se aproximou da fotografia, abandonando completamente números e planilhas econômicas, e se voltou para câmeras e lentes fotográficas. Ele trabalhava para a Organização Internacional de Café e foi enviado para Angola para coordenar um projeto sobre a cultura do café naquele país. Além de lápis e calculadora levou a câmera – que, na verdade, era de sua esposa Lélia – e vários filmes. Foi lá que nasceu o Sebastião Salgado fotógrafo.

Desde as suas primeiras imagens e por sua visão de mundo forjada na economia e no humanismo, escolheu como tema de seu trabalho registrar a vida de pessoas que viviam à margem da sociedade. Suas fotos nos trouxeram as vítimas da fome na África, os mineradores de ouro na Serra Pelada, os camponeses e povos originários das Américas, os mutilados de guerra do Camboja, as vítimas das guerras, os sem-terra do Brasil e os lugares do mundo ainda preservados da destruição do ser humano. 

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Apesar de também ter sido muito criticado pela escolha estética de sua temática, também percebemos sua generosidade e dignidade com a qual olhava para seus retratados. Se fotografou a tristeza, também apresentou a esperança.

Se uma fotografia não muda o mundo, ela pode, sim, servir de gatilho para uma reflexão, para um bom debate. Como afirma a pesquisadora e historiadora Susie Linfield “uma fotografia não está ali para dizer ‘olha o que está acontecendo’, mas para nos advertir: ‘isso não pode acontecer’”.  Talvez por isso as imagens de Sebastião Salgado criaram tantas polêmicas. 

Ele, herdeiro da fotografia documental tradicional, nascida no começo do século XX, como uma fotografia de rua, do cotidiano de apresentar uma denúncia social ou,  ainda citando a Susie Linfield, “depois da fotografia, ninguém mais pode alegar ignorância”, trouxe sua visão bem demarcada para nosso olhar. Suas fotografias apresentadas em exposições pelo mundo permanecem vivas em seus livros, elaborados e editados em parceria com sua esposa Lélia Wanick Salgado, e por que não, coautora de suas obras. Ela mesma, produtora gráfica, autora e ambientalista brasileira, formada em arquitetura pela Universidade Paris VIII, foi a responsável por emprestar sua câmera para o Sebastião, nos anos 1970, e por desenhar e editar suas fotografias e exposições, ao longo destes mais de 50 anos de profissão: Outras Américas, Trabalhadores, Terra, Êxodos, Gênesis, Amazonia, Gold (Serra Pelada). Este é o seu legado, que esperamos permanecerá.

Com a morte de Sebastião Salgado, perdemos todos, inclusive seus detratores. 


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