Nas últimas décadas vem ocorrendo uma transformação profunda na forma como os museus, sobretudo aqueles ligados à arte contemporânea, vêm desenvolvendo seus trabalhos em educação. A busca intensa pela ampliação de público e facilitação da relação entre a obra e o visitante, estratégia dominante desde as últimas décadas do século passado, foi abrindo espaço para uma forma diferente de se pensar a educação em contextos artísticos. A pedagogia do contemporâneo dá lugar a uma abordagem de reconfiguração das instituições, desfazendo monopólios do conhecimento, redemocratizando espaços e acervos e, sobretudo, transformando os espaços em centros de transformação social, amplificando vozes e narrativas.
“Eu considero a educação como uma luta mesmo, social, dentro das instituições”, afirma Gleyce Heitor, pesquisadora e educadora que participa do VIII Seminário Internacional Arte!Brasileiros: Narrativas Contra-Hegemônicas, que acontece nos dias 20 e 21 de março em Vitória. Atualmente dirigindo a área de educação de Inhotim, depois de passar por vários museus e escolas de arte de destaque – como a Escola Livre de Artes do Galpão da Maré (ELA, o Parque Lage; o Museu de Arte do Rio (MAR) e a Oficina Francisco Brennand – Gleyce acompanhou de perto a construção de novos modelos de ação. E deve, em palestra e oficina, falar sobre a experiência de sua geração, compartilhando reflexões e metodologias sobre “como produzir práticas contra-hegemônicas em contextos hegemônicos”.
A profunda transformação pela qual vêm passando os centros de arte contemporânea no Brasil tem, segundo a pesquisadora, íntima relação com uma mudança fundamental: a ampliação do acesso às universidades. Ela mesma teve acesso à universidade como cotista e assiste de perto essa transformação. “Tudo que é cânone, tudo que a gente conhecia, começa a ser repensado. Currículos passam a ser questionados, os corpos docentes passam a ser questionados, e somos nós que vamos – como estagiários – começar a trabalhar nessas instituições e amplificar o espaço de luta e questionamento de um modo específico de saber, eurocentrado, branco”, sintetiza.
Gleyce vê com otimismo essas mudanças, que se irradiaram para outras esferas da sociedade, criando “um circuito de arte mais diverso e mais plural, tanto do ponto de vista dos artistas como dos modos de fazer educação, como das parcerias com movimentos sociais”. É importante que museus venham tentando refletir e dar voz a grupos que são constitutivos dessa diversidade brasileira, sendo uma espécie de microcosmo daquilo que o Brasil, sem esquecer – no entanto – que os museus ainda seguem sendo instituições “com formato similar ao que sempre foi, um formato moderno, ainda baseado nas coleções, nos especialistas, numa ideia específica de história da arte”.
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visita com Françoise Vergès ao Museu do Homem do Nordeste, no contexto da consultoria para diagnóstico da subrepresentação de negros, indígenas e mulheres na exposição de longa duração. da exposição de longa duração, visando a revisão da proposta curatorial - Recife, 2023.
Abaixo, Fórum de Escuta com Moradoras e Moradores de Brumadinho. Inhotim - Foto: Brendom Campos
Aula aberta com Denilson Baniwa no Programa de Formação e Deformação, coordenado juntamente com Clarissa Diniz e Ulisses Carrilho - EAV Parque Lage, 2019. Foto: Acervo Pessoal
Moradoras e moradores dos quilombos de Sapé, Ribeirão, Marinhos e Rodrigues, no lançamento do livro Saberes e Memórias: o que o nosso povo contou - Inhotim, 2024.
Moradoras e moradores dos quilombos de Sapé, Ribeirão, Marinhos e Rodrigues, no lançamento do livro Saberes e Memórias: o que o nosso povo contou - Inhotim, 2024.
O exemplo de Inhotim é claro dentro dessa estratégia de propor ações contra-hegemônicas em contextos hegemônicos. Além do fato de o centro se fundar desde sempre na ideia de criação – numa relação direta com os artistas, que produzem obras comissionadas especialmente para o espaço – e de conexão entre arte e natureza, outras dimensões de trabalho foram sendo agregadas. Dentre elas, Gleyce cita a incorporação de artistas negros, indígenas, de origem popular – uma dívida desde a arte moderna, quando foram assunto, mas não autores – e a relação com as comunidades do entorno. Segundo a educadora, o importante é criar processos de encontro, convivência, atuando sobre a dimensão pública do museu, como por exemplo medidas como a garantia de acesso aos moradores de Brumadinho, com políticas de gratuidade, mobilidade e pertencimento. Um outro compromisso fundamental é com o desenvolvimento comunitário, investimentos em formação e geração de empregos.
“Não estou preocupada com o consumo da arte contemporânea, não é meu problema, nem é problema da educação”, pontua Gleyce. Os desafios são outros. E são muitos. Segundo ela, estamos falando de modos de vida, de grupos que estão vulnerabilizados não só pela pobreza, mas pelo risco de existência mesmo. “As favelas, as comunidades indígenas, os quilombos estão sempre negociando a possibilidade de existir ou não existir, de viver ou morrer, e acho que as instituições têm que ter muita responsabilidade quando se comprometem com essas questões”, alerta. Sobretudo se levarmos em conta a crescente precarização do setor de cultura, do ponto de vista das relações de trabalho.
O mesmo acontece em relação à educação. Apesar de entender a dimensão poética e política da ideia de “desaprender”, presente no título da mesa da qual fará parte em Narrativas Contra-Hegemônicas (A deseducação potencial), ela a considera perigosa, num contexto de constantes ataques contra o sistema de ensino, de sucateamento das escolas, das universidades, dos professores. “Temos uma perspectiva de déficit de profissionais para a educação básica no Brasil em pouquíssimo tempo”, pondera. “Concordo que temos que desaprender muito do que aprendemos. Mas a gente vive num país onde as escolas são lugares muito além do aprendizado. São às vezes lugares onde a pessoa faz sua única refeição; são espaços muito importantes de acolhimento para que mães possam trabalhar… Então, mesmo com todas as críticas, a educação formal ainda é sim uma bandeira no Brasil”, conclui ✱
Á esquerda, Liliana Sanches (1983)
Hacer el amor, 2024
Á direita, detalhe de tapeçaria de Euzira Neves, S/t 1981, acervo de artes visuais da Universidade Federal de Espírito Santo - claraboia imagem
A Casa Porto das Artes Plásticas, no Espírito Santo, apresenta, até 30 de março, mais de 30 trabalhos, em sua maioria feitos por artistas capixabas e do Nordeste expandido que, a partir de suas diferentes interpretações ou seus desejos, criaram obras que dialogam com a história e o tempo de um território que os circunda, social, política e culturalmente.
“Nas encruzilhadas da contemporaneidade, uma pedra foi jogada hoje, e sua ressonância se expande: ontem um som ecoou no futuro”, diz o texto do catálogo da mostra.
Uma das coisas que a arte propicia é essa possibilidade de encontrar, no passado, referências para o presente e, nesse momento, ao criar essa associação, permitir reflexões sobre quem somos, de onde viemos e “por que estamos”.
A mostra tem como grande valor expositivo juntar diferentes linguagens num espaço relativamente pequeno, se comparado com salas de museus e, apesar disso, permitir transitar (não só o tempo) pelos módulos construídos, com leveza, possibilitando deter-se diante das obras e observá-las.
Alguns dos diálogos criados pela curadoria, baseados em mestres da tradição capixaba e artistas contemporâneos, resultaram em uma associação estética e ética digna das melhores bienais. O retrato da ceramista Antônia Lopes Rodrigues – conhecida como Dona Antônia, nascida em São Mateus, Bahia, em 1910 – e suas nove peças de cerâmica, produzidas a partir das tradições do aquilombamento, conversam com a fotografia, o registro da performance Speirein (2021), de Rubiane Maia, nascida em Caratinga (1971). Rubiane vive entre Folkestone, no Reino Unido, e Vitória (ES), e atualmente faz parte do coletivo internacional Speculative Landscapes, que desde 2020 trabalha questionando o que as instituições podem ser quando não são moldadas por histórias de violência, segmentação e extração de territórios.
Acima, de Dona Antônia (Bahia, 1913 – São Matheus, 2013). Fotografia do acervo da família Ao lado, Fotografia Registro de Performance da artista Rubiane Maia (Caratinga, 1979), Speirein, 2021. Cerâmicas produzidas por Dona Antônia
Também impacta a junção de duas obras de Meuri Ribeiro (1995), de Ipatinga: Mestrão e Lambe-Lambe, ambas de 2023.
As jovens artistas capixabas Kika Carvalho (1992) e Liliana Sanches (1983) estão presentes na mostra, respectivamente com um óleo sobre tela de grandes dimensões e com uma natureza morta delicada, Hacer el amor (2024), pintada em blocos de madeira.
Luciano Feijão, artista nascido em Vitória, em 1976, e que estará presente no VIII Seminário Internacional de Arte!Brasileiros: Narrativas Anti-hegemônicas, desenvolve uma pesquisa permanente do corpo negro em serigrafias sobre tecido de algodão cru. Na exposição, ele apresenta Antianatomia (2024), obra montada em suportes de madeira.
Dilma Goes, nascida em Itapemirim, em 1944, tece sem tear, e cria uma tecedura singular por meio do entrelaçamento de entretela de algodão e madeira. A obra Refazenda (1984) – tapeçaria de sisal cru e tingido, cadarço e madeira –do tecelão contemporâneo Ronaldo Mateus Lima, acompanha o trabalho de Dilma.
No centro de uma das salas, duas esculturas exploram memórias. Bárbara Carnielli construiu Placenta: neutro-vivo (2024), utilizandoseixos, pedras que, como denomina a geologia, já foram erodidas. A artista diz que “a água conforta os atritos da formação rochosa”. A instalação evoca a conexão vital entre mãe e filho. Ao lado, Onde há rede, há renda, três cavaletes com almofadas de bilro e renda, foram produzidos pelo Grupo Barra de Renda de Vila Velha, em 2015.
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No pátio a frente da Casa Porto das Artes Plásticas, A obra Navegantes, 2023-2024,
de Marcos Martins (Fortaleza 1974)
Onde há rede, há renda (2024) , detalhe de cavaletes de bilro e renda.
Obra do Grupo Barra de Renda (Vila Velha, 2015)
Onde há rede, há renda (2024) , detalhe de cavaletes de bilro e renda.
Obra do Grupo Barra de Renda (Vila Velha, 2015)
Placenta: neutro – vivo (2024) de Bárbara Carnielli (Vitoria, 1988) Instalação, escultura, cordões e detalhes das “pedra seixo”
Luciano Feijão (Vitoria, 1976), Antianatomia Negra, 2024. Serigrafia sobre tecido de algodão cru
O grupo nasceu e cresceu na Barra do Jucu, Vila Velha (ES), e resgata a tradição da produção de rendas de bilro, esquecidas por mais de 50 anos. O Barra de Renda iniciou seus trabalhos de oficinas no Museu Vivo da Barra do Jucu, reunindo algumas mestras do ofício que passaram a ensinar a técnica para mulheres jovens. A obra do grupo ilustra o trânsito de gerações e valoriza a manutenção das culturas populares tradicionais.
Acervo: A ética e a Consolidação da Democracia (1994), um conjunto de pequenas pinturas a óleo de Reuto Fernandes, nascido em 1962, em Caravelas (BA), traz cenas da vida cotidiana e dos movimentos populares.
No pátio de entrada duas obras se destacam: Navegantes (2023-2024), do cearense Marcos Martins, uma escultura de pau a pique, com troncos de eucaliptos, terra e galhos; e um conjunto de pequenas lajotas com nomes do vocabulário tradicional português e indígena, Calçada Portuguesa (2024), de Renato Ren.
Transitar o Tempo reflete a intenção do Museu Vale de expandir suas atividades extramuros, ocupando espaços, em parceria com a Prefeitura de Vitória, por meio da Secretaria de Cultura, ampliando a circulação e o acesso do público e destacando uma iniciativa de preservar a memória local. ✱
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Este texto foi escrito com base em textos da pesquisa da equipe curatorial
Marcus Vinicius Sant’Ana em transmissão do desfile das escolas de samba do carnaval de Vitória: “o nosso carnaval é negro” - Foto: Ana Elisa Bassi
Desvelar o passado é tarefa árdua. Quando essa invisibilidade enfrenta apagamentos profundos – como a falta de referências historiográficas locais, mesmo que sob a ótica tradicional –, torna-se ainda mais desafiador e necessário, como vem fazendo o historiador Marcus Vinicius Sant’Ana. Combinando diferentes estratégias de pesquisa e divulgação, o pesquisador tem procurado trazer à luz personagens, comunidades e práticas que, combinadas, ajudam a construir uma história negra capixaba. Militância carnavalesca, registros de práticas culturais sobreviventes, registros de memórias que foram sufocadas sob o manto do discurso oficial, mas que ainda deixam rastros no tecido urbano, estão entre as estratégias que serão tratadas por ele na primeira mesa do VIII Seminário Internacional Arte!Brasileiros: Narrativas Contra-hegemônicas.
Inspirado no trabalho que Thiago Gomide desenvolve em Tá na História e no movimento liderado por Luiz Antônio Simas de ver a rua como uma vertente importante da cidade, ele vem realizando uma série de vídeos disponibilizados no Instagram, nos quais apresenta sinteticamente fios interessantes dessa trama, acontecimentos ligados ao cotidiano e que passam despercebidos. Traz, por exemplo, as histórias de Dona Domingas, catadora de lixo que é homenageada por uma escultura em frente ao Palácio de Governo sem que nenhuma placa a identifique; da Igreja do Rosário dos Pretos e sua importância na luta pela libertação e dignidade dos escravizados ou da República Negra de Guarapari, território de liberdade vigente desde 1816, muito antes de qualquer esboço republicano em território nacional. Além disso, Sant’Ana realiza esporadicamente, a pedido de instituições, concorridas visitas guiadas contando a história negra do centro da cidade de Vitória.“Na maioria dos pontos a gente precisa lidar com a imaginação, porque realmente não tem nenhuma referência. Isso é o apagamento”, lamenta o historiador.
Mesmo tendo uma origem semelhante à de outros estados brasileiros, com um processo de colonização que se inicia ainda em 1535, o Espírito Santo apresenta particularidades históricas, geográficas e educacionais que tornam mais árduo o processo de resgate das culturas oprimidas ao longo de séculos. Atualmente, os programas do ensino fundamental e médio simplesmente não contemplam a história do estado. E, no curso universitário, os futuros historiadores têm apenas um semestre dedicado ao tema. Portanto, buscar construir uma narrativa que englobe as camadas sociais mais frágeis vai muito além de um esforço de desconstrução do discurso oficial. “Não é nem remar contra a maré, porque mesmo contar uma história positivista, aquela dos heróis, dos generais, já teria de alguma forma um sentido de resistência”, explica Sant’Ana, acrescentando que muitas vezes começa trazendo a versão estabelecida para depois colocar a perspectiva negra, popular, que é ainda mais desconhecida.
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Associação das Bandas de Congo de Fundão
Entrega do balaio de Iemanjá, tradicional festa de Vitória-ES
Registro do Negra Memória Afrotour, durante o evento Samba que eu quero ver: registros de memórias sufocadas
Uma síntese da formação econômica do estado ajuda a compreender um pouco a lacuna até mesmo de uma história dos vencedores. A vizinhança com Minas Gerais fez com que o Espírito Santo ficasse estrategicamente relegando ao papel de “barreira verde”, evitando o desvio das riquezas por ali. Com o fim do ciclo do ouro, é incorporado ao ciclo do café. Aquela região que era de mata Atlântica nativa, virgem, preservada para proteger os caminhos pelas Minas Gerais, é devastada para a plantação. “Há forte demanda de mão de obra, e a gente cai naquela questão do embranquecimento do país, do fomento da vinda de italianos e alemães”, conta Sant’Ana, encontrando aí a origem do mito – totalmente inverídico – de que se trata de uma população majoritariamente de origem europeia. A forte imigração interna a partir dos anos 1960, estimulada pelos investimentos em mineração, contribuíram ainda paratornar os vínculos culturais com o terreno ainda mais tênues. Segundo o historiador, um sintoma disso seria o fato de que a grande maioria dos capixabas indica um time de outro estado quando perguntado para quem torce.
Curiosamente, essa relação se inverte quando o tema é carnaval, quando a preferência recai sobre as agremiações (escolas e blocos) locais. Mesmo com uma estrutura semelhante à da festa carioca, o carnaval tem – no núcleo cultural de Vitória e arredores – uma importância fundamental e constitui a força motora para difusão de um discurso cada vez mais articulado de afirmação de identidade e conquista de direitos. “A partir do momento que você pertence a uma escola de samba, você cria laços, tem um pertencimento comunitário, cria uma identidade com algo que é local, com as pessoas aqui”, diz ele. E enfatiza que, ainda que enfrentando problemas similares aos de outros carnavais Brasil afora (embranquecimento, elitização…), “o nosso carnaval é negro”, tanto em termos daqueles que fazem a festa, como em termos de lugar de disseminação – por meio dos enredos –das histórias e narrativas dos oprimidos que ficam acobertadas a maior parte do ano.
Além do carnaval, outras festas (como a Festa de São Pedro, celebração tradicional da comunidade pesqueira; o Arraiá da Liberdade, em Cachoeiro do Itapemirim; ou a festa do Velho Purí – conhecida como bate flexa – uma celebração sincrética, que mescla elementos da cultura negra e indígena) têm sido objeto de pesquisa para Sant’Ana. No escopo de seu trabalho junto ao Instituto Raízes e em parceria com a Secretaria de Cultura, vem sendo feito um amplo levantamento de 20 festas populares no Espírito Santo. “A gente faz visitas, para conhecer os atores, entender qual foi toda a trajetória histórica, com registros em áudio e em vídeo. No final vai resultar num livro que ficará à disposição da população em forma de inventário”, conta.
Segundo ele, a importância desses registros é fundamental. Soma-se a vertentes muito potentes que vêm surgindo em todas as capitais do país e são fundamentais para reverter minimamente essa realidade. “Porque, como eu falo sempre, as pessoas dizem que o capixaba não conhece a própria história. Mas isso é totalmente diferente de não gostar da sua própria história. O que falta são essas conexões”, conclui. ✱
Reconhecido como um dos principais nomes do experimentalismo e da arte política no Brasil, Antonio Manuel mantém uma produção marcada pelo diálogo com questões sociopolíticas e culturais. Parte desse repertório está reunida no livro Incontornáveis, que apresenta trabalhos desenvolvidos durante a pandemia da Covid-19. A obra será lançada no dia 4 de abril, na SP-Arte.
Durante o período de isolamento, Antonio Manuel permaneceu recluso em seu ateliê, revisitando pilhas de jornais acumulados. Entre manchetes, fotografias e textos, buscou registros que captassem a turbulência de 2020. “Passei muito tempo ali, sozinho, refletindo sobre aquele momento de exceção. A sucessão de atitudes negacionistas do governo anterior, as queimadas na Amazônia e os cortes na cultura me incomodavam profundamente. Eu tinha que reagir a tudo isso”, relembra o artista. O resultado desse processo se materializou em uma série de trabalhos que unem memória, resistência e crítica social.
Diante da inquietação do período, Antonio Manuel encontrou nos jornais empilhados um novo suporte para seu trabalho. “Peguei uma das folhas e fiz um rasgo. Imediatamente percebi que ali havia um potencial para ampliar meu trabalho”, conta o artista. O processo começou com rasgos e pinturas sobre as páginas, criando composições a partir das camadas de papel e da precisão cirúrgica ao contornar letras e imagens manualmente. Em seguida, as páginas ganharam cores vibrantes, como vermelho e amarelo intensos, destacando sua familiaridade com as artes gráficas. A intervenção reafirma o olhar aguçado do artista e sua capacidade de editar e ressignificar a informação impressa, transformando-a em obra de arte.
Explorando os limites do suporte, Antonio Manuel experimenta técnicas como assemblagem, montagem, hibridização, fragmentação e apropriação. O resultado é um trabalho visualmente vibrante, marcado por ironia e crítica política. A exibição desse material, no entanto, representava um desafio. “Expor em uma galeria de arte parecia inviável, dada a fragilidade do jornal ao manuseio”, explica. A solução veio com a ideia de transformar a série em um livro-exposição, com curadoria de Paulo Venâncio Filho e Ana Maria Maia, consolidando a produção como um registro artístico e histórico do período.
“Romper o muro é como dar uma grande facada”, escreve Paulo Venancio Filho
Um dos pontos altos do texto de Paulo Venâncio Filho no livro é a forma como ele surpreende o leitor, transportando-o para diferentes temporalidades e episódios marcantes, alguns ainda obscuros. Sua análise não apenas contextualiza a obra de Antonio Manuel, mas também amplia a reflexão sobre a necessidade de não se perder a memória dos fatos.
“Um rasgo? Um buraco? Uma facada? Não é possível! Foi um golpe? Uma faca que traça um corte seco, preciso, sem deixar vestígios – só lâmina e nada mais. Isso lembra o artista do corte… Lembram-se dele? Aquele que fazia do estilete o instrumento para atravessar a tela em um único gesto. Mas esse rasgo é outra coisa”.
No conjunto, esses rasgos funcionam como organismo vivo e sua organização no espaço é feita de tal maneira que o espectador não permanece em estado contemplativo. Ele é naturalmente tocado para a história e a provocação de cada trabalho. “Esses novos experimentos dialogam diretamente com as obras e as performances que marcaram minha trajetória no passado, como Exposição de Antonio Manuel (de 0 às 24 horas nas bancas de jornais, 1973), resultado de minhas andanças pela rua, por um dia inteiro, conferindo os jornais expostos nas bancas durante o trajeto entre minha casa e o ateliê.” Inquieto e persistente, ele buscava novos locais para expor sua arte. Definitivamente não estava interessado em galerias ou museus naquele momento, queria trabalhar esse novo projeto diretamente nas páginas do caderno de cultura do extinto O Jornal. “Foi Washington Novaes quem falou com a diretoria sobre minha proposta e me conseguiu seis páginas das oito que compunham o caderno de cultura, eu nem acreditei”. Seu objetivo era discutir o papel dos meios de comunicação em tempos de censura.
Uma de suas performances mais relevantes éO Corpo é a Obra. Em 1970, no 19º Salão Nacional de Arte Moderna do Rio, ele inscreveu seu próprio corpo como obra, mas a proposta foi rejeitada pelo júri. Com a recusa, Antonio Manuel decidiu agir. No dia da abertura da exposição, entrou no MAM e convidou Vera, uma modelo-vivo que posava na Escola de Belas Artes, para participar da performance. Ele tirou toda a roupa e, ao lado de Vera, seminua, percorreu a exposição. “Foi um ato antirracista, uma quebra de preconceito, uma união de raças”, relembra. Após circular pelo vernissage, subiu as escadarias do museu e depois seguiu para a casa do crítico Mário Pedrosa, em Ipanema. O momento foi registrado pelo fotógrafo e cinegrafista Hugo Denizart, que gravou um depoimento de Pedrosa descrevendo a ação como um “exercício experimental de liberdade”. Apesar da repressão durante o governo Médici, Antonio Manuel conseguiu concluir sua obra. A performance tornou-se um marco e gerou reações de diferentes setores. Para muitos, representou um impulso à autoestima naquele momento e inovação na arte contemporânea e na militância.
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Questões sociopolíticas
contextualizam sua trajetória - Foto: Jaime Acioli
Como um repórter,Antonio Manuel segue os acontecimentos e depois os transforma em arte - Foto: Jaime Acioli
O artista durante a performance O corpo é a obra, quando caminhou nu pelo MAM, na abertura do Salão Nacional do Rio em 1970 - Foto: Sergio Araújo
Corpobra (1970), trabalho realizado depois
da performance O corpo é a obra, do mesmo ano, e que integra a coleção Gilberto Chateaubriand - Foto: Sergio Araújo
Pouco depois, o Ministério da Cultura, sob o comando de Jarbas Passarinho, publicou notas na imprensa condenando a “transgressão” e decretou que Antonio Manuel estava proibido de participar de Salões Oficiais no Brasil. A punição, no entanto, foi vista pelo artista como uma conquista. “Eu não queria, mesmo, participar de nada oficial daquela época”, afirmou.
Outro momento memorável de sua produção é a instalação Fantasma (1994), exposta no Museu de Arte de Brasília. Durante a montagem Antonio Manuel leu no Jornal do Brasil a notícia da chacina de Vigário Geral, que matou 21 moradores da comunidade. A reportagem mostrava a foto de uma testemunha do crime, que durante a coletiva foi apresentada à imprensa com o rosto coberto. “A dramaticidade do ocorrido me tocou e eu resolvi incorporar a foto à instalação. A imagem foi fixada na parede branca do museu entre os fragmentos de carvão pendurados no teto por fio de nylon, como se fossem partículas de uma explosão”.
Uma de suas participações internacionais ocorreu em 2015, quando Antonio Manuel foi convidado a participar da Bienal de Veneza junto com Berna Reale e André Komatsu, selecionados pelos curadores do pavilhão brasileiro, Luiz Camillo Osorio e Cauê Alves. Sua instalação consistia em muros vazados por buracos por onde os visitantes podiam passar para ter diferentes visões da obra. Essas aberturas estão diretamente ligadas à série Incontornáveis e seus rasgos. A participação brasileira tinha como título: É tanta coisa que nem cabe aqui, inspirada nos cartazes das manifestações que tomaram as principais capitais brasileiras em junho de 2013.
Desde sempre a resistência artística desempenhou um papel fundamental na história, refletindo as tensões e conquistas das sociedades. No Brasil, essa força se manifesta como um espelho das lutas e conquistas político-sociais que moldam o País.
As obras de Antonio Manuel integram coleções públicas no Brasil e no exterior como MoMA, em Nova York; Tate Modern, em Londres; Fundação Serralves, em Portugal; Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro; Museu de Arte Moderna de São Paulo; Museu de Arte Contemporânea de Niterói, entre outras instituições culturais. ✱
“A sexta extinção em massa de espécies está em curso, a poluição química ecoa nos aquíferos e nos cordões umbilicais, o aquecimento planetário se acelera e a justiça mundial permanece iníqua”. Esse diagnóstico sintético e dramático é a base do livro Uma ecologia decolonial – pensar a partir do mundo caribenho, do filósofo nascido na Martinica Malcom Ferdinand.
Ele é um dos participantes estrangeiros do VIII Seminário Internacional Arte!Brasileiros, com o tema Narrativas contra-hegemônicas, e fala na mesa A crise ambiental no limite da civilização.
Lançado no Brasil há três anos, Uma ecologia decolonial vem repercutindo de maneira retumbante por aqui, acompanhando o sucesso que vem alcançando desde sua primeira impressão na França, em 2019. O livro é uma versão da tese de doutorado de Ferdinand, um engenheiro ambiental formado pela Universidade de Londres (UCL), que fez sua defesa em filosofia política e ciência política pela Universidade de Paris Diderot.
A essência do livro está na ideia de que a luta ecológica precisa ser também uma luta decolonial, ou seja, deve reconhecer e enfrentar as violências históricas e atuais que afetam especialmente populações marginalizadas. Ele introduz o conceito de “ecologia decolonial”, que busca romper com a separação entre questões ambientais e sociais, destacando como o colonialismo destruiu tanto territórios quanto modos de vida sustentáveis.
“Ferdinand nos convida a mobilizar métodos holísticos de investigação e respostas a crises fundamentados nas interdependências que nos constituem como um todo – plantas, humanos e demais animais, solos, oceanos – ao mesmo tempo em que reconhece que o racismo posicionou a supremacia branca no coração de nossas noções do homem”, defende a professora e filósofa norte-americana Angela Y. Davis, no prefácio da publicação.
De fato, como Davis aponta, é nessa análise em dois trilhos de um mesmo caminho – a crise ambiental e o racismo decorrente do colonialismo –, que reside a originalidade e importância de Ferdinand, o que reverberou no Brasil rapidamente: não se pode falar em crise climática sem tratar da questão racial e vice-versa, o que não parecia tão óbvio até recentemente. Quantos, afinal, não são os “movimentos ecológicos” que basicamente ignoraram as desigualdades sociais e raciais?
Por aqui, um dos momentos importantes do percurso da publicação foi o debate Aquilombar o Antropoceno, Contra-colonizar a Ecologia, realizado em março de 2023 na Universidade de São Paulo, quando Antonio Bispo dos Santos (1959-2023) dialogou com o próprio Ferdinand, o que está disponível no YouTube. Bispo, a propósito, viria a falecer nove meses depois.
Grande liderança das comunidades quilombolas, Bispo defendeu lá seu conceito de contra-colonialismo, que de fato é mais radical que a expressão decolonial que Ferdinand utiliza em seu livro. O que se percebe no debate, contudo, é uma imensa confluência entre os dois pensadores. Bispo, afinal, é muito perspicaz na forma como nomeia suas ideias.
A aproximação de Ferdinand com o quilombismo, aliás, é explorada no posfácio do livro Uma ecologia decolonial pelo antropólogo e professor da USP Guilherme Moura Fagundes. Ele ressalta como os quilombos no Brasil são um território de movimentos anti-hegemônicos: onde há um “vínculo indesatável entre as lutas por liberdade afro-americanas e o ato de fuga do habitar colonial, essa ecologia revela o aquilombamento de humanos e não humanos enquanto práticas de resistência ecológica”.
Capa do livro “Uma ecologia decolonial – Pensar a partir do mundo caribenho”, de Malcom Ferdinand, Ubu Editora
De certa forma, está aí a originalidade da pesquisa de Ferdinand, ao ressaltar que a resistência quilombola também é um ato de resistência “eminentemente ecológico”, como aponta Fagundes. No entanto, um grande trunfo do livro está em não se limitar a um texto acadêmico tradicional, mas usar de muitas imagens poéticas, a começar pela mitologia da Arca de Noé, passando por uma pintura de William Turner (1775-1851), com um navio negreiro.
Podemos esperar que a fala de Ferdinand no seminário contemple essas questões essenciais em seu livro, ou seja, uma crítica profunda às formas dominantes de pensamento ecológico, argumentando que elas frequentemente ignoram as conexões entre a destruição ambiental e a colonialidade. Ferdinand sustenta que a crise ecológica não pode ser compreendida isoladamente da história do colonialismo, da escravidão e das opressões estruturais que moldaram o mundo moderno.
O autor ainda exemplifica como os quilombolas, desde sempre, foram e continuam sendo um símbolo de luta anti-hegemônica por excelência, o que é o cerne desta edição do seminário. ✱
Foram mais de 700 homens que passaram nos últimos anos pela cama de Lia D Castro, sendo que, ao menos com 50 deles, ela construiu uma relação de troca. Juntos, eles leem textos de autores como Cida Bento, Frantz Fanon (1925-1961) e Achille Mbembe, intelectuais que ela cita com frequência. “O objeto central do meu trabalho, em relação à descolonização e à autodescolonização, é dialogar com o opositor”, conta Lia, em um sábado ensolarado, do 16º andar de seu recém-adquirido apartamento de frente para o mar na Praia Grande.
Desses diálogos, a maior parte com militares de batalhões próximos de onde ela vive, surgem muitas das pinturas recentemente expostas na mostra Em todo e nenhum lugar, no Museu de Arte de São Paulo, o Masp, vista entre julho e novembro de 2024. Lia chama os clientes de colaboradores, já que eles decidem desde como querem ser retratados até a paleta de cores, muitos assinando a própria tela, como é o caso de Davi, o mais presente deles. Mas as pinturas são apenas parte de um processo bastante complexo.
No final de março, ela abre uma nova mostra na galeria Martins & Montero com uma série recente, chamada Axs nossxs filhxs. Nela, pés de seus clientes, que foram criados apenas por mulheres, são sobrepostos a pinturas já existentes, de naturezas mortas. “Essa série começou durante a pandemia, quando precisei seguir trabalhando e um de meus clientes tinha sido criado apenas por babás, já que seus pais trabalhavam muito, o que o fazia uma espécie de órfão de pais vivos”, explica.
Como o rapaz era surfista e o esporte foi central para curar uma depressão, ele sugeriu que apenas seus pés fossem retratados usando por base um quadro de rosas existente no ateliê de Lia, que ela pintou em 2005. Daí surgiu a série de pés sobre naturezas mortas, que fala tanto da ausência dos pais como de um gênero em geral não pintado por negros. As obras originais ainda são usadas de ponta cabeça, como a indicar a necessidade de uma outra ordem no sistema das artes. Tudo é complexo nas obras de Lia.
A artista, aliás, participa da primeira mesa do VIII Seminário Internacional Arte!brasileiros, cujo tema é
“Experiências da luta anticolonial no sistema das artes: por uma contraofensiva saudável, radical e com amor”. Se tem alguém que incorpora essa questão, como podemos perceber, é a própria Lia, que fala de suas estratégias anti-imperialistas na entrevista abaixo:
ARTE!✱ – Podemos dizer que seu trabalho é baseado no prazer, já que o cerne dele parte de uma relação sexual que se transforma nas pinturas dos seus clientes?
Lia D Castro – Acho que a gente só não pode confundir o prazer sexual com o prazer do trabalho. Eu acho que são coisas um pouco diferentes. O prazer sexual está ainda muito ligado, porque somos colonizadas, ao prazer carnal. Mas o prazer que eu trago da prostituição, em relação ao corpo, é um prazer cognitivo de autoconhecimento. Para mim esse foi o cerne da minha descolonização, porque de início eu tinha ainda esse olhar do prazer carnal como um prazer colonial pelo fato de achar que o gozo só está na penetração. Mas a gente pode entender que o prazer está em outras partes do corpo.
Na prostituição, me interessa a relação íntima porque nela a gente vive um momento muito primitivo. São toques, é lamber um a genitália do outro, é fazer coisas que, socialmente, não são consideradas higiênicas. Mas, no momento primitivo, a gente está abrindo mão daquilo que é um conhecimento extremamente violento, que é a colonização higienizadora.
Também tem a questão cognitiva. A gente abre mão, quando a gente está em uma situação primitiva, daquilo que a gente acha que é verdade. Eu achava que, no início da minha carreira como prostituta, para poder dialogar com esses clientes, eu tinha que ter controle sobre tudo.Mas se eu quero partir do princípio de um trabalho que dê prazer e eu esteja no controle, isso é muito egoísta. Então não seria um trabalho legítimo.
Assim, meu trabalho parte do prazer, mas de um prazer que troca a prática sexual do gozo, da penetração, pelo prazer cognitivo. Para mim, essa foi minha maior descoberta, que é me descobrir pelo outro e o outro poder me descobrir. Com esse encontro cognitivo a gente entra em uma situação de descolonização radical, o que é uma ideia muito “fanoniana”.
É o que o Achille Mbembe diz no livro Práticas da Inimizade, que é o momento de o colonizado dizer não ao colonizador. Com isso, a gente vai além do prazer carnal e a prática sexual chega a um autoconhecimento tamanho que é possível repensar a sua prática social.
ARTE!✱ – A Ariela Azoulay Aïsha, no livro História Potencial, defende que a gente precisa desaprender o imperialismo, e para isso é preciso abandonar todas as táticas colonizadoras…
Lia D Castro – Sim, é preciso abrir mão daquilo que faz parte da nossa vida, da nossa vivência. Eu volto para Fanon que diz que colonizar e descolonizar é a mesma dor. O colonizador também passa por um processo de colônia, quando ele acredita que é um sujeito superior. Mentiram muito para ele porque tiraram o sujeito dele, como um sujeito único. O branco é considerado como um sujeito universal, né? Mas quando a gente começa a se autodescolonizar, é uma dor. É a dor de perceber que a gente pensava o prazer como um homem branco!
Toda nossa prática social e sexual é baseada na prática das pessoas brancas cis. E nem é da branca cis latina, mas da europeia. A gente aprendeu a amar, transar e odiar pelos olhos deles. E nem é de um homem contemporâneo, mas de um europeu do século 16, 17 ou 18 ainda! Então tem muito moralismo. Dói abrir mão daquilo que a gente acha que é verdade, mas essa precisa ser uma prática diária.
Da série Axs Nossxs Filhxs, Natureza Morta, 2025
ARTE!✱ – E isso tem a ver com esse nicho, digamos assim, dos militares, que é um grupo com o qual você trabalha de forma constante? Eles são a maioria dos seus clientes, ao mesmo tempo em que são representam da opressão no Brasil, e muita gente se recusa a dialogar com eles.
Lia D Castro – O objeto central do meu trabalho, em relação à descolonização e à autodescolonização, é dialogar com o opositor. Os militares são sujeitos violentos, mas, para poder conseguir trazer todas as informações que eles me trazem, é preciso entender que sujeitos são esses. E aí é preciso também entender o contexto deles.
Até 2019, segundo as informações da própria Polícia Militar, o governo do Estado deSão Paulo gastou mais de R$ 4 milhões por ano com indenizações de policiais acidentados ou suicidados. Então você percebe que é um grupo muito fragilizado.
A gente não tem estatísticas no Brasil de quem são os profissionais que mais se matam, mas, aparentemente, são os policiais militares. Após a quarentena, houve um considerável aumento do índice de suicídio entre policiais militares. Inclusive, ontem, um policial vindo para cá, parou o carro e se matou dentro do carro na ponte de São Vicente, Praia Grande.
Esse grupo fragilizado não são os opressores. Esses jovens que entram para a Polícia não têm ainda um sistema cognitivo de certo ou errado, de medo ou de poder. Só que o treinamento que eles fazem é muito reativo, não é um treino para acolher as pessoas, mas é um treino de desumanização, onde eles vão aprender a abordar as pessoas de forma violenta, claro que para se proteger também.
Mas não existe acolhimento pós-trauma, por exemplo. Imagina um policial jovem que fica um ano na academia, circula por dois anos em vários batalhões como praça até ficar fixo e, nesses três anos de experiência, ele trabalha com violência doméstica, com morte, com suicídio e ele não têm um acolhimento após tudo isso, não é atendido por um psicólogo!
Então, para mim, a importância de estar próxima desse grupo é entender a vulnerabilidade deles. E aí recorro de novo ao Mbembe, que diz que nosso corpo está cheio de gavetas, que não é a expressão exata dele, mas em algumas dessas gavetas há vulnerabilidade, portanto não-colonialidade. Então é preciso acolher essas fragilidades.
Mas não se trata de empatia por uma pessoa cis branca, porque eu não sei como é a dor dela. Muitas vezes a maior dor de um homem cis branco entre 20 e 25 anos é não ter um carro, enquanto para uma mulher trans entre 18 e 20 anos o maior problema é o abandono familiar.
Dialogar com esse grupo não me faz igual a eles, nem faz com que eu ache que vá mudá-los, mas é entender que eles existem. Esse é um grupo que é suicidado e o maior número de praças que está no estado de São Paulo é de negros, então também sofre racismo e o cerne do meu trabalho é dialogar com quem pensa diferente de mim.
Da série Axs Nossxs Filhxs, Natureza Morta, 2025
ARTE!✱ – E você tem relato de mudanças de comportamento com eles?
Lia D Castro – Tenho sim. Consegui, por exemplo, junto a um capitão, mudar um batalhão inteiro, que tem cinco ou seis companhias. Foi um movimento porque a polícia estava muito hostil comigo, com as pessoas trans. Então iniciei um diálogo por e-mail e fui ao batalhão. Eu comento muito com minhas amigas que quando a gente vai no SUS e sofre preconceito, a gente vai na Ouvidoria. Por que não fazer isso com a PM? Afinal, eles são prestadores de serviço.
Um cliente meu, que é tenente, que me disse que eu podia ir a um batalhão e conversar. Então, com 30 e pouco anos aprendi que eu podia ir dialogar e fui lá querer saber sobre o treinamento deles, como era o letramento e até como eles entendem, cientificamente, o que é uma pessoa trans. Porque se eles acham que é um homem que virou mulher, isso já é o maior desrespeito.
Eu lembro que no governo Dória tinha um treinamento que era perguntar como a pessoa queria ser tratada. Mas isso não é o ideal, porque apaga a identidade visual. E como se pode identificar, então? Pedindo o documento. Se o documento causa dúvida, tem que perguntar se a pessoa quer ser chamada por aquele nome. O importante é reconhecer que mulher transexual é afirmação de gênero. A gente não quer confundir gênero, é para olhar e reconhecer.
E o capitão foi muito correto, porque ele disse que tudo que eu achasse que fosse importante, eu deveria passar a ele para ser repassado para tropa. E foi um movimento de manada. Chacoalhou o bairro inteiro e percebi que mudou o comportamento. Claro que alguns não mudaram, mas aí já não era falta de informação, porque o cara é transfóbico. E aí, a gente pode denunciar. Porque a corporação em si não é transfóbica e racista, mas tem elementos que são.
Graças ao diálogo, eu percebi mudanças generalizadas. E tenho certeza de que não estou viajando na maionese, porque não sou de passar pano, como você bem sabe.
ARTE!✱ – Foi assim aqui na Praia Grande?
Lia D Castro – Claro. Logo que eu cheguei, peguei meu cachorro e fui lá no batalhão e perguntei quem era o coronel e aí perguntei a ele como eles lidam com pessoas trans. Essa é minha estratégia de segurança: em todo lugar que eu chego, eu me apresento. Eu sempre quero saber se eles estão preparados para acolher pessoas como eu, o mínimo é o respeito. E não vejo nenhum problema da parte deles.
ARTE!✱ – Isso também tem a ver com própria ideia do seminário que não é ser contra alguém, mas produzir diálogo. Estamos em um momento da sociedade que estamos todos divididos e em suas bolhas…
Lia D Castro – Então, eu vou na bolha da oposição. Eu não tinha esse lugar de pertencimento, e o batalhão não era um lugar que se podia entrar, mas eu converso muito com esses coronéis, esses capitães e digo se a gente não tivesse conversado, se ficasse em uma relação de ódio, daria muito errado. ✱
Teatro Ventoforte demolido pela Prefeitura de SP. Foto: Jotabê Medeiros
Destruído no dia 13 de fevereiro pelos tratores da Prefeitura de São Paulo, o Teatro Ventoforte luta sem tréguas para se reerguer. No próximo dia 18, haverá uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo na qual serão debatidas as propostas e os encaminhamentos das soluções possíveis para a questão. É esperada mais de uma centena de participantes. A ideia unânime já desenhada parece ser a de reerguimento dos espaços demolidos no Parque do Povo (as salas de performance cênica, o teatro de bonecos e a Escola de Capoeira Angola Cruzeiro do Sul), na Zona Oeste de São Paulo, que abriga a experiência de meio século do Ventoforte, plano que já foi abraçado pelo governo federal, por intermédio do Ministério da Cultura e da Funarte, além de diversos vereadores e deputados estaduais e federais.
Cerca de 60 atores, atrizes, músicos, educadores, mestres da cultura, produtores e outras pessoas ligadas ao desenvolvimento histórico do Ventoforte, fundado em 1974 por Ilo Krugli e considerada uma experiência modelar de arte comunitária, devem apresentar na audiência pública o estatuto da novíssima Associação Memória Viva Ventoforte, constituída por todos os ativistas do legado produzido ali. Essa associação tem como objetivo criar uma entidade jurídica responsável que assumirá as tratativas com o poder público para a nova gestão do Ventoforte.
A destruição do Teatro Ventoforte causou uma forte reação da opinião pública, pela violência da ação, feita sem aviso e ao arrepio da lei. Objetos do acervo do teatro foram soterrados pelos escombros, e até um piano Fritz Dobbert foi destruído. O Parque do Povo é tombado, assim como a capoeira, expressão do patrimônio imaterial brasileiro. Além disso, a ação denota descaso para com uma experiência cultural de notório reconhecimento na cena teatral. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) soltou nota de repúdio no dia 19 de fevereiro, alertando “para o risco de grave dano a um patrimônio imaterial do País, haja vista a demolição dos imóveis ter se dado antes da retirada de documentos, fotografias, instrumentos e imagens sagradas” que compunham o acervo da Roda de Capoeira do reputado Mestre Meinha com cerca de 40 anos de atuação (cinco deles no Teatro Ventoforte).
O legado do Teatro Ventoforte está atavicamente relacionado à área onde ele funcionou, que era um território degradado e esquecido pelo poder público no início dos anos 1980, quando o grupo se instalou ali – estava inativo havia alguns meses. No ano passado, o grupo Casa Realejo de Teatro, de Francisco Morato, aprovou pela Lei Rouanet um projeto de montagem e circulação de “História de Lenços e Ventos”, o primeiro espetáculo cênico do VentoForte, incluindo uma exposição e oficinas baseados nos princípios desenvolvidos na companhia, “alicerçados na cultura popular, nas danças brasileiras e num teatro integrado à animação de objetos e intensa musicalidade”.
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Piano Fritz Dobbert destruído pela demolição. Foto: Jotabê Medeiros
Teatro Ventoforte demolido pela Prefeitura de SP. Foto: Jotabê Medeiros
O teatro foi posto abaixo pela prefeitura com um argumento legalista, uma reclamação da associação de moradores do Itaim e uma ação de reintegração de posse. Essa suposta motivação demonstra total despreocupação do poder público com os aspectos culturais de um espaço que é público – o Parque do Povo é área de uso público, e o Teatro Ventoforte estava lá antes mesmo do local ser reformulado como área de lazer da população, em 2008. A Secretaria de Cultura e Economia Criativa de São Paulo, até agora, não manifestou sua posição acerca da questão.
Dezenas de artistas do País todo têm manifestado tristeza com o que aconteceu ao Ventoforte. De Nova York, o diretor de teatro Gerald Thomas gravou depoimento indignado. “O que fazer com o miserável que fez isso?”. Também divulgaram notas as atrizes Letícia Spiller, Marisa Orth, Letícia Spiller, Teresa Seiblitz, os atores Pascoal da Conceição e Marcello Airoldi, a diretora de teatro e atriz Sara Antunes, o cantor Chico César, e muitos outros. Para alguns observadores, a negligência para com a cultura de São Paulo tem crescido e preocupa – o “despejo” do acervo do poeta Haroldo de Campos do museu Casa das Rosas seria parte desse descompromisso militante com os destinos da arte e da cultura.
“Teatro não se derruba. Teatro é experiência da democracia, da política na arte”, discursou a presidenta da Funarte, Maria Marighella. “Esse é um patrimônio do teatro brasileiro, elo da relação do teatro com a cidade, com os públicos, com a cidadania. Estamos aqui para empreender um processo de reestruturação e levantamento desse equipamento. E concordamos em absoluto que cultivo e cultura se fazem no território. Elas nascem de um lugar. Não podem ser deslocadas arbitrariamente. Portanto, a ideia de transferência do teatro e da escola de capoeira para algum lugar também não pode ser uma ideia aceitável para quem sabe que cultura é cultivo, é território, é semente de um lugar”.
Em 2023, o artista alemão Boris Eldagsen chegou a vencer a premiação Sony World Photography Awards por uma fotografia gerada com inteligência artificial; Eldagsen recusou a honraria
Segundo o autor Frank Wynne, em seu livro Eu fui Vermeer, o falsário holandês Han van Meegeren pintava como Johannes Vermeer, mais de dois séculos após a morte do artista. Ainda segundo o romance, Meegeren havia nascido na época errada, e possuindo habilidades muito valorizadas na época do Renascimento, mas sem qualquer relevância na era dos Cubistas e Surrealistas, teria produzido obras no estilo Vermeer. Para tanto, usou a melhor técnica, habilidades e conhecimentos químicos, motivado especialmente pela oposição à um curador da época. Enriqueceu com as obras, mas se auto delatou após a Segunda Guerra Mundial, para não ser considerado colaborador do nazismo, provando que havia enganado o Reich quando lhe vendeu obras de Vermeer. As obras falsas são tão perfeitas em estilo e elementos químicos que, até hoje, especialistas mantém a suspeição sobre a verdadeira autoria de algumas obras no acervo de grandes museus.
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Han Van Meegeren painting "Jesus Among the Doctors" in 1945
Isacco benedice Giacobbe (1941), Han van Meegeren
Jesus unter den Schriftgelehrten (1945), Han van Meegeren
Essa história ilustra perfeitamente o que está ocorrendo hoje com a produção de obras pela inteligência artificial. A diferença está no fato de que não se copia apenas um autor, nem é necessário um artista com formação super especializada. A IA generativa aprende com todas as obras disponíveis na rede e, a partir de comandos específicos, cria novas obras como se fosse determinado pelo autor original. Importante perceber que não é uma cópia idêntica ou quase idêntica, mas uma obra nova, feita a partir de todas as referências, estilo, técnica e maneirismos do autor copiado. Assim, é possível produzir pseudo novas obras de Picasso, Matisse ou Renoir sem qualquer participação dos respectivos autores.
Na época da avalanche de informações, não parece improvável, portanto, que uma obra criada pela IA seja “descoberta” como se do seu autor original fosse, siga os caminhos das obras falsas de Vermeer e acabe nas paredes de um museu. A questão é que, o que parecia romântico e sob controle – afinal para pintar como Vermeer, o plagiador precisava ser excepcional – pode agora ser escalado e credibilizado nas redes.
Além disso, a IA vem criando obras novas a partir da combinação ad infinitum das obras disponíveis nas redes. Neste caso, não são mais obras apresentadas como as de um autor específico, mas de autoria nova (de quem programou a IA?) feitas a partir de todas as obras criadas pelos mais diversos autores do Brasil e do mundo. A IA aprende, sem custo, com esses gênios humanos, e monetiza as obras resultantes. O tal aprendizado da IA não se confunde com o humano, seja pela escala de armazenamento, classificação e síntese, seja pelo fato que não contribui com compra de livros ou com pagamento de royalties, cursos e escolas. É uma atuação parasitária, e bastante lucrativa. São produções que não tem um autor, como o conhecemos até então.
O resultado atual, que muitos defendem será superado, ainda é muito superficial. Mas, a produção dessas obras pela IA será cada vez mais perfeita e sofisticada, e tem potencial claro de impactar o mercado de produção artística, entre outros pontos: circulando obra falsa como verdadeira; criando obras que remuneram o proprietário da tecnologia e não o autor e artista; sonegando o pagamento de direitos de autor e imagem das obras utilizadas pela IA; embaralhando a autoria e a figura do autor após série infinita de reconstruções.
Assim, as obras geradas pela IA serão a versão atual e tecnológica das obras de Vermeer, que seguem sem a certeza de sua autoria. Mas, com o agravante que serão produzidas em escala incontrolável, com uso e exploração da criação de terceiros e sem rastreio das redes. A saída para autores e artistas será chancelar o que é produção humana, como obra made in human. Mas, teremos tempo de preferir obras feitas por humanos?
*Cris Olivieri é advogada, diretora da Olivieri & Associados Advogados, especialista em direito da cultura, arte e entretenimento.
Grada Kilomba é a artista mais feliz do mundo. Ao menos foi assim que se sentiu logo após a primeira performance de O Barco – Ato II, na tarde do dia 7 de fevereiro, no Inhotim. A apresentação, exclusiva para a equipe do museu e jornalistas, antecedeu as duas performances abertas ao público no fim de semana, dias 8 e 9 de fevereiro.
A artista portuguesa com origens em São Tomé e Príncipe e Angola, inaugurou, em abril de 2024, O Barco, obra que combina poema, instalação de grande escala e performance. No centro da obra, 134 blocos de madeira queimada estendem-se por 32 metros, compondo a estrutura que remete aos porões das embarcações que transportaram milhões de pessoas escravizadas durante séculos de tráfico transatlântico. “Durante centenas de anos a escravatura e o colonialismo foram o centro da nossa história global e uma das histórias mais longas e mais horríveis da humanidade, mas que não está representada e não está presente em lado nenhum”, afirma Grada.
Entre os blocos, os visitantes percorrem os versos de O Barco, gravados em tinta a óleo dourada. O poema foi traduzido para seis idiomas: Yorubá, Crioulo de Cabo Verde, Kimbundu, Português, Inglês e Árabe da Síria.
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Grada Kilomba, O Barco, Inhotim. Foto: Leca
Grada Kilomba, O Barco, Inhotim. Foto: Coniiin
Violência e repetição são temas centrais no trabalho da artista. O barco que ela evoca não pertence apenas ao passado, ele também faz referência ao presente, em que migrações forçadas são recorrentes. “Eu trabalho sempre com a temporalidade. Não há passado, presente e futuro. O tempo coincide. Então é esse exercício de compreender que, se nós não compreendermos e contarmos a história devidamente, a sua barbaridade repete-se”.
Criada em 2021, a obra esteve em Portugal e na Inglaterra antes de ser recriada para o Brasil. Em vez de transportar os blocos, a equipe optou por produzi-los localmente. Júlia Rebouças, diretora artística do Inhotim, destaca que esse processo fortaleceu o vínculo da equipe com o trabalho. O museu possui ateliês dedicados a desenvolver projetos com os artistas, o que garante autonomia na manutenção da instalação. Caso uma peça precise ser substituída, há pleno domínio sobre sua recriação.
A escultura interage com três atos performáticos, apresentados ao longo do período de exibição. O primeiro, em abril de 2024, coincidiu com a inauguração no Brasil e contou com cantores de gospel e ópera, bailarinos clássicos e percussionistas, em sua maioria portugueses.
Para o Ato II, um novo grupo foi formado: 19 artistas, dos quais 12 brasileiros moradores de Minas Gerais. “As minhas peças de arte são, acima de tudo, objetos vivos. Então, não me interessa apenas trazer uma escultura imensa de 32 metros, mas criar um diálogo com o território”. Apesar de a nova formação aproximar a performance do Brasil, seja pelo sotaque dos artistas, seja pelo ritmo do trio de percussionistas, Grada não está interessada “nesses nacionalismos”. Para ela, a performance traz um vocabulário completamente diferente, um vocabulário diaspórico que ultrapassa essa construção artificial de nação.
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Grada Kilomba, O Barco, Inhotim. Foto: Luiza Lorenzetti
Grada Kilomba, O Barco, Inhotim. Foto: Luiza Lorenzetti
Grada Kilomba, O Barco, Inhotim. Foto: Luiza Lorenzetti
Grada Kilomba, O Barco, Inhotim. Foto: Luiza Lorenzetti
Grada Kilomba, O Barco, Inhotim. Foto: Luiza Lorenzetti
Grada Kilomba, O Barco, Inhotim. Foto: Luiza Lorenzetti
Grada Kilomba, O Barco, Inhotim. Foto: Luiza Lorenzetti
Grada Kilomba, O Barco, Inhotim. Foto: Luiza Lorenzetti
Grada teve quatro dias de ensaio com o coletivo que ela nunca tinha visto ou ouvido ao vivo. “Depois desses quatro dias, o grande exercício é realmente construir essa humanidade e construir uma massa um organismo. Então eu diria que eu vejo mais do que Brasil, Portugal, Angola etc, eu vejo como os corpos fluem, como a arte permite que os corpos abandonem muitas destas construções que são muitas vezes extremamente violentas”.
Integrar a comunidade local à obra envolve responsabilidade histórica, distribuição de oportunidades e equidade. A felicidade de Grada vem dessas trocas. “É muito significativo, porque depois o ensemble estende-se por quilombos, comunidades, terreiros, passa por uma série de grupos diferentes que habitam este museu. Isso é extraordinário. Acho que eu sou a artista mais feliz do mundo”.
Para ela, a performance precisa ser vista e sentida várias vezes. Apesar de considerar um trabalho simples e minimalista, ele lida com temas dolorosos e complexos. “Eles [os artistas] estão a fazer esse enterro digno que nunca foi feito, esse luto digno, essa compreensão de trauma coletivo que nunca teve um lugar e um espaço para ser chorado”.
O impacto de O Barco transborda o espaço expositivo. As pessoas escrevem, enviam cartas e presentes a Grada. Naquela tarde, ela havia ganhado abacates.
Trabalhando a informação e a formação, a estrutura da Rádio Unaé busca atender os 29 municípios do Cariri cearense através da difusão de conteúdos que fortaleçam a cultura, a ancestralidade, a natureza e a memória do Ceará, estreitando parcerias junto à veículos de comunicação, especialmente rádios comunitárias e universitárias da região.
Atua de forma intersetorial, interdisciplinar e transversal, articulando no trabalho políticas que promovam o exercício dos direitos culturais e de comunicação numa perspectiva cidadã. De nome Unaé, que na língua do povo Kariri significa sonhar, a rádio busca compreender como o sonho abarca os ritmos e sons deste território que passeia do repente ao slam, da zabumba à batida eletrônica.
Assim como em cada linguagem e campo de trabalho artístico e cultural, em suas dimensões sociais, econômicas e políticas.