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Ganham destaque obras que interagem com a cidade de Sorocaba

O principal espaço expositivo da mostra Frestas, a trienal de arte organizada pelo Sesc em Sorocaba, é uma garagem. O que poderia representar um certo desprezo pela arte contemporânea, escondendo-a em um setor que regularmente abriga automóveis, revela-se como uma estratégia acertada. O pé direito alto e os grandes espaços sem paredes possibilitam às obras um acolhimento adequado enquanto o aspecto um tanto marginal do local tem tudo a ver com a temática da exposição deste ano: “Entre pós-verdades e acontecimentos”.

Pós-verdade é a maneira técnica de se referir a boatos intencionalmente criados para disseminar falsas verdades, ou seja, surgem de lugares um tanto “invisíveis”, como as garagens, para espalhar mentiras. Desde 2016, quando o dicionário Oxford a escolheu como palavra do ano, “pós-verdade” tornou-se um objeto de estudos e debates.

Por isso, ponto para Daniela Labra, a curadora de Frestas, que trouxe a questão para o campo da arte, um lugar perfeito para o debate da linguagem. Nesse sentido, muitas obras apontam exatamente para esse momento de verdadeira fadiga, quando não só o discurso nas redes sociais, mas também dos grandes veículos de comunicação estão em suspeita.

Na mostra, a obra que sintetiza melhor essa questão é “O ano da mentira, 2017”, de Matheus Rocha Pitta. Nela, um calendário de 365 dias estampa de fato apenas uma data em todos os dias, 1º de abril, com imagens de manifestações populares. Difícil melhor imagem para quem lê jornal diariamente e se vê diante de notícias que, mesmo quando verdadeiras, parecem mentiras, dada a desgraça em seu conteúdo.

Sendo assim, obviamente o tom político da mostra é alto, como o momento de fato pede, mas nem sempre tão explícito. A mexicana Teresa Margolles, por exemplo, comparece com uma coleção de joias, compostas por ouro 18 quilates e estilhaços de vidros extraídos de corpos assassinados, em vez de diamantes. Aqui, a violência que envolve narcotráfico seduz, tanto quanto as carreiras de cocaína que embalam uma sociedade hipócrita, que condena os cartéis, mas consome seus produtos.

Há um caráter de urgência em “Frestas”, que se percebe não só pela temática, como pela natureza dos trabalhos: mais de metade dos 60 selecionados comparece com obras comissionadas pela Trienal. Com isso, artistas produzem na temperatura do tempo presente, e o Sesc cumpre importante papel na cena, que é ser também um espaço para o fomento e não apenas de exibição.

Nesse sentido, ganham também destaque obras que lidam com a cidade de Sorocaba, como no procedimento quase ingênuo, mas de grande efeito plástico, do cubano Reyner Leiva Novo, que montou um imenso painel com escovas de dente usadas, trocadas por novas com moradores de um bairro da cidade.

Mais política é a intervenção de Maria Thereza Alves, que pesquisou vestígios de comunidades indígenas na região, mas o único registro encontrado foi uma urna mortuária em um museu da cidade que não tem acesso ao público. A partir desse contexto, ela criou o projeto “Um Vazio Pleno”, para o qual o ceramista indígena Maximino Kalipety, de Dourados, confeccionou réplicas da urna enterradas em pontos no centro da cidade, entre eles o pé da estátua do bandeirantes Baltasar Fernandes, fundador de Sorocaba.

É com obras assim que Frestas ganha especial relevância, criando um diálogo de fato com a cidade, e não apenas exibindo trabalhos que falam do presente, de forma genérica. Mesmo obras de grande formato, como dos grafiteiros Nunca e Panmela Castro foram realizados em prédios da cidade, ele também tratando da questão indígena, ela do empoderamento feminino.

Ao criar tal experiência fora da capital, o Sesc contribui para que a arte contemporânea mais radical não seja vista apenas em grandes centros, como também as Gorilla Girls, que lá são vistas de forma muito mais dinâmica que no Masp, aliás.  É a partir desse tipo de compromisso com o contexto que a pós-verdade pode ser combatida e evitada.


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