Nova obra permanente de Robert Irwin. Foto: Leo Lara/Divulgação

No último dia 9 de novembro, em um sábado ensolarado marcado por inaugurações de obras e de um novo jardim, pela reabertura de pavilhões que estavam em manutenção e por um show ao ar livre, o clima no Instituto Inhotim era de celebração. Um enorme número de visitantes caminhava pelos vários trajetos dos 140 hectares do “parque museu” mineiro, localizado na cidade de Brumadinho, e formava filas para adentrar as galerias de arte contemporânea, os restaurantes e cafés e para conseguir lugar nos carrinhos que levam às obras mais afastadas do parque.

Não que 2019 tenha sido um período fácil para a instituição, criada pelo empresário Bernardo Paz e que completa 13 anos aberta ao público. Pelo contrário, se Inhotim já atravessara diversas crises políticas e financeiras nos últimos anos – da condenação de Paz na justiça em 2017 ao surto de febre amarela na região em 2018, que resultou em enorme queda na visitação – nada seria comparável ao rompimento da barragem da mineradora Vale no dia 25 de janeiro deste ano, que inundou grandes áreas de Brumadinho e deixou 251 mortos na região.

Se a lama não atingiu diretamente o território do instituto, afetou a vida de grande parte de seus funcionários – entre os 600 empregados diretos de Inhotim, 80% são da cidade – e causou outra drástica queda no número de visitantes, com a quase paralisação do turismo local. Para quem começou o ano neste quadro, chegar a novembro inaugurando a maior obra já construída do americano Robert Irwin, uma instalação na galeria Claudia Andujar, uma grande exposição coletiva de esculturas e reabrindo para visitação célebres obras de Matthew Barney, Tunga e Yayoi Kusama parece ser, de fato, motivo de celebração. Ainda mais considerando a rápida retomada nos números de visitação e o aumento nos valores de patrocínios e doações financeiras.

Instalação de Claudia Andujar, Leandro Lima e Gisela Motta. Foto: Leo Lara/Divulgação

Para alcançar tais resultados, Inhotim focou primeiro em campanhas de esclarecimento – “precisávamos mostrar que estávamos abertos e em pleno funcionamento”, conta o diretor-presidente do instituto, Antonio Grassi. Além disso, promoveu uma renovação institucional, com a chegada da nova diretora executiva, Renata Bittencourt, e um fortalecimento dos vínculos com a cidade de Brumadinho. O programa Nosso Inhotim, criado este ano para permitir aos moradores da cidade visitação gratuita e regular ao parque, já soma 5500 cadastrados. Grassi ressalta que o instituto contou ainda com a “sensibilização de patrocinadores e doadores”, por mais que ainda dependa de um aporte de Bernardo Paz para fechar o orçamento anual de cerca de R$ 34 milhões.

“A ideia de regeneração é muito cara hoje a Brumadinho, tanto no sentido do meio ambiente, físico, como também emocional, em uma cidade que foi atingida por essa tragédia”, afirma Bittencourt. “E além do nosso compromisso com a arte contemporânea, existe esse Inhotim que é símbolo de regeneração do meio ambiente, especialmente lembrando que toda essa área que é hoje um jardim botânico era área desmatada, de pasto ou usada para transporte de minérios”. Deste modo, afirma Bittencourt, além de espaço cultural, Inhotim também se consolida cada vez mais como “local de encontro, de paz e de cura”.

Inaugurações

Maior destaque entre as novidades, a obra permanente de Robert Irwin, hoje aos 91 anos, dá sequência ao trabalho de um dos artistas pioneiros na criação de ambientes imersivos que proporcionam experiências multissensoriais. No ponto mais alto do parque, a escultura octogonal de concreto, aço e vidro – com 6,3 metros de altura por 14,6 de diâmetro – cria, a partir da luz do sol que transpassa o vidro esverdeado, uma espécie de pintura que se desloca pelo chão e paredes. Ao lado da também grandiosa Bean Drop, de Chris Burden, trata-se de mais um trabalho que revela um Inhotim de realizações ambiciosas. “É uma obra muito sensível e que também fala desse instituto que viabiliza, que materializa projetos que são audaciosos, por vezes sonhados por décadas pelos artistas e que aqui encontram condições para serem realizadas”, diz Bittencourt.

A nova exposição temporária, na Galeria Mata, partiu da circunstância da inauguração do trabalho de Irwin para debater questões sobre a escultura contemporânea, tais como abstração e tridimensionalidade, uso das matérias primas e ressignificação de objetos cotidianos. Fazem parte da mostra os artistas brasileiros Alexandre da Cunha, Iran do Espírito Santo, José Damasceno, Laura Vinci, Marcius Galan e Sara Ramo.

Trabalho de Alexandre da Cunha na exposição “Visão Geral”. Foto: Leo Lara/ Divulgação

No pavilhão dedicado à obra de Claudia Andujar, com suas marcantes séries de fotografias feitas entre os povos Yanomami na Amazônia, uma nova videoinstalação feita por Gisela Motta e Leandro Lima inserem o trabalho de Andujar em um campo ainda não explorado pela artista. Em uma sala escura, uma foto de 1976 de uma maloca pegando fogo parece ganhar cor e vida com a projeção feita através de um filtro vermelho e uma camada de água em movimento. Com a chama em permanente movimento, a obra, intitulada Yano-a, transmite uma ideia de suspensão no tempo, de algo que queima eternamente, e acende o sempre atual debate sobre a causa indígena.

O novo jardim, por sua vez, intitulado Sombra e Água Fresca e com mais de 3 hectares de área, é o maior dos jardins do parque e tem paisagismo assinado por Pedro Nehring. Com cerca de 700 espécies de plantas nativas e exóticas – entre elas 100 espécies de árvores frutíferas – e um trecho de mata fechada ao lado de um riacho, o espaço também dialoga com a ideia de cura, segundo Bittencourt.

Assim, um trabalho de reestruturação financeira e fortalecimento de vínculos com a comunidade local, associado às ideias de regeneração e cura, pautam o trabalho de Inhotim em um ano difícil não só pelo desastre em Brumadinho, mas também pelos constantes ataques à cultura por parte do governo federal – incluindo casos de censura que voltam a assombrar o país. Como ressalta Grassi, “nossa instituição preza e foca seu trabalho na defesa da liberdade de expressão. Isso é um bem do qual não se pode abrir mão. E claro, como OSCIP (organização da sociedade civil de interesse público), nós temos a obrigação de estar abertos e dispostos a dialogar”.

Por fim, após listar com otimismo uma série de shows e novos projetos planejados para o ano de 2020 (incluindo a abertura de uma galeria dedicada à obra da japonesa Yayoi Kusama), Grassi conclui ressaltando sua preocupação com o cenário: “A gente acompanha o panorama com muita atenção, e com certa tensão, e torce para que as coisas possam se desenvolver cumprindo os ritos constitucionais, da liberdade de expressão, da valorização da arte. É claro que esse quadro todo é muito preocupante, e que não é uma coisa só do Brasil. Por isso, afirmar o papel fundamental da cultura e da arte, num momento de muita incompreensão, é para nós uma missão”.

*O jornalista viajou a convite do Instituto Inhotim


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