Claudia Andujar
Claudia Andujar com artistas na Galeria Claudia Andujar Maxita Yano

Para os povos indígenas, parente é a expressão como eles designam outros membros das comunidades originárias, independentes de sua localização territorial e étnica. Por isso, faz todo sentido que a galeria no Instituto Inhotim dedicada à Claudia Andujar, considerada mãe do povo Yanomami, como diz Davi Kopenawa, receba agora 22 artistas indígenas da América do Sul, incluindo povos da Bolívia, Colômbia, Paraguai e Peru.

Andujar é detentora de uma carreira muito particular ao unir uma expressão estética refinada e experimental com engajamento político radical. Suas fotografias do povo Yanomami, realizadas desde 1971, expressam tanto uma visão paradisíaca, quando o contato com os brancos ainda era praticamente inexistente, quanto os genocídios provocados pela construção de estradas, da invasão de garimpeiros e da extração de madeiras. 

Em 1989, o genocídio Yanomami já era denunciado por Andujar em mostra no Museu de Arte de São Paulo (Masp), situação que segue ocorrendo. Só em 2020, segundo texto de Dario Vitório Kopenawa Yanomami no pavilhão, 20 mil garimpeiros invadiram suas terras e 570 crianças de seu povo morreram.

Vista da galeria com retratos de Cláudia Andujar e Paulo Desana. Foto: Fabio Cypriano

“Eu fiz o que pude”, me sussurrou Andujar, aos 94 anos, presente na reabertura de sua galeria, como um suspiro de quem gostaria de fazer mais. Seu pavilhão em Inhotim foi inaugurado há dez anos, com 426 fotografias, tornando-se logo uma referência mundial para o trabalho da artista, nascida na Suíça e naturalizada brasileira desde 1976, ela chegou aqui em 1955, portanto há 70 anos.

“Nosso trabalho foi contextualizar e potencializar a obra de Claudia Andujar”, explica Beatriz Lemos, curadora da mostra e de Inhotim. Quando inaugurada, há 10 anos, a galeria foi definida permanente, seguindo os exemplos de outras lá existentes, como as dedicadas à Miguel Rio Branco, Adriana Varejão e Tunga. 

Contudo, para Julia Rebouças, diretora artística de Inhotim, a reformulação da galeria de Andujar representa um novo momento no maior museu a céu aberto da América Latina. “É impossível imaginar continuar expandindo e não levar em conta a sustentabilidade. Por isso precisamos repensar as próprias galerias”, conta a diretora. Para ela, a nova configuração aponta ainda como “não se pode mais considerar a cultura sem a inclusão da produção indígena autorrepresentada”.

Claudia Andujar Maxita Yano

O começo dessa nova política com Andujar não poderia ser mais adequada. Se por um lado a galeria, que foi inaugurada com curadoria de Rodrigo Moura, já era impressionante seja pela arquitetura do espaço, seja pela seleção primorosa, a presença de uma nova geração de artistas indígenas atualiza estética e politicamente a luta dos povos originários. Com isso, o espaço passa a se chamar Galeria Claudia Andujar Maxita Yano, que na língua yanomami quer dizer Casa de Terra.

A curadoria seguiu a sequência e expografia original do espaço, que tinha na primeira sala fotos aéreas e de plantas do território yanomami, seguia com sua população retratada em harmonia com a floresta até as invasões e as formas de luta e resistência, que culminaram com a demarcação do território, em 1992, totalizando uma área similar a duas vezes o tamanho da Bélgica. Andujar ainda chegou a realizar uma nova série comissionada para local, de uma assembleia dos povos indígenas em 2014, com fotos coloridas. 

Na nova disposição, cada sala recebe a inserção de artistas em diálogo com a obra de Andujar. Com isso a galeria reúne agora cerca de 300 trabalhos: 200 da própria Andujar e outros 100 dos demais artistas. Uma preocupação importante foi manter o nível estético das imagens. “Imprimimos as fotografias aqui em Belo Horizonte, no melhor estúdio, para garantir a qualidade dos trabalhos”, conta Beatriz Lemos. As obras de artistas indígenas recebem um fundo acinzentado, para que sejam mais facilmente identificáveis.

As obras dos artistas indígenas não foram compradas por Inhotim, estão na galeria em regime de comodato – a mostra deve durar ao menos três anos. Mas é importante o registro que cinco trabalhos, envolvendo seis artistas, foram comissionados para a exposição, apontando aí o apoio ao fomento: financiar novas obras de artistas deve ser missão central de qualquer instituição da área. Entre elas está o painel de grandes dimensões de Olinda Silvana, artista do povo Shipibo-Konibo, do Peru.

Nessa nova configuração, há três eixos que marcam a galeria: a luta e o ativismo indígenas; as redes de aliados e suas conquistas comunitárias; e um debate mais próximo à história da arte que diz respeito à representação, imagem e identidade indígena.

Nesse último eixo estão alguns retratos inéditos de Andujar no pavilhão – Inhotim possui em sua coleção cerca de 500 fotografias dela, portanto 100 não tinham sido exibidas ainda – em diálogo com Paulo Desana, um dos artistas com obras comissionadas. Em “Os Espíritos da Floresta”, ele parte do resgate de memórias comunitárias de pintura corporal de duas aldeias localizadas em Brumadinho, cidade onde está localizado Inhotim. Aqui vê-se uma legítima preocupação da curadoria, com assistência de Varusa, em se aproximar do território onde se localiza o próprio Inhotim e onde vivem comunidades indígenas. Desana fez os registros usando tintas fluorescentes e luz negra, que dá ao conjunto um caráter lisérgico aos retratos.

Outro diálogo está na primeira sala, que conta com uma séria de UÝRA, artista de Manaus, no Amazonas, com uma séria de fotografias onde ela usa seu corpo como suporte para se mimetizar à natureza, colocando em prática o que Davi Kopenawa afirma quando ele diz que “sou floresta”. 

Vista de autorretratos da artista amazonense UÝRA. Foto: Fabio Cypriano

A galeria abriga ainda uma sala documental, que conta a história do envolvimento de Andujar, desde quando ela faz seu primeiro encontro com os Yanomami, em 1971, para a revista Realidade, até seu trabalho de assistência à saúde para vacinação, que resulta em sua série Marcados, passando pela criação da Comissão pela Criação do Parque Yanomami (CCPY), em 1978, que conquista a demarcação em 1992.

No total, são mais de 50 anos dedicados ao povo Yanomami, que variam de denuncias em órgãos internacionais importantes, como a ONU, à participação em mostras nos museus mais relevantes. Sua série Marcados, por exemplo, foi recentemente adquirida pelo MoMA, de Nova York. Toda fotografia realizada neste contexto é vendida com 33% do valor revertidos para eles, por meio da Hutukara Associação Yanomami, que também possui uma sala no pavilhão, com desenhos e vídeos de artistas do território. “Eu fiz o que pude” reflete uma fala humilde que contrasta com a grandeza de seu compromisso e de sua obra, agora residentes na Casa de Terra.


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