Elizabeth Wicks e Marina Vicente trabalhando na restauração da pintura "São João [San Giovanni di Dio] cura vítimas da praga", de Violante Ferroni, que será reinstalada no Hospital San Giovanni di Dio, em Florença. Foto: Francesco Cacchiani

Onde estão as mulheres? Essa foi a questão lançada pela Advancing Women Artists (AWA) aos espaços museais e aos visitantes dos turísticos museus de Florença nos últimos 14 anos. A organização filantrópica americana se dedicou a identificar, restaurar e exibir obras de arte feitas por mulheres na cidade berço do renascimento italiano. Desde sua fundação, 70 trabalhos de diferentes artistas que viveram entre os séculos XVI e XX foram restaurados, dentre eles pinturas de Artemísia Gentileschi, Marisa Mori e Plautilla Nelli. Em 2020, a AWA anunciou o fim de suas atividades.

A decisão está ligada à falta de verba para dar continuidade ao projeto. Porém, “enquanto o fechamento é triste para muitos, ele é na realidade um sinal de ‘vitória’, não derrota. AWA nunca buscou firmar sua perpetuação, foi criada como um recurso de sensibilização para os museus da Toscana, para que – através de projetos de conservação individuais – pudessem dar luz para tesouros pouco conhecidos, e restaurar a parte esquecida da História da Arte”, diz Linda Falcone, diretora da organização. A equipe acredita que essa tenha sido uma missão cumprida, pois percebem claras evidências de uma continuidade do projeto de restauração nas diferentes instituições com as quais firmaram parceria. As Galerias Uffizi são um exemplo, ao passo que aumentaram o número de obras feitas por mulheres em sua exibição permanente e realizaram, em 2017, uma exposição temporária individual de Plautilla Nelli. “Estamos determinados a carregar a missão e o legado da AWA”, declara Eike Schmidt, diretor das Galerias, em entrevista ao The Art Newspaper. 

Stefano Casciu, diretor regional dos museus da Toscana, também faz coro às ideias de Falcone. Em sua opinião, a organização foi muito importante para a redescoberta das artistas e de seu corpo de obras. Supervisor da administração de 49 espaços museológicos em Florença e cidades vizinhas, ele afirma: “O trabalho da AWA foi corajoso e inovador, não apenas pela restauração de obras específicas, mas através da expansão do conhecimento acerca da participação das mulheres na História da Arte italiana e nos museus de Florença”.

Restaurando histórias

Esse legado, porém, não se deve apenas à conservação de pinturas e esculturas. Complementando o processo, a equipe da AWA pesquisava sobre a vida de cada artista que tinha seu trabalho recuperado. “Nosso trabalho não era restaurar toda e qualquer obra atribuída a uma mulher”, explica Falcone. “O que nós buscamos é uma restauração permanente da personalidade das artistas e de suas produções”, completa.

A maioria das trajetórias artísticas redescobertas partiram de peças que constavam nos acervos dos museus florentinos, o que foi possível graças às parcerias estabelecidas com importantes instituições, como as Galerias Uffizi, Galleria dell’Accademia, Complexos de Santa Croce e Santa Maria Novella, Museu de San Marco, San Salvi, entre outros. Apesar de as obras já estarem preservadas nesses acervos, elas permaneciam desconhecidas e recebiam menos atenção do que trabalhos de artistas homens renomados internacionalmente. Foi esse o ponto que inquietou Jane Fortune, fundadora do projeto. Após se encantar por uma pintura de Plautilla Nelli no Museu de San Marco, a americana decidiu bancar a conservação da mesma. Fascinada pela artista, perguntou-se quantas outras estariam nas mesmas condições, com pinturas necessitando de reparos. A pergunta transformou-se em objetivo: dar mais visibilidade a essas mulheres.

“Vinte anos atrás, seria mais difícil conseguir verba para restaurar trabalhos atribuídos a artistas desconhecidas do passado”, destaca Schmidt. O diretor das Galerias Uffizi acredita que a Advancing Women Artists teve um papel importante no cenário local e internacional para aumentar o interesse popular nessas obras, e tem a esperança de que organizações locais se sintam motivadas a conservar mais trabalhos femininos.

No entanto, para alcançar o objetivo de Jane Fortune, o processo não pode acabar dentro dos acervos. Para a equipe da organização, a exibição das obras é a única maneira de fazer com que essas artistas sejam realmente conhecidas na Itália e no mundo. Por isso, durante os anos de atuação, trabalharam para que se estabelecessem exibições permanentes dos trabalhos nos museus e igrejas de Florença e, em alguns casos, apoiaram exposições temporárias. Ao lado disso, a AWA tem buscado espaços expositivos ao redor do mundo, onde as pinturas e esculturas possam ser exibidas temporariamente – para então retornarem aos acervos dos museus italianos. “É através da educação e da exibição dessas obras em Florença e internacionalmente que será possível mostrar esse legado cultural vital e sua importância em Florença, na Itália e no mundo”, declaram as organizadoras no site oficial do projeto.   

Um processo em andamento

Para o projeto, colocaram mulheres na linha de frente. “É uma honra estar envolvida com o projeto final da AWA. Ao longo dos anos, a organização deu oportunidades preciosas a conservadoras-restauradoras de trabalhar em obras feitas por artistas mulheres – o que no passado era raro de acontecer”, explica Elizabeth Wicks, responsável pela restauração da pintura de Violante Ferroni, que está prevista para ser apresentada ao público em maio de 2021. 

Para ela, bem como para todas envolvidas na equipe, uma coisa é clara: apesar de a missão da AWA de pesquisar, documentar e expor trabalhos de artistas ser encerrada com a entrega desta última restauração, ainda há um longo caminho a ser percorrido. Ainda há uma grande parte da História da Arte italiana a ser restaurada e apresentada ao público.  

Rossella Lari restaurando a “Última Ceia” de Nelli. Foto: Francesco Cacchiani

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