Vivemos anos de extrema banalização de valores, na economia como na cultura e na sociedade. Ao não ter conseguido uma mínima estabilidade na democracia para amplas camadas das populações, no lugar de encontrarmos soluções de equilíbrio entre as classes sociais, o acirramento é cada vez maior, criando um modelo próximo das décadas anteriores à Segunda Guerra Mundial. A extrema direita renasceu e se criou um campo social, uma espécie de vale tudo: não aprendemos nada, a impunidade avança, um policial joga uma pessoa de uma ponte, outro dá uma joelhada numa idosa. Psicopatas são eleitos, e seis meses depois ninguém entende como isso foi possível.

O mercado (chamam de farialimers, mas estão também em outras avenidas) dita as regras aos governos de turno, cria ameaças e um clima de terrorismo, manipulando números através do capital financeiro que conta com uma mídia que os apoia, mesmo que representam uma parcela ínfima da população, sobretudo no caso do Brasil.

À educação falta dinheiro. Aos museus falta dinheiro. Os governos deixaram de cumprir com suas obrigações, e os espaços públicos culturais, apesar da Lei Rouanet, dependem da roda da fortuna. Suas lideranças são profissionais do mercado, salvo raras exceções, com o intuito de poder captar dinheiro.

E isto está fora de controle. Estatutos são mudados de acordo com as necessidades de captação. Artistas são expostos em feiras e por galerias sem saber que estão sendo representados, como foi documentado em extenso artigo da revista Piauí, O Homenageado Oculto, do jornalista Henrique Skujis. No mercado secundário, obras de importantes artistas, que vieram à tona nos últimos dez anos, agora são disputadas a tapas entre galeristas. Não há regras, nem de ética nem de convivência.

Até o mundo capitalista teve que criar normas para sobreviver. O CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica – criado em 1965, primeiro como órgão do Ministério de Justiça, e hoje uma autarquia federal, atua para garantir a livre concorrência. Investigar e decidir, atuar em casos de fusão ou aquisição de empresas, vigiar casos de abuso econômico.

Por que não temos um CADE no mundo da cultura? Um CADE no mercado de arte. E não só, um órgão que represente todos os interesses de diferentes áreas envolvidas para defender, como, por exemplo, leis específicas para as artes visuais que ficarão de fora de uma tributação mais justa. (Sobre isso, importante ler As artes visuais vão ao front, por Jotabé Medeiros).

Dentro deste caos, há vários espaços nacionais que vêm se mostrando exemplos de ponta. No Ceará, uma combinação de público e privado (Governo estadual + a OS Instituto Mirante de Cultura e Arte) garante investimentos de primeira qualidade para todos, descentralizando os esforços ao largo de todo o estado. Com excelentes montagens de exposições, com suporte de equipamentos tecnológicos de última geração para restauro e preservação de obras, reformas de prédios tombados etc. Nesta edição, uma longa entrevista do Marcos Grinspum Ferraz com o fotógrafo e gestor Tiago Santana, nascido no Carirí, diretor do Instituto Mirante, mostra as dificuldades e o caminho das pedras.
Outro grande circuito cultural fora-do-eixo que tem se sobressaído foi o Paraná, com a aguerrida Secretária de Cultura Luciana Casagrande à frente, que sustenta uma política de investimentos públicos junto a patrocínios privados que deram enormes resultados, apesar dos cortes do bolsonarismo e da pandemia. Leia também nesta edição a entrevista de Leonor Amarante sobre a revitalização da sede do MAC-PR.

Trata-se de vontade política e convicção de que a educação e a cultura podem nos ajudar a sobreviver à barbárie. Sem lugar para a dúvida, parte desta histeria e descontrole acaba respingando na própria produção dos artistas e na confusão de colecionadores, pouquíssimo conhecedores ou desavisados.

Em 2019, o artista italiano Maurizio Cattelan, conhecido por sua obra contemporânea provocativa, vendeu na feira de Art Basel Miami Beach, a obra Comedian, uma banana grudada com silvertape na parede, por US$ 120 mil. Esse valor já foi considerado exorbitante naquele momento, mas, para surpresa de todos, a banana ressurgiu num leilão da Sothesby e foi arrematada por US$ 6,2 milhões, em criptomoedas, pelo seu dono. Obviamente, nem um centavo foi para o artista. A turba aplaudiu, produziu mil imagens, milhares de likes.

Isto não é valorização de uma obra, é pura especulação. A obra deixou de ser uma obra para transformar-se num simples commodity, um produto lançado na bolsa de valores da impunidade. Não vamos dar aqui aula de história da arte ou sobre a importância do movimento da arte conceitual a partir dos anos 1960. Em contrapartida, contra a BANANAlização da arte, resolvemos falar nesta edição de alguns dois artistas conceituais que prezamos. William Kentdrige e Renata Lucas, em textos de Fabio Cypriano, e Cildo Meireles, em matéria de Eduardo Simões. Artistas que fizeram, das suas obras, não apenas uma provocação, e sim uma reflexão intrínseca e poderosa que os levou a um encontro fundamental com seus públicos.

Aproveitem esta edição e tenhamos um excelente 2025! ✱


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