Dani Tranchesi
Em ação, a fotógrafa Dani Tranchesi, que está viajando o país para fazer registros de religiosidade e brasilidade. Foto: Cortesia da artista

Entre o fim de 2019 e o início de 2020, a fotógrafa Dani Tranchesi havia iniciado um novo projeto, sobre festas religiosas no Brasil. Chegara a registrar as comemorações em torno de Santa Bárbara, em 4 de dezembro de 2019, em Salvador, onde o sincretismo também comemora, nesse dia, a orixá Iansã. E, em 2 de fevereiro, fotografara as homenagens a Iemanjá, também na capital baiana. Já havia programado, entre outras, uma viagem a Nova Jerusalém, em Pernambuco. Veio a pandemia, e os planos foram interrompidos.

A quarentena imposta pela crise sanitária acabou fazendo com que Dani e o curador Diógenes Moura, colaborador recorrente dela, repensassem parcialmente os planos. “Eu me perguntei se o foco deste novo livro deveriam mesmo ser as festas, ou se a religiosidade no Brasil é muito maior e vai além delas. Será que minha fotografia de rua e estas pessoas que registro não têm também a ver com o tema?”, questiona a fotógrafa que, no entanto, não abriu mão das festividades religiosas, agora que a pandemia permite viajar, ao menos.

“Ampliamos o projeto. Obviamente vou para algumas festas, como o São João no interior do Maranhão, aonde irei acompanhada do Márcio Vasconcelos, um fotógrafo maranhense, que por sua vez convidou um antropólogo local para nos ajudar. Em setembro, também vou a uma procissão de caminhões enfeitados que acontece em Juazeiro do Norte, no Ceará. O trabalho passará a incluir registros do interior do Brasil, seus costumes, suas casas, retratos das pessoas. E Diógenes Moura, que também é escritor, fará crônicas sobre os lugares”, conta Dani.

Batizado de Seja o Que Deus Quiser, o livro em gestação será lançado no primeiro semestre de 2023. O título, afirma Dani, reflete um pouco de seu processo de criação na fotografia. “Não há uma programação rígida, ninguém sabe o que vai acontecer ao longo do caminho”.

Um dos registros que deve constar de “Seja o Que Deus Quiser”: a estátua de Padre Cícero, em Juazeiro do Norte. Foto: Cortesia da artista

Nascida em Concórdia (SC), Dani Tranchesi se mudou ainda criança para São Paulo, em 1974. Quando estava por completar 15 anos, em vez de uma festa de debutante, pediu à mãe dois presentes: passagens para Curitiba, onde havia estudado e mantinha amigos de infância e adolescência, e uma câmera. “Olhando para trás, vejo que estavam ali as minhas duas grandes paixões: as viagens – tanto faz se pelo Brasil ou pelo mundo, para conhecer pessoas e outras culturas – e a fotografia. Ela, então, sempre esteve presente”, afirma.

A primeira câmera de Dani Tranchesi foi uma Canon, marca que se tornou sua preferida ao longo dos anos. Hoje, ela tem duas grandes – “uma delas tem 50 megapixels, algo muito importante, porque faço impressões grandes” -, mas mantém também à mão uma pequena. “É muito boa para a rua. Traz agilidade e sobretudo discrição. Se eu estou num lugar que imagino ser mais perigoso, prefiro levá-la, porque aí ninguém percebe muito. Quando eu sinto tranquilidade, pego uma das maiores”.

Depois de ganhar a primeira Canon, Dani fez cursos livres de fotografia e levava uma câmera sempre consigo. Formou-se em Comunicação na Escola Superior de Propaganda e Marketing, mas não desistiu de sua vocação artística. “Eu sabia que me faltavam técnica e conhecimento. Daí fui para a Escola Panamericana, onde aprendi a fazer projetos. Eu era obrigada a sair de casa, conceber e executar um projeto, em São Paulo mesmo. E o último trabalho que fiz para o curso foi justamente sobre as feiras livres, uma ideia que acabei recuperando no livro e na exposição 3 é 5 [apresentada na Galeria Nara Roesler do Rio, entre fevereiro e março deste ano]”.

Em 3 é 5, Dani mostrou registros do dia a dia das feiras públicas em São Paulo. Também foi um projeto afetado pela pandemia, até o momento em que a fotógrafa descobriu que justamente as feiras haviam recebido a permissão de continuarem abertas. A primeira que registrou foi no bairro de Campos Elíseos, e que ocorre sempre aos sábados. Depois vieram as de Santa Cecília e do Bexiga.

“Fiquei encantada com aquele mundo, o colorido, aquelas pessoas, eu ia nas madrugadas acompanhar as montagens, voltava à tarde para ver a limpeza e fui me relacionando com as pessoas, porque muitos daqueles trabalhadores estão nas mesmas feiras. Ter essa relação me permitiu chamá-los para fazer os retratos que mostro também no livro. Eu levava painéis, punha tecidos, era algo bem mambembe, parecido com algo que fotógrafos africanos faziam maravilhosamente bem”, conta.

Entre fevereiro e março de 2020, Dani havia levado à Galeria Estação, que a representou de 2016 a 2021, sua primeira colaboração com Diógenes Moura: o livro e a exposição Lindo Sonho Delirante, com imagens produzidas entre 2018 e 2019. “Eram como dípticos, paralelos entre o centro de São Paulo, do morador de rua aos viadutos, e o interior das casas da Ilha de Marajó. O lado cinzento da cidade em contraste com a beleza, do colorido dos tecidos, das panelas brilhantes daquelas moradas”, explica.

Após sair da Estação, Dani se viu diante de uma oportunidade: uma sala contígua a seu espaço de trabalho, no Itaim Bibi, ficou vaga, e ela criou ali o Estúdio 41, onde voltou a apresentar a mostra 3 é 5, entre agosto e setembro do ano passado. Em 31 de maio, ela abriu no espaço a exposição Lugares, do fotógrafo piauiense Luiz Fernando Dantas e com curadoria de Rosely Nakagawa. A mostra fica em cartaz até 16 de julho e Dani faz questão de ressaltar que o lugar não se trata de uma galeria convencional.

“Eu jamais quis ter uma galeria e lidar com artistas permanentemente, representá-los, cuidar de acervos, apresentar sua produção a instituições etc. Mas queria poder fazer trocas, especialmente com pessoas que não têm galeria. Algo mais leve, que trouxesse a oportunidade de mostrar coisas novas para as pessoas”, conta. “Então achamos este modelo, em que o Diógenes faz a direção artística, tudo passa pelo crivo dele. E abrigamos mostras por um período de dois meses”.

Uma “fotógrafa de rua” por excelência, como gosta de salientar, Dani carrega sempre consigo uma câmera e também faz eventuais registros com seu celular, esteja ela num carro ou andando. Os fotógrafos que a inspiram são muitos: do trabalho contundente do brasileiro Miguel Rio Branco às “coisas gigantes” produzidas pelo alemão Andreas Gursky. As viagens continuam ser uma grande fonte de inspiração também, claro, mas Dani está sempre atenta às mostras de artes visuais e fotografia, onde quer que esteja.

“Elas me trazem novas ideias. Eu adoraria, por exemplo, um dia pintar sobre minhas fotos. Já tentei fazer algumas intervenções com velas. Mas não tenho muito, ainda, habilidades manuais. Uma vez fui fazer um curso com a Pinky Wainer chamado ‘Aprendendo a Machucar Imagens’. Foi muito difícil para mim, porque eu não conseguia. E a Pinky falava para mim que eu precisava ser um pouco menos certinha, menos limpinha, menos elegante”, conta. “Pode ser que eu me volte um pouco para isso, para usar na fotografia”.


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