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O dia em que sambei com Caetano, Gil, Rita e Cauby

Acima, a escola de samba Acadêmicos do Tatuapé (Foto- Paulo Pinto : LIGASP)
Acima, a escola de samba Acadêmicos do Tatuapé FOTO: Paulo Pinto / LIGASP

• por João Luiz Vieira

Pulei frevo, dancei maracatu, fui atrás de trio elétrico, segui os Filhos de Gandhi, mas nunca havia saído em escola de samba. Tirei essa demanda da frente. Convidado por uma amiga, encarei a ideia de defender o enredo “Tropicália da Paz e do Amor”, da Águia de Ouro, escola de samba do bairro da Pompéia, em São Paulo. O desfile foi na madrugada de ontem, domingo 19. Em uma palavra: inesquecível embora absolutamente cansativo.

Decorar samba é difícil? É. As letras são enormes, as informações contidas nas frases atravancam a cadência, e em alguns casos você não entende exatamente o que está cantando. Mas o samba da Águia é lindo e o refrão é contagiante e pegajoso. Passado esse susto, vem a fantasia. A minha eu peguei no dia do desfile. Eles têm sua medida, então não tem erro. No meu caso, ao menos. Mas há quem use calçados menores que os pés. Tive sorte.

A minha ala era a última, atrás do último carro alegórico. Sabe o que é ala? Sessenta pessoas, no mínimo, formam esse grupo coeso que defende um trecho do enredo defendido pela escola. Fomos de homens da paz. No início, estava muito feliz porque a roupa não incluía esplendores e outros penduricalhos que ferem a cabeça, ombros, braços e pernas. Só depois eu descobri porque nossa ala era a mais “simples”. Como encerraríamos o desfile, se a escola estivesse atrasada quem correria contra o tempo? Nós, a ala final. E foi isso o que aconteceu. Estávamos em cima do lance e por segundos não perdemos ponto por causa disso.

Sambar é o que você menos faz em um desfile. Você anda, na verdade, com uma ou outra chance de evoluir e requebrar as cadeiras. A preocupação é manter sua fila reta e aprumada para não perder ponto em evolução. Assistir ao desfile de sua escola é outra lenda. Não vemos nossa escola, ou melhor, enquanto a comissão de frente está sob holofotes você ainda está em pé, esperando sua vez. Os outros é que nos veem. No máximo, conferimos os fundos do carro alegórico.

Desfilaram pela Águia de Ouro Caetano Veloso, Gilberto Gil, Rita Lee, Cauby Peixoto, Angela Maria. Pergunta se eu vi algum deles na concentração. Claro que não. Eles ficam em camarotes e só surgem na hora do show. Encontrei, sim, Wanderléa, na dispersão, exausta, como todos nós. Se eles sabem cantar o samba? Dificilmente. Sabe qual é o truque que me ensinaram nessas horas? Mastigar chiclete, saudar a arquibancada e virar o rosto naquela frase indecifrável. Foi o que fiz. Quem sabe volto no Desfile das Campeãs, na sexta. Sabe o que também ouvi sobre essa nova passagem pela avenida? Neste dia será comemoração, portanto é para entrar semibêbado. Então tá.

A importância dos artistas se reinventarem e questionarem as coisas ao redor

Till Fellrath e Sam Bardaouil, curadores e chairmans da Fundação Montblanc, baseada em Hamburgo, na Alemanha. Foto- Coil Lopes
Till Fellrath e Sam Bardaouil, curadores e chairmans da Fundação Montblanc, baseada em Hamburgo, na Alemanha. Foto: Coil Lopes

Curadores e co-chairmen da Fundação Cultural Montblanc, Sam Bardaouil e Till Fellrath participam na noite desta terça-feira (10) da cerimônia de entrega da edição brasileira do Prêmio Montblanc de la Culture Arts Patronage, que será realizada, para convidados, na Pinacoteca de São Paulo.

Em sua 26ª edição, a segunda no Brasil, a premiação, que consagra iniciativas de mecenato artístico em 17 países e destina aos vencedores um aporte de 15 mil euros para novos projetos, anunciará hoje o grande vencedor entre três indicados.

Selecionados por meio de um júri internacional formado por 51 personalidades de diversas áreas, os concorrentes brasileiros são: o Instituto Criar de TV, Cinema e Novas Mídias, idealizado pelo apresentador Luciano Huck; a Associação Cultural Videobrasil, fundada e dirigida pela curadora Solange Farkas; e o Instituto Ricardo Brennand, dirigido pelo empresário e colecionador pernambucano (saiba mais).

Nesta segunda-feira (9), dando início a uma série de entrevistas para a imprensa local, a dupla de curadores abriu a agenda de conversas em um encontro com a reportagem de páginaB!.

“Há cerca de um ano e alguns meses atuamos como diretores e curadores da Fundação Montblanc, e tem sido uma jornada fantástica. É muito gratificante ver as respostas que as instituições de tantos países têm dado às atividades da fundação. Aprendemos muito e, juntos, tivemos grandes ideias que serão desenvolvidas nos próximos anos”, afirmou Bardaouil.

“No Brasil, este é o segundo ano em que estamos premiando patronos por suas contribuições às artes do País (leia a cobertura da primeira edição). No último ano, criamos também um conselho curatorial internacional formado por profissionais do meio artístico, e um deles, que está baseado no Brasil, Jochen Volz, é conhecido por seu trabalho na Pinacoteca de São Paulo e também como curador da última Bienal de São Paulo. A ideia, com esse conselho curatorial, é criar uma rede de contatos que incremente nossas buscas. O fato de termos escolhido alguém que está no Brasil para contribuir conosco é também uma forma de reafirmar o quanto acreditamos na arte feita no País”, complementou Fellrath.

Durante a entrevista, Bardaouil e Fellrath também anunciaram que artistas beneficiados por patronos dos 17 países contemplados com o prêmio terão trabalhos comissionados que, ao mesmo tempo em que vão expandir o acervo da coleção Montblanc, também serão exibidos ao público em mostras e bienais. “O patronato, para nós, significa algo muito importante. É sobre pessoas que investem recursos substanciais, de tempo e dinheiro, para apoiar artistas a criar para as pessoas a possibilidade de mudar a paisagem da cultura das comunidades de onde elas vêm”, reiterou Bardaouil.

O Brasil no cenário mundial das artes

“Uma das razões que nos deixa muito excitados de estar aqui é o fato de o Brasil ser um país com grandes contribuições para a arte, não só nos últimos dez ou 20 anos, mas por séculos. Desde o século 18, o Brasil tem uma grande tradição na pintura, na escultura, vindas de cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, entre outras”, defende Baradouil, antes de listar alguns de seus artistas brasileiros prediletos, como Tarsila do Amaral, José Pancetti, Lasar Segall, Geraldo de Barros e Di Cavalcanti. Este último, destaca o curador, “tem agora uma exposição brilhante na Pinacoteca”, referindo-se à mostra No Subúrbio da Modernindade – Di Cavalcanti 120 anos, com curadoria de José Augusto Ribeiro.

Atentos às questões contemporâneas da arte brasileira, Bardaouil e Fellrath acompanham de perto a celeuma deflagrada com a mostra Queermuseu, que estava em cartaz no Santander Cultural, em Porto Alegre, e foi encerrada antecipadamente, sob acusações de apologia à zoofilia e à pedofilia, e a acusação de pedofilia também atribuída à performance La Bête (leia análise de Fabio Cypriano), realizada pelo artista Wagner Schwartz na abertura do 35o Panorama da Arte Brasileira, no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM).

“Penso que é muito importante para a rede de patronato artístico, além de dar suporte aos artistas, criar o espaço necessário para que eles possam se expressar livremente. Não importam as circunstâncias, é absolutamente importante que eles estejam hábeis para se reinventar e questionar as coisas ao redor. Um dos valores mais importantes para um patrono da arte é criar espaços livres onde os artistas possam experimentar sem limites.  Algo que fortemente acreditamos é na liberdade de expressão para os artistas, e ficamos felizes de poder manifestar esse apoio aqui no Brasil”, opinou Fellrath.

Confira nesta quarta-feira (10), em páginaB!, a cobertura completa da cerimônia de entrega do Prêmio Montblanc de la Culture Arts Patronage.

Esther Solano: uma mulher que comprou guerra contra o MBL e a patrulha do pensamento

Esther Solano, cientista política professora na UNIFESP e uma das autoras de “Mascarados- A verdadeira história dos adeptos da tática Black Bloc” (Foto- Carolina Piai)
Esther Solano, cientista política professora na UNIFESP e uma das autoras de “Mascarados: A verdadeira história dos adeptos da tática Black Bloc” FOTO: Carolina Piai
  • Por Carolina Piai

Durante o último mês, o MBL (Movimento Brasil Livre) e seu discurso tomaram ainda mais força no Brasil. O grupo, que surgiu pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff, foi autor das críticas que levaram ao fechamento da exposição Queermuseu, no Rio Grande do Sul, e também dos ataques direcionados a performance La Bête no MAM. Além disso, em setembro, um general do exército falou publicamente em intervenção militar por mais de uma vez.

O  cenário de escalada do conservadorismo tornou-se o centro da pesquisa da acadêmica espanhola radicada no Brasil há sete anos, Esther Solano. Cientista social e professora da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), ela recebeu a reportagem do páginaB! para uma entrevista exclusiva em seu apartamento, na região central de São Paulo. Durante mais de 40 minutos, explicou como suas análises e pesquisas fizeram com que se tornasse uma das inimigas número 1 de movimentos como o MBL.

Na conversa, Esther rememora sua trajetória, as dificuldades que encontra por ser mulher no meio acadêmico e no campo progressista, debate a influência das redes sociais no atual momento político, além de contar como acredita que a esquerda pode disputar o discurso com esse grupo, que exerce cada vez mais influência na internet.

“Num momento de crise muitas pessoas pensam que a culpa é do funcionamento democrático, que se nós tivéssemos um regime mais duro, mais autoritário, mais centralizador, resolveríamos a crise. Não podemos dar asas para esse tipo de pensamento, porque é muito perigoso”

Nos últimos anos, ela conduziu pesquisas de campo nos protestos de São Paulo, juntamente com os acadêmicos Pablo Ortellado e Marcio Moretto, com o objetivo de  registrar as percepções dos manifestantes. Dentre os diagnósticos, alguns pontos chamam atenção: em 2015, na mobilização pelo impeachment de Dilma, uma das respostas apontava que mais da metade dos entrevistados acreditavam que o PT queria implantar um regime comunista no País. Para a pesquisadora, resultados como esse revelam o perigo das fake news: “Democracia sem informação não é democracia. Então quando temos informações tão pobres, tão cheias de boatos, a gente acaba diminuindo muito a capacidade democrática”.

Esther defende que o campo progressista deve disputar o discurso, a rua e a internet, “chamar para a luta contínua”. Por isso, frequentemente, a cientista política recebe ataques xenófobos e machistas em suas redes sociais. “Você tem que lutar mais para ter sua voz escutada, simplesmente pelo fato que você é mulher e ainda mais por ser uma mulher jovem”, conta.

“É como se fosse uma milícia tentando patrulhar seu pensamento. Mas eu pelo menos não tenho intenção nenhuma de calar a boca, então tudo bem: podem continuar que eu vou continuar também!”

 

Confira a entrevista completa:

páginaB! – Poderíamos começar a nossa conversa com você contando um pouco da sua trajetória na academia, como escolheu sua área, como veio pra cá…
Esther Solano –
 Eu cheguei no Brasil em 2010, estava acabando o doutorado na Espanha, mas coincidiu naquele momento em que a crise chegou na Espanha, então ficou extremamente complicada a situação e aqui acontecia a expansão de vagas do Reuni – estas tantas vagas que foram abertas na época do Lula. Eu cheguei aqui e consegui passar no concurso na UNIFESP. Minha pesquisa começou de fato em 2013, com as manifestações, porque eu sou socióloga e o meu foco tem sido sempre manifestações, dinâmicas populares, etc, então é bem o foco do que acontece na rua. Então em 2013 eu fui às manifestações, como bastante gente no Brasil, e comecei a me interessar muito pela questão da violência, dos black blocs, da polícia… São temas que tenho sempre o interesse: a repressão, a violência, a contestação contra o Estado. Aí comecei a estudar o black bloc e a repressão policial também (Esther Solano é coautora do livro “Mascarados: A verdadeira história dos adeptos da tática Black Bloc”). Em 2015 começaram as manifestações pelo impeachment e basicamente fui juntando uma pesquisa na outra. Comecei a estudar, junto com Pablo (Ortellado, professor na EACH – USP e colunista da Folha de S. Paulo) e Marcio (Moretto, também professor na EACH – USP) as manifestações conservadoras e agora estamos um pouco nessa onda, de estudar os movimentos mais conservadores, direita… Outra pegada totalmente diferente.

Recentemente, você divulgou ataques xenófobos que sofreu nas redes. Você lida muito com esses ataques?
Muito. Nós temos bastante exposição porque divulgamos muito nossas pesquisas na imprensa. A nossa ideia sempre foi essa: fazer pesquisa, mas não para a academia só, e sim divulgar também. Então publicamos muito a pesquisa, porque achamos importante isso. Então tem um lado positivo, que você consegue dialogar com as pessoas, mas tem o lado negativo, de que muitas vezes você fala coisas que algumas pessoas não gostam… Então eu, por exemplo, tenho dois pontos que são sempre fonte de ataque: a misoginia – dos colegas eu sou a única mulher, então eu sofro sempre ataques muito mais duros, de todo tipo de conteúdo, machista, patriarcal, sexista, etc – e outra que sou estrangeira. Sempre tem ataques misóginos, e vou falar que infelizmente não é só na direita, tem vezes que para o lado do campo progressista, de esquerda também tem esses ataques. Mas infelizmente a gente tem que lidar com isso – é duro, porque são ataques muito desagradáveis e normalmente chegam em massa, quando você dá uma entrevista, alguma coisa gera impacto, chega em massa esse tipo de ataque. É como se fosse uma milícia tentando patrulhar seu pensamento. Mas eu pelo menos não tenho intenção nenhuma de calar a boca, então tudo bem: podem continuar que eu vou continuar também…

E na academia você também encontra xenofobia e misoginia?
Não, na academia não encontro xenofobia, mas misoginia sim. Na academia o que você encontra é que você, como mulher, tem que lutar muito mais pelo seu espaço. Porque a academia é um lugar de privilégio do homem branco, classe média, etc. Então para a mulher é mais difícil ter uma voz reconhecida na academia. Eu diria que especificamente a misoginia na academia é esta: você tem que lutar mais para ter sua voz escutada, simplesmente pelo fato que você é mulher e ainda mais mulher jovem – parece que você tem duas desqualificações ao mesmo tempo.

Capa do livro Mascarados

As manifestações de machismo você encontra nas universidades de outros países também?
A misoginia você encontra em todo lugar. Por exemplo, falando um pouco da questão da academia, eu tenho colegas acadêmicas em outros países e as narrativas são iguais. Você ser convidada para uma palestra, para um seminário, ter um monte de homem e você foi convidada porque você é a cota feminina, tem que estar lá e pronto. Ou, por exemplo: quando homens falam as pessoas prestam muita mais atenção do que quando você fala. Infelizmente, as minhas colegas que moram fora, principalmente na Europa, que é meu ponto de referência, já me contaram coisas muito parecidas com aqui. A academia que é um lugar que deveria ser a vanguarda da inclusão, do diálogo, infelizmente ainda é um lugar muito patriarcal. Ouvi várias experiências de colegas que sofreram isso também. Na teoria você encontra mais possibilidades no campo acadêmico, na prática infelizmente você ainda tem obstáculos que são bem grandes. Além dessas coisas como maternidade, por exemplo, que ainda tem enormes dificuldades – as mulheres têm deixado a carreira, mas os homens não…

E como você vê a situação da ausência/pouquíssima presença de mulheres, negros e indígenas na política?
Sinistro… A gente tem só 11% de deputadas federais por exemplo, estamos no número 115 do ranking internacional das mulheres parlamentares. O Brasil é uma coisa sinistra, o problema de tudo isso é que muito se discute sobre a reforma política, distrital, se está aberta ou fechada, fundo de campanha, mas pouquíssimo, ou nada, está se discutindo na perspectiva das minorias políticas. Como que nós poderíamos trabalhar uma reforma política que incluísse mais mulheres e negros? Que são metade da população. Estamos absolutamente sub representados. Infelizmente a gente tem um congresso brasileiro de homens, brancos, classe média, empresários, então representa muito pouco. Por isso é difícil esperar que esse congresso adote uma medida realmente eficaz para aumentar a representatividade feminina. Isso é uma coisa que o movimento feminista deveria também começar a tecer essas rédeas, porque sem representatividade feminina na política a gente consegue muito pouco, as pautas legislativas estarão bloqueadas o tempo todo. Temos pautas importantíssimas como o aborto, que vai ser criminalizado ainda mais, então os dados são pavorosos. Acho que a participação maior de mulheres e de negros na política deveria ser um dos pontos fundamentais de partida da esquerda. Mas infelizmente é difícil, não é um dos pontos fundamentais porque os próprios partidos são patriarcais, por exemplo. Romper esse ciclo é uma coisa que demora tempo. Então nós, mulheres, temos que pressionar sim… O tempo todo. Cada espaço é um espaço de disputa. A política é um espaço de super disputa.

Pensando nas ruas, hoje temos uma insatisfação bem maior em relação ao governo e em 2013 a mobilização era muito maior nas ruas. Como vê esse processo?
Foi um processo de desgaste. Se você pega 2013 foi um momento muito histórico, então não dá para medir tudo por 2013 porque foi uma catarse coletiva. E você pensa: a gente teve quase 3 anos com muitas manifestações, uma coisa extraordinária. Em paralelo a isso nós temos a Lava Jato, que foi aumentando, então acho que as pessoas enxergaram que o sistema como um todo está apodrecido. Uma insatisfação que no começo era mais com o governo, com o PT, passou a se alastrar contra todo o sistema. E o que aumentou muito é a ideia de que o brasileiro não consegue ver saída. Então ele percebe que não só a classe política está podre para ele – um sentimento muito antipolítico, ninguém presta, todo mundo corrompido –, como também percebe que não tem saída, que por mais que vá para a rua, proteste, nada vai mudar – então é aquele: “nada muda mesmo né? Tudo continua igual”. Essas duas coisas se juntam, acho que chegamos em um momento de frustração política muito grande. Chegamos a um ponto de superação. As pessoas vão para rua e não muda nada, a Lava Jato avançando tanto deu a impressão de que o sistema todo tá corrupto. E isso é muito perigoso, porque deixa as portas abertas para os outsiders, como fenômeno do Dória, Bolsonaro, etc. Então acho que vai ser difícil reverter essa questão da mobilização. Acontece no mundo todo essa negação da política, esse cansaço coletivo.. É difícil reverter isso de novo…

Tivemos agora o fechamento do Queermuseu. Você acredita que o MBL tem tido tanta força por qual motivo?
Eles têm força mesmo – não é trivial a força deles. Eu sempre penso que a esquerda tenta menosprezar esses grupos, mas não, eles dialogam e eles comunicam.  Eu acho que a gente tem que pensar primeiro que o Brasil é um país conservador, então a bolha é a nossa, a bolha progressista. A grande massa da população é conservadora – é um país muito punitivo, que tem muitos problemas racistas, classistas. Então o MBL começou primeiro com uma linha muito neoliberal na economia, então o objetivo principal era este. Essa ideia do estado mínimo e do neoliberalismo não tem consciência no Brasil, as pessoas não querem isso. Então o MBL mudou a estratégia e passou para uma coisa das pautas mais moralistas na política, pois assim têm realmente um eco, então quando você parte para uma coisa de pautas moralistas, da população LGBT, mulheres, punitivismo, você sempre vai encontrar setores muito grandes da sociedade que te apoiam, porque são pautas que ainda têm questões transversais de racismo e classismo que são complicadas de vencer. O MBL é muito importante, o Bolsonaro é muito importante. Por mais que a gente goste ou não goste, são grupos que comunicam com a sociedade. Então talvez uma autocrítica para a esquerda é que a gente perdeu a capacidade de comunicar com a sociedade. Não sei se isso serve para instigar a esquerda para que ela comunique de novo, porque isso é bem urgente. Nós chegamos em um ponto que alguns grupos da direita se comunicam melhor com a sociedade do que a esquerda.

Como você acredita que a esquerda poderia disputar o discurso com o MBL, por exemplo?
Acho que o problema agora é que o campo da esquerda continua muito atrelado a um projeto petista e isso é muito perigoso, porque a esquerda e o progressismo têm que ser muito maior do que um partido só. Então eu acho que a crise do PT acaba sendo a crise da esquerda como um todo. Ou seja, a gente tem na verdade essa fragilidade: como se organizar agora? Estou pensando aqui e acho que a gente não está nem no nível de disputar o discurso, nós estamos no nível de organizar nosso campo ainda, então é bem mais precário o assunto. A gente precisa conseguir se reorganizar, sair um pouco da órbita do PT, ganhar uma autonomia. A esquerda tem que ser muito mais do que um partido. Está todo mundo muito perdido agora, a eleição também é um momento difícil, então todos os esforços estarão voltados para o cenário eleitoral, e não realmente para reestruturar a base. Então o primeiro passo tem que ser esse, e aí depois na verdade tentar realmente disputar o discurso, porque sem essa reorganização prévia tá difícil. Por exemplo, o movimento feminista está muito forte no Brasil, muito mesmo, uma coisa para mim bem potente. Mas o movimento feminista não conta com representantes políticas suficientes para dar uma voz à instituição, no parlamento, etc. Essa ponte com as instituições é complicado, tem que ser reestruturado, é urgente tudo isso…

Como observa as eleições em 2018?
Que medo! (risos). Eu tava vendo a última pesquisa de rejeição e o Lula subiu 40 pontos, é uma coisa impressionante né, então o Lula diminuiu a sua rejeição e está subindo a recepção positiva dele… Se ele conseguisse se candidatar, obviamente que ele ganhava, talvez até no primeiro turno. Como é muito duvidosa a candidatura do Lula, vamos temos que deixar tudo isso em parênteses. Se ele não conseguir se candidatar, ainda acho que ele vai ser um cabo eleitoral muito importante, porque simbolicamente, a pessoa que ele apoie, vai ter um apoio muito grande. Então o candidato que for escolhido pelo PT não vai ter a força do Lula, evidente, mas ainda vai ter força porque o Lula vai apoiá-lo de alguma forma. Se o Lula for condenado, vai ter todo aquele discurso do vitimismo, “Lula vítima”, tudo isso. Então eu consigo imaginar uma pessoa da esquerda movida pela força do Lula, mas ainda assim vai ser complicado porque uma condenação do Lula vai ser bem crítica.

Eu consigo ver agora o Dória e o Alckmin, que estão em disputa aí, o Dória está melhor nas pesquisas, mas está pior dentro do PSDB, vamos ver quem vai ganhar a disputa interna no PSDB – que é terrível. E o Bolsonaro está muito bem colocado. Resta saber se o Bolsonaro é um fenômeno mais social do que eleitoral né, porque ele tem um partido muito pequeno. Então vamos ver se ele se garante quando começar o horário eleitoral gratuito, o partido muito pequeno dele vai prejudicar. Então basta ver se ele é um fenômeno social mobilizador ou de fato eleitoral. E aí tem a Marina, que não enxergo muita possibilidade, porque acho que ela mesma é o problema dela mesma… Mas assim, se o candidato do PT não consegue ir para o segundo turno, a gente tem a possibilidade de ter um segundo turno só com candidatos de direita. E é uma possibilidade sim, que a gente viu o que aconteceu em outros países, na França, por exemplo, ultra direita com uma direita liberal. Poderia ser assim também aqui…

Considerando também a recente declaração de General Antonio Hamilton Martins Mourão (general do Exército que em palestra realizada em Brasília durante o mês de setembro falou publicamente por mais de três vezes na possibilidade de intervenção militar), você enxerga um perigo de tomada de poder militar no Brasil?
Não enxergo um perigo de tomada de golpe militar, mas o que eu enxergo é que pessoas que apoiam e legitimam esse discurso podem aumentar, isso sim. O episódio do Mourão, para mim, foi muito simbólico. Não pelo que ele falou, porque eu acho que tem mais gente que opina também isso, mas pela ausência de uma punição depois do que ele disse. Se ele falasse isso mas depois fosse punido ou expulso por falar isso, poderia ser mais pedagógico. A gente tem o Bolsonaro que já é também esse discurso, para mim a ameaça não é o golpe, é que essas ideias se difundam e ganhem apoio.

General Mourão (Foto- Pedro Ribas : ANPr : Divulgação)
General Mourão FOTO:
Pedro Ribas / ANPr / Divulgação

A gente já vive sob um golpe não é…
A gente já vive numa ordem democrática entre muitas aspas. Esse tipo de comportamento (do General Mourão) é totalmente ilegítimo, então quando você vê esse tipo de comportamento sem nenhum tipo de punição ou represália você está levando uma mensagem de que: “Pô, vamos apoiar esse cara porque é possível!”. Já estamos em um momento muito frágil, a democracia passou longe, então deveríamos ter muito cuidado com isso. Porque quando acontece isso você acaba a instaurar na sociedade a ideia de que a democracia é mais um regime, talvez não é tão necessária, num momento de crise talvez não dure…

Num momento de crise você tem que cortar da raiz o discurso autoritário porque pega muito. Num momento de crise muitas pessoas pensam que a culpa é do funcionamento democrático, que se nós tivéssemos um regime mais duro, mais autoritário, mais centralizador resolveríamos a crise. Não podemos dar asas para esse tipo de pensamento, porque é muito perigoso. Acabamos de ver agora nas eleições na Alemanha que neonazistas ganharam 13% do parlamento. É muito expressivo isso. Ou você corta da raiz, ou você tem um problema que vai se espalhando pela sociedade.

Você vê então também no panorama global essas questões.
Sim, sem dúvida. Globalmente você tem um sentimento de frustração com a democracia muito grande, você tem uma globalização que não está dando certo para muita gente, tem os problemas migratórios que são muito grandes, tem o problema do próprio capital, da precarização do trabalho, da vulnerabilidade que teve essa precarização. São problemas muito estruturais que o mundo inteiro, em diversos níveis, está sofrendo. E a democracia ficou muito refém do poder econômico, então a democracia não está dando as respostas que muitas populações queriam. Aí vem esse discurso anti-político, da negação da política… E se você vê no mundo todo estão pipocando movimentos extremos. Nos Estados Unidos, com o Brexit na Grã-Bretanha, a própria Marine Le Pen na França, a segunda mais votada. Então infelizmente é de uma ordem global, sem dúvida.

Voltando para o Brasil, como avalia o comportamento dos cidadãos nas redes sociais?
Tem um problema aí – não sei se é do brasileiro, mas de forma geral – a rede social é um espaço onde se discute muita política, questões sociais. E nós temos um pouco uma dupla fácil porque por um lado é um lugar interessante, sobretudo para pessoas que não têm voz, que são muito menos ouvidas, ter uma plataforma com mais possibilidade de acesso. Mas, por outro lado você tem um discurso de ódio muito potente, porque também você tem o anonimato total. E nós temos essa questão do Facebook, que trabalha com bolhas ideológicas, essa coisa do algoritmo. Então na verdade você está discutindo política talvez no pior lugar para discutir política porque você não consegue dialogar com outros. Tá tudo muito polarizado, a rede social também está polarizada, então acho que o principal problema é isso: você fomenta um discurso muito unilateral, não consegue debater, não consegue diálogo. E o discurso de ódio passa muito gratuito também, acho que as pessoas ainda não entenderam talvez muito a dimensão que tem a rede social. Eu vejo que tem esse lado negativo que falamos, do discurso de ódio, que você se expõe muito também né, porque você consegue uma visibilidade grande, fica muito fragilizado também por um lado. Mas por outro lado tem uma coisa muito positiva, que é dialogar com muitas pessoas. Então ao mesmo tempo que te digo que encontro muito discurso contra mim, encontro muito discurso positivo também comigo, sobretudo – uma coisa muito importante isso – como mulher, por exemplo, tem umas meninas que me escrevem falando que é importante o exemplo que eu dou enquanto mulher, porque, de novo, nós mulheres não temos tanto essa possibilidade de nos colocar no debate público. Então se eu colocar no balanço acho que esse papel meu como mulher e como eu consigo dialogar com meninas do Brasil todo, isso é muito importante. E eu não conseguiria fazer isso se não fosse pela rede social.

Nas pesquisas que desenvolveu com Ortellado e Moretto, durante as manifestações pelo impeachment, 42% dos entrevistados afirmam que o PT trouxe mais de 50 mil haitianos para votar na Dilma e 64% acreditavam que o PT quer implantar um regime comunista no Brasil. Nesse sentido, 64 e hoje têm muita proximidade também…
Uma coisa que a gente estuda muito que é muito perigoso é essa coisa dos boatos e dos fake news, que não é um fenômeno novo, sempre houve informações falsas. Mas é um fenômeno que com a internet você extrapola muito. Então quando agente mediu isso, estávamos vendo justamente isso, como as falsas informações, que justamente atacam e deslegitimam o outro, são poderosas. A gente mediu isso também: as notícias mais compartilhadas no Facebook a cada semana e você encontra sempre notícias falsas entre as mais compartilhadas. E isso é muito perigoso: a qualidade da informação é muito baixa, você tem uma pseudo informação que acaba desqualificando o outro, e isso empobrece muito o debate, que já está muito empobrecido, você acaba numa dinâmica muito bélica, de destruir o inimigo. Isso foi bom justamente para aqueles que se aproveitam do momento dos outsiders, mas acaba diminuindo muito a qualidade democrática também. Porque democracia sem informação não é democracia. Então quando temos informações tão pobres, tão cheias de boatos, a gente acaba diminuindo muito a capacidade democrática.

Para concluir, você teria considerações finais?
A esquerda tem muito essa coisa da arrogância, de quem pensa que é dono da verdade absoluta e nós estamos sofrendo muitas perdas: impeachment, eleição municipal, a gente pode perder muitas disputas que estão vindo… É o momento de ter a humildade de reconhecer que alguma coisa importante está acontecendo do outro lado, porque essa coisa de caricaturizar o pessoal do MBL, acho que não vai por aí, e depois partir para a luta mesmo. Não dá também para você ficar observando o que acontece, tem que disputar o discurso, a rua, a internet… Disputar tudo. Então acho que é um momento em que nenhum de nós pode se furtar do trabalho, porque cada um também tem uma responsabilidade. Chamar para a luta contínua. Até disputando com a sua família, na manifestação, qualquer lugar é lugar de disputa.

 

Leia mais pesquisas conduzidas por Esther Solano:

Pesquisa na manifestação contra o impeachment do dia 31 de março de 2016

Pesquisa sobre guerras culturais – 26 de março de 2017

Comportamento machista leva à violência nas universidades, diz pesquisa

trote violento contra calouros
Campanha contra estupro e machismo em trotes de ingresso em universidades. FOTO: reprodução

Pesquisa feita com alunos de cursos superiores mostra que há um comportamento machista por trás de atos de violência praticados contra mulheres em campi universitários públicos e privados. Os ataques incluem estupros e assédio sexual, além de outras humilhações às mulheres cometidas em festas estudantis, em recepções aos calouros, no caminho de ida ou volta das salas de aula e outras circunstâncias que favoreçam as agressões.

O levantamento – encomendado pelo Instituto Avon ao Data Popular – foi feito com 1.823 estudantes dos sexos feminino e masculino de todas as regiões do país, sendo que mais da metade dos entrevistados (51%) têm entre 16 e 25 anos, 53% são da classe média e 76% estudam em faculdades particulares.

“A pesquisa foi muito importante para quebrar um grande mito de que a violência contra a mulher está fortemente ligado à escolaridade ou ao nível socioeconômico de quem a pratica. Os muros das universidades não estão impermeáveis ao machismo que acontece no restante da sociedade brasileira”, disse Renato Meirelles, presidente do Data Popular.

Segundo Meirelles, 2,9 milhões de mulheres já sofreram algum tipo de violência física nas universidades. “Isso é mais do que a população de 90% das cidades brasileiras.” Para ele, isso atrapalha o bom desenvolvimento do aprendizado e gera uma consequência para o futuro profissional das mulheres.

Para o diretor, depois de formados, os universitários acabam levando para o seu dia dia os efeitos de um comportamento machista, que é multiplicado, e resulta em distorções no mercado de trabalho. Um exemplo disso é o fato de as mulheres desempenharem as mesmas funções de um homem, mas recebendo salários inferiores.

Do total de alunas consultadas, 42% declararam que já sentiram medo de sofrer violência no ambiente universitário. Outras 36% contaram ter deixado de fazer alguma atividade em função desse temor. Nos relatos, segundo o Data Popular, elas justificaram que “têm a percepção de que não apenas criminosos externos, mas também colegas, professores e parceiros do cotidiano podem ser protagonistas de violências, que vão da desqualificação intelectual ao assédio moral e sexual, chegando ao estupro”.

Os casos de estupro foram apontados por 14% das estudantes, e 11% disseram já ter sofrido tentativa de abuso sexual por estarem sob o efeito de bebida alcoólica. Em relação ao assédio sexual, 73% disseram conhecer casos; 56% declararam-se vítimas e 26% confessaram ter cometido algum tipo de assédio. Há situações de professores terem oferecido “presentinhos em troca de uma prova mais fácil”.

As entrevistas foram feitas pela internet. Uma estudante relatou que “uma menina foi estuprada na festa, dormindo. Em outra festa, soube que deram droga para outra sem ela saber, e também foi estuprada”. Já um dos alunos disse que “tem mulher que não se respeita, que usa umas roupas pra se oferecer”.

Os atos classificados como coerção foram apontados por 12% das alunas entrevistadas, e 11% disseram ter sido coagidas a participar de desfiles, leilões ou outras atividades degradantes. Para 27% dos alunos do sexo masculino é normal abusar de uma garota se ela estiver alcoolizada e 35% deles também não consideram ser violência coagir uma mulher a participar de atividades degradantes como desfiles e leilões.

“Se não desnaturalizar o preconceito e a violência contra a mulher, ela vai continuar nutrindo as próximas gerações”, disse a presidente do Instituto Avon, Alessandra Ginante. Ela ressaltou que, desde os primeiros anos de vida, as crianças são estimuladas a ter comportamentos distintos, o que parece normal para a maioria das pessoas.

Alessandra destacou que é comum, na fase da adolescência, a família deixar os meninos livres, fazendo o que querem, enquanto as meninas são educadas com controle de horário, das roupas e das pessoas com quem se relacionam.

A pesquisa foi apresentada na terceira edição do Fórum Fale Sem Medo e faz parte do movimento 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres

Jogo do Preconceito: teste identifica preconceitos contra nordestinos no Brasil

A propósito do Dia do Nordestino, comemorado em 8 de outubro, uma agência de publicidade criou um jogo que expõe orgulhosamente a bela face do povo nordestino, e, ao mesmo tempo, a horrível face do preconceito. Com mais de 32 mil compartilhamentos no Facebook, o “Jogo do Preconceito” (clique no link) viralizou na rede levantando algumas questões sobre o preconceito que os nordestinos sofrem diariamente.

O convite do #JogoDoPreconceito é um só: encontramos duas fotos de pessoas distintas, devendo assim selecionar “quem tem cara de nordestino”. A cada vez que selecionamos uma foto afirmando, segundo os nossos preceitos, quem deve ser o “verdadeiro nordestino” aparecem frases como: “povo ignorante”; “raça de preguiçosos”; “povo burro”; “nojentos” e “gentinhas”.

“O Dia do Nordestino, antes de tudo, é um dia para espalhar o respeito entre as pessoas. Aceitar, aprender com as diferenças e enxergar que somos capazes de evoluir com os nossos erros”, afirma a Agência Bend, criadora do projeto.

Pais desconhecem os perigos de expor os filhos na internet e nas redes sociais

Não há duvidas que é maior a frequência de crimes digitais em face de jovens da geração Z, nascidos entre o início da década de 90 até 2010, os chamados centennials, e que por nascerem no mundo da Internet muitas vezes tem problemas em lidar com riscos da superexposição.

Por outro lado, têm crescido os incidentes, fraudes e crimes decorrentes da exposição feita pelos próprios pais, de imagens, vídeos ou mesmo comentários sobre seus filhos. Isso, a geração Y, nascidos entre o inicio da década de 70 e final da década de 80, ou mesmo os X, nascidos anteriormente a este período, que viveram parte da vida em um mundo mais off-line, imersos agora no mundo digital, perdem as rédeas quando o assunto é publicar, postar, compartilhar sobre seus filhos. Existe um grande risco nesta postura impensada.

Compartilhar dados sobre filhos em redes sociais resulta em um registro indelével. Segundo pesquisa de 2014 da AVG, 81% dos pais ouvidos em dez países publicaram fotos dos filhos na internet. No Brasil, o porcentual sobe para 94%.

O que poucos sabem é que metade das fotografias em sites de pedofilia vieram das mídias sociais. Sites desta natureza não estampam apenas nudez, mas pessoas fazendo coisas normais. Os pais são responsáveis pelos filhos e devem zelar pela privacidade e imagem dos mesmos, inclusive no mundo digital.

Já tivemos casos em que a imagem de uma criança foi associada a um meme que viralizou com milhões de comentários, ofensivos em nítido cyberbulling. Casos de sequestros por conta de fotos e comentários. Casos de assédios (grooming) diante da postagem de fotos. Em outro caso, a foto em alta resolução foi usada em campanhas publicitárias, sem o consentimento dos pais. Em casos ainda mais graves, foi feito omorphing, ou seja, editaram a imagem e colocaram o rosto da criança em um corpo nu ou em situação de prática sexual, com compartilhamentos em grupos de pornografia.

Importa dizer que o Estatuto da Criança e do Adolescente, no artigo 241-c, pune o ato de simular a participação de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica por meio de adulteração, montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de representação visual, com pena de reclusão de até 3 anos.

Assim, a recomendação é jamais postar fotos que identifiquem a rotina do filho ou mesmo com pouca roupa. Muito cuidado ao expor a intimidade do seu filho, pois hoje ele pode não entender, mas este conteúdo pode permanecer por tempo indeterminado na rede, sendo que pode causar grandes constrangimentos no futuro. Será que seu filho, no futuro, pode reclamar da superexposição que trouxe a ele? Pode ser que jamais retire este conteúdo do ar.

Se realmente tiver que publicar, avalie as configurações de privacidade, tenha e mente como a rede social trata as fotos postadas, lendo os termos de uso. Evite postar fotos de crianças com biquíni, roupas intimas ou nuas ou mesmo comentários sobre a rotina e hábitos da criança, pois constituem grande perigo e insumos importantes nas mãos de pessoas mal-intencionadas. Nunca se esqueça, o importante mesmo é postar o que contribua para a autoestima da criança. Faça sempre a seguinte reflexão: Para que, como e para quem postar?

Assim, certamente evitará danos imensuráveis ao futuro destas crianças.

* O artigo foi publicado originalmente no IDG Now! por José Antonio Milagre, advogado especializado em Direito Digital, presidente da Comissão de Direito Digital OAB/SP Regional da Lapa e presidente da Associação Brasileira de Educação Digital (ABRAEDI)

“Os fracos sofrem o que devem?”: os traços antidemocráticos na Europa

Yanis Varoufakis
Yanis Varoufakis e a construção da ordem do pós-guerra: o "equilíbrio desequilibrado" (Foto: Getty Images)

*Por Hugo Albuquerque

EOs Fracos Sofrem o Que Devem?, mais recente obra do economista, pensador e ativista grego Yanis Varoufakis, autor de O Minotauro Global, a chegar aos leitores brasileiros, tem um título capcioso e provocativo. Varoufakis faz referência a uma passagem do clássico “História da Guerra do Peloponeso”, de Tucídides, para explicar a gênese da Europa contemporânea: antidemocrática, forjada pela imposição da força.

Na passagem em questão, Tucídides faz referência ao longo debate em que, ao final, os atenienses concluem que podem fazer o que bem entendem com a pequena ilha de Melos (ou Milo, a mesma da Vênus), a qual terminaram de invadir naquele ano de 416 a. C., por uma simples questão: eles eram fortes e os invadidos fracos, merecendo em parte o genocídio, em parte a escravidão.

O que essa história tão antiga teria a ver com a Europa de hoje? Uma triste constatação de que debaixo das aparências, discursos e propagandas, a ideia de uma Europa democrática e fraterna está não só muito longe de ser alcançada como, ainda, nunca foi exatamente esse o plano por trás do projeto de integração no pós-guerra.

Invertamos o papel de Atenas, hoje capital da Grécia, e coloquemos na posição de dominadora Alemanha, dos três neins (nãos) de Merkel perante as negociações para solucionar a crise da estrangulada Grécia e temos a representação de uma relação nada diferente entre a de Milo e Atenas. Enquanto a crise econômica fica mais turbulenta e distante de terminar, seja pela reinstituição de um “equilíbrio desequilibrado” da zona do euro ou por uma ordem multilateral funcional, a lei do mais forte vale de maneira descarada na Europa.

O pior é, como lembra Varoufakis, isso não é uma novidade ou um acidente histórico. É exatamente a maneira como a ordem do pós-guerra foi construída, isto é, o “equilíbrio desequilibrado” imposto pelos vencedores norte-americanos para o restante do mundo capitalista, derivou igualmente em um processo de unificação europeu nada democrático, desde os primórdios, pronto a favorecer interesses econômicos sem controle democrático – ou muitas vezes até mesmo para conter reivindicações democráticas.

A Grécia, primeiro país a impor uma derrota às Forças do Eixo, foi, ironicamente, o primeiro país destruído no pós-guerra – em um guerra civil cruel, voltada a eliminar os elementos esquerdistas que gozavam de alta popularidade por sua participação na resistência – enquanto a Alemanha, primeiro país a ser destruído por liderar as Forças do Eixo, foi o primeiro a ser reconstruído — mas para servir com toda sua pujança ao desenvolvimento do bloco capitalista, azeitada pelo dólares norte-americanos, moldando a Europa à sua imagem e perfeição e, até mesmo, sujeitando seus grandes sócios, os franceses.

No meio do caminho, ainda que pelos motivos errados, foram os conservadores britânicos a enxergarem o destino problemático da União Europeia, um projeto de integração não só econômico como economicista, o qual culminaria em uma moeda única sem uma estrutura política capaz de controlá-la. E é essa aliança entre o financismo, os Estados europeus mais poderosos, as oligarquias dos países europeus pobres e uma classe tecnocrática que se encastelou em Bruxelas que o autor busca dissecar.

A resposta de Varoufakis para isso não é a lamentação, ou um projeto de retorno ao estado-nação, como fizeram os britânicos, mas a elaboração de um projeto europeu nos termos de uma democracia federativa. Um enorme desafio, o qual é necessário não apenas para as nações mais fracas, mas para todos os europeus, pois apesar do uso oportuno da estrutura de certos Estados-nação, fato é que opressores e oprimidos não têm nacionalidade.

Taiguara, a ameaça da volta da censura e as marcas do tempo

O cantor e compositor Taiguara
O cantor e compositor Taiguara. Foto: Arquivo Pessoal / Divulgação / Kuarup

Nascido no Uruguai, em Montevidéu, durante uma série de apresentações de seu pai, o maestro Ubirajara Silva, naquele País, o cantor e compositor Taiguara, falecido em 1996, completaria 72 anos nesta segunda-feira (9).

Segundo revelou Janes Rocha, autora da biografia Os Outubros de Taiguara – Um autor Contra a Ditadura: música, censura e exílio (Editora Kuarup), o politizado intérprete de clássicos como Hoje e Universo no Teu Corpo foi o compositor mais censurado durante os anos de chumbo.

Somente em 1974, revela Janes no livro, das 61 canções registradas por Taiguara 36 foram vetadas pelos censores do DCDP (Departamento de Censura e Diversões Públicas), órgão instituído com o AI-5 que operou até 1988, quando foi extinto pela nova Constituição.

Em tempos de novo flerte com a mordaça, desta vez por iniciativa de “movimentos” sociais oportunistas que, em nome de um projeto de poder, manipulam a famigerada opinião pública em torno de mostras de artes visuais, vale lembrar também de outros números estarrecedores apurados por Zuenir Ventura, durante a produção de 1968: o ano que não terminou , e que dimensionam o ambiente opressor daquele período.

Somente no decênio de vigência do AI-5 (1968-1978), cerca de 500 filmes, 450 peças de teatro e 200 livros foram censurados. Operação executada com o uso de um efetivo de mais de uma centena de agentes do DCDP espalhados em diversos estados do País.

O que perdemos com essa cruzada? Que retrocessos foram impostos à cultura do País? Difícil mensurar, mas certamente não foi pouco. Exatamente por isso, parafraseando Taiguara, é fundamental reconhecermos as marcas que hoje trazemos em nosso “corpo social”. Exercício mais que necessário para, atentos e fortes, confrontarmos a ameaça de um remake desse filme triste e anacrônico.

taiguara isto não são horas de loucura
Reprodução fac-similar da letra de “Isto Não São Horas de Loucuras”

Reprodução fac-similar da letra de “Isto Não São Horas de Loucuras”, vetada em dezembro de 1973. Censores destacam a expressão “essa cana” e apontam “pornofonia” (palavra ou expressão obscena; palavrão), no entanto Taiguara se referia ao consumo de cachaça. Foto: Divulgação / Kuarup

Mais

Leia a reportagem Memória de Chumbo, um balanço sobre o impacto da ditadura para a cultura do País, publicada pela revista Brasileiros em 2014, na ocasião dos 50 anos do golpe civil-militar de 1964.  http://old.brasileiros.com.br/2014/06/memoria-de-chumbo/

A mudança da ANP para a política de conteúdo local: retrocesso

Foto: Agência Brasil
FOTO: Agência Brasil
  • Por William Nozaki e Rodrigo Pimentel Ferreira Leão

Nesta semana, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) realizou Audiência Pública para compilar subsídios a fim de editar “ato regulatório que disciplinará os critérios, requisitos e procedimentos aplicáveis à Isenção de cumprimento da obrigação de Conteúdo Local, bem como as regras gerais dos Ajustes de percentual de Conteúdo Local comprometido e das Transferências de Excedente de Conteúdo Local, relativos aos Contratos de Concessão a partir da Sétima até a Décima Terceira Rodada de Licitações, de Cessão Onerosa e da Primeira Rodada de Partilha de Produção dos blocos de exploração de petróleo e gás natural”.

Essa audiência pública é mais uma etapa do processo de mudanças nos atos regulatórios do Conteúdo Local (CL) proposta pela ANP. No final do mês de junho, a agência divulgou a Nota Técnica 01/2017 que expõe os motivos e a redação da minuta de Resolução que institui a possibilidade de Isenção de cumprimento da obrigação de Conteúdo Local, bem como as regras gerais dos Ajustes de percentual de Conteúdo Local comprometido e das Transferências de Excedente de Conteúdo Local nas rodadas mencionadas.

Embora a Nota Técnica da ANP n. 01/2017 reconheça que a atual política de conteúdo local influencie fortemente nos investimentos prévios realizados pelos fornecedores brasileiros para atendimento da demanda futura, a ANP alega que existem três motivos “mais relevantes” para estruturar uma regra que autorize a isenção, ajuste ou transferência da realização de conteúdo local, antes permitidos apenas como casos de excepcionalidades. A ANP alega que essas mudanças seriam necessárias haja vista os seguintes motivos: 1) a banalização do cumprimento de conteúdos locais estabelecidos estaria fragilizando a indução da demanda pensada originalmente; 2) o grande número de pedidos de isenção apontaria para sua utilização de forma distorcida, fato que chamou a atenção da ANP e do Tribunal de Contas da União (TCU); e 3) as dificuldades enfrentadas pelas operadoras para o atingimento dos percentuais estabelecidos tendo em vista crise enfrentada pelo Brasil.

A minuta apresentada não determina o que seria um prazo demasiadamente longo para que os fornecedores brasileiros possam ser “substituídos” por estrangeiros

Partindo dessas premissas, a ANP apresentou uma minuta dos atos regulatórios do CL que permite que as operadoras solicitem a isenção, ajuste ou transferência do conteúdo a partir dos seguintes critérios: i) sobrepreço ou prazo excessivo para atendimento das demandas dos operadores e; ii) existência de novas tecnologias no mercado e internacional. No entanto, a forma como foi construída a minuta permite que casos tidos como excepcionais possam se generalizar. Isto é, na prática, o que se propõe é uma liberalização do cumprimento dos percentuais mínimos de conteúdo local.

Isso porque, em primeiro lugar, a minuta apresentada não determina o que seria um prazo demasiadamente longo para que os fornecedores brasileiros possam ser “substituídos” por estrangeiros, bem como desconsidera na análise os prazos dos serviços pós-vendas (e de todo processo produtivo) que podem ser muito mais céleres se atendidos por produtores locais do que por estrangeiros[4]. E, em segundo lugar, ignora a existência de uma miríade de tecnologias do setor, bem como o próprio processo de funcionamento do processo técnico – que exige capacidade prévia e desenvolvimento de know-how para o seu desenvolvimento. A existência de um rol imenso de tecnologia nesse setor impõe uma ampla dificuldade de ser especificado dentro uma legislação. Ou seja, dado o volume de tecnologia no setor petróleo, há uma grande dificuldade de especificar quais tecnologias podem habilitar uma empresa de abrir mão do cumprimento do conteúdo local.[5]

No entanto, mesmo que todas essas pendências fossem solucionadas, a minuta traz graves riscos de natureza jurídica e econômica em relação ao desenvolvimento da cadeia de petróleo e gás, incluindo seus fornecedores.

Sobre a questão jurídica, ao redefinir o percentual mínimo de conteúdo local em leilões já realizados, fere-se o instituto do direito adquirido, assegurado no artigo quinto do texto constitucional e elevado à cláusula pétrea no artigo sessenta do mesmo documento. Nenhum marco regulatório setorial tem licença jurídica para arbitrar normativas que se sobreponham ou que caminhem na contramão do código máximo do nosso direito que é a Constituição Federal de 1988.

Ao tentar aplicar uma mudança retroativa nos contratos já firmados, a nova normativa da ANP atenta contra os direitos constitucionais adquiridos e abre precedentes para a instauração de uma insegurança jurídica, regulatória e institucional. A nova diretriz de flexibilização e encolhimento da política de conteúdo local não pode servir de pretexto para a criação de um ambiente que viole a segurança jurídica em relação aos contratos já realizados. Tal medida fragiliza o conjunto da institucionalidade dos contratos realizados nesse setor.

Sobre a questão jurídica, ao redefinir o percentual mínimo de conteúdo local em leilões já realizados, fere-se o instituto do direito adquirido, assegurado no artigo quinto do texto constitucional e elevado à cláusula pétrea no artigo sessenta do mesmo documento

Sobre a questão econômica, a Nota Técnica 01/2017 da ANP, embora faça uma breve referência ao tema, não trata com devido cuidado o papel da política de conteúdo local no longo prazo, uma vez que tal politica tem uma função estrutural para mitigar os riscos do crescimento econômico baseado em recursos naturais. . O aumento das divisas, decorrentes das exportações de recursos naturais, provoca uma forte valorização da moeda nacional que combinada com o nao incentivo ao desenvolvimento da indústria local e, consequentemente, reduz a competitividade da indústria de transformação nacional, diminuindo a capacidade de geração de emprego e de progresso técnico local. Isso pode ser mitigado ou revertido por meio da utilização de políticas industriais e de conteúdo local.

As experiências internacionais, inclusive, apontam que, logo após grandes descobertas de petróleo, os países devem utilizar tais políticas como forma de organizar a incipiente indústria petrolífera junto com outras cadeias produtivas.[6]Mesmo que hajam possíveis ineficiências iniciais, tais políticas são cruciais para consolidar novos setores industriais no longo prazo. Em outras palavras, obviamente que esse processo não é rápido e automático sendo necessário, num primeiro momento, suportar um certo grau de “ineficiência”. Essa política implica geralmente, no começo, um sobrepreço e prazos mais elásticos em troca do desenvolvimento da indústria nacional. Porém, o sobrepreço e os prazos tendem a ser reduzidos ao longo do tempo com os ganhos economia de escala (reduzindo os custos unitários) e em desenvolvimento tecnológico no ambiente de produção.

Ao invés de ser uma exceção, agora a isenção, o ajuste e/ou transferência do conteúdo local passam a ser uma regra, o que deve induzir a importação de equipamentos, máquinas e tecnologia no atendimento da demanda local

Mais grave, caso isso não ocorra, há um risco de se estabelecer um crescimento baseado em recursos naturais que, ao longo tempo, gera desincentivos progressivos para o desenvolvimento de outros segmentos industriais. As interrupções abruptas desse tipo de política impossibilitam a criação de progresso técnico e o desenvolvimento de novas cadeias produtivas, no longo prazo, e gera um ciclo fortemente negativo em investimentos projetos no médio prazo.

Ao invés de ser uma exceção, agora a isenção, o ajuste e/ou transferência do conteúdo local passam a ser uma regra, o que deve induzir a importação de equipamentos, máquinas e tecnologia no atendimento da demanda local. No caso de importação tecnológica, essas mudanças não estipulam nenhum condicionante de transferência (das tecnologias estrangeiras para o país) e, muito menos, preservam os clusters já formado no país entre universidades e empresas. Desse modo, pode-se observar um completo desmonte desses clusters e impedir a expansão da cadeia produtiva e técnica no Brasil.

Portanto, a atual mudança sugerida pela ANP, além de apresentar falhas intrínsecas a própria regulamentação proposta – na questão dos prazos e das novas tecnologias –, trata de forma irrelevante a insegurança jurídica que pode emergir nesse processo, bem como uma desmobilização da cadeia de investimentos dos fornecedores de petróleo e gás. Enquanto países como Noruega, Inglaterra e Coreia do Sul utilizaram essas politicas por décadas criando grandes players globais, no Brasil, o retrocesso impede qualquer avaliação mais séria de uma politica ainda incipiente.

*Willian Nozaki é cientista político, economista e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Rodrigo Pimentel Ferreira Leão é economista, com passagem pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

[1] Os autores agradecem as contribuições da doutora da Universidade Federal de Santa Catarina, Paola Azevedo, e do economista do DIEESE, Cloviomar Cararine. Eventuais erros e omissões são de exclusiva responsabilidade dos autores.

[2] Mestre em desenvolvimento econômico (IE/UNICAMP). Foi gestor de planejamento da Fundação Petrobras de Seguridade Social (Petros). Atualmente, é pesquisador da Cátedra Celso Furtado/FESP-SP e integrante do Grupo de Estudos Estratégicos e Propostas (GEEP) da FUP

[3] Professor de Ciência Política e Economia da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e integrante do Grupo de Estudos Estratégicos Petroleiros (GEEP) da FUP.

[4] A minuta de nova legislação proposta na Nota Técnica 01/2017 pela ANP, em seu artigo 3º, afirma que “a ANP poderá (…) autorizar a exoneração do compromisso de Conteúdo Local, em relação à contratação de determinado bem ou serviço, na hipótese de (…) proposta de fornecedores brasileiros com prazos de entrega excessivos em relação a congêneres não brasileiros”. No artigo 5º, a ANP detalha como se aplica a isenção do cumprimento de conteúdo local no caso da verificação de prazos de entrega excessivos: “a hipótese de prazo excessivo (…) será analisada pela ANP de acordo com as características da contratação, devendo o Operador demonstrar no seu pedido que a diferença de prazos de entrega entre o fornecedor brasileiro e os fornecedores estrangeiro compromete o cronograma de atividades proposto”.

[5] Os prêmios da ANP de Inovação 2017 e 2016 (finalistas e premiados) e a pesquisa realizada pela Lloyd’s Register Energy’s Oil and Gas (apoiada pelo Instituto Brasileiro de Biocombustíveis), por exemplo, apontam o volume extenso de tecnologias desenvolvida no último período dentro do setor petróleo.

[6] No entanto, existem alternativas para o enfretamento desses desafios e dependem fortemente da ação estatal: “todos estes problemas pode (teoricamente) ser evitado se políticas econômicas e industriais abrangentes forem introduzidas (…)”, como lembra o professor da UFRJ, Carlos Medeiros no seu artigo Recursos naturais, nacionalismo e estratégias de desenvolvimento. Analisando os diferentes países que possuem vantagens competitivas em determinados recursos naturais, Inglaterra e Noruega se destacam como casos de sucesso em termos de diversificação produtiva e progresso tecnológica por intermédio das políticas econômicas e industriais, cuja política de conteúdo local (CL) e suas alterações têm um papel central.

Uma cartografia digital dos ataques contra os povos indígenas no Brasil

Foto: Instituto Socio Ambiental
Foto: Instituto Socio Ambiental
  • Por Daniel Santini (Fundação Rosa Luxemburgo)

A ideia de organizar em um mapa registros de assassinatos de indígenas no Brasil é visibilizar a quantidade e constância com que povos originários foram e continuam sendo massacrados. Trata-se de uma Cartografia dos Ataques Contra Indígenas (Caci). A palavra Caci significa “dor” em Guarani.

É a primeira vez que as informações foram sistematizadas e georreferenciadas em uma visualização que permite olhar os casos em sua dimensão territorial. É o primeiro passo em uma tentativa de mobilizar um grupo de atores para reunir, sistematizar e visibilizar informações sobre assassinatos de indígenas, tema que nem sempre ganha a atenção que merece. A plataforma pode e deve ser aprimorada nos próximos anos.

O projeto foi desenvolvido pela Fundação Rosa Luxemburgo, em parceria com Armazém Memória e InfoAmazonia. O georreferenciamento das informações teve como base relatórios do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e da Comissão Pastoral da Terra (CPT) produzidos entre 1985 e 2015, e foi feito a partir da região em que os crimes aconteceram.

Não é um levantamento completo. Infelizmente, o número de assassinatos no período é muito maior do que os registrados pelas duas organizações. Mas trata-se de uma base sólida que, por si só, é um registro histórico que pode servir como ponto de partida para pesquisas e análises aprofundadas.

DOSSIÊ E ANÁLISE

Além de georreferenciar e disponibilizar os dados, também foram organizados quatro dossiês com análises aprofundadas sobre casos emblemáticos. Eles combinam informações reunidas em arquivos históricos com os dados dos mapas e podem ser consultados a partir da palavra “dossiês” na aba superior. O principal talvez seja o assassinato em massa do povo Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul, classificado como genocídio tão grave a situação.

No último botão da aba superior dá para consultar a metodologia adotada no levantamento, saber mais sobre a equipe envolvida neste levantamento e baixar, de maneira aberta e livre, arquivos com todos os dados apresentados ou consultá-los diretamente nas suas fontes originais.