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As artistas esquecidas pela história

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Em 1922, a famosa Semana de Arte Moderna rompeu com as tradições, imortalizando artistas como Anita Malfatti e Mário de Andrade. Nesse mesmo ano, outro acontecimento, muito menos celebrado pela historiografia, também constituiu um marco importante na arte brasileira: pela primeira vez, uma mulher era premiada por uma pintura histórica, gênero artístico mais prestigiado na época.

A paulista Georgina de Albuquerque recebeu o prêmio, concedido pela Escola Nacional de Belas Artes, pela pintura Sessão do Conselho de Estado. A partir do tema da independência do Brasil, a artista questionava as representações do poder, colocando uma mulher no centro de um acontecimento histórico. Ao invés de retratar um evento triunfal, como a famosa tela de Pedro Américo, a obra representava um episódio diplomático no qual a princesa Leopoldina ouvia as opiniões dos membros do conselho de Estado sobre a independência.

O fato de a pintura ter sido produzida por uma mulher já representava uma transgressão por si só. Na concepção da época, as artistas eram mais aptas a produzir obras delicadas, como as de natureza-morta ou reproduções, e não temas complexos, como os eventos históricos, que exigiam grande habilidade técnica. Além disso, ao representar um acontecimento político, a artista discutia um assunto da vida pública, esfera vetada às mulheres da época.

Assim como Albuquerque, muitas outras mulheres produziram trabalhos relevantes na virada do século XIX para o XX. No entanto, suas obras ainda são pouco conhecidas, mesmo pela crítica especializada. Esse ocultamento de personagens históricas tão relevantes foi o que motivou a professora do Instituto de Estudos Brasileiros da USP Ana Paula Simioni a pesquisar a trajetória dessas pintoras e escultoras.

“Existe uma névoa que acoberta a lembrança de outras artistas anteriores a Tarsila e Anita Malfatti, como se antes das modernistas simplesmente não tivessem existido artistas do então denominado ‘sexo frágil’. Existiriam artistas mulheres no século XIX? Se sim, quem foram elas? E por que sabemos tão pouco sobre elas?”, afirma Simioni na introdução da sua tese de doutorado.

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A obra ‘Estendendo a Roupa’, de Abigail de Andrade. Coleção de Sérgio e Hecilda Fadel

Em entrevista à Brasileiros, a pesquisadora pontua que as artistas do período precisaram enfrentar inúmeros obstáculos para conseguir produzir. Um dos principais era a própria profissionalização. Até 1889, as mulheres eram proibidas de se inscrever na maior parte dos cursos superiores. Apenas após a proclamação da República, o acesso foi liberado e, mesmo assim, ainda havia uma forte oposição da sociedade.

Na concepção da época, as mulheres deviam se restringir ao ambiente doméstico, sendo a maternidade a sua função primordial. Qualquer ação que pudesse desviá-las era um sinal de ameaça, como evidencia uma crônica da época publicada na revista Kosmos, em 1904: “Enquanto o homem, entregue à vida pública, desenvolve a ciência, a arte e a indústria, a mulher no lar o prepara para essa mesma vida. Ela não produz as grandes obras, mas forma os grandes homens; toda a sua glória está na dos homens que educa”.

No universo das artes, a principal instituição responsável pela formação era a Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro. Como não havia um mercado artístico paralelo, a escola monopolizava as poucas chances de carreira e projeção, organizando exposições e concedendo bolsas para o exterior aos alunos que se destacassem.

Desde 1889, as mulheres eram aceitas dentro da instituição. Porém, havia inúmeras dificuldades, desde salas e ateliês separados ou restrições ao acesso às aulas de modelo vivo. O estudo do nu era considerado uma das etapas essenciais na formação dos artistas. No entanto, para a moral da época, era um escândalo que as mulheres se juntassem a um grupo, formado majoritariamente por homens, para contemplar modelos despidos.

Mesmo assim, em 1897, a jovem paraense Julieta de França se matriculou na aula de modelo vivo da Escolas de Belas Artes, sendo a única mulher do curso. França é uma das personalidades estudadas por Simioni, que reconstitui a trajetória da artista. Interessada pela escultura, a paraense se destacou no curso da Escola de Belas Artes, tendo sido a primeira mulher a obter o prêmio de viagem ao exterior. Na França, ela aperfeiçoou suas habilidades com o mestre da escultura Auguste Rodin, já tido como uma grande referência.

De volta ao Brasil, em 1908, a artista se candidatou ao concurso que escolheria o monumento comemorativo à proclamação da República. Porém, sua maquete foi desclassificada pela comissão julgadora. Inconformada, a artista retornou à Europa coletando avaliações positivas de artistas e professores renomados, inclusive do próprio Rodin. Com esse documento em mãos, França exigiu que a comissão revisse o seu veredito.

A atitude foi considerada um escândalo na época, já que se tratava de um questionamento dos critérios da própria academia. A paraense assim tomava uma postura de confronto, rompendo com o “esperado recato feminino”, como aponta Simioni. A decisão da comissão não foi revista, mas a polêmica prejudicou a carreira da escultora, que já era malvista por ser mãe solteira, sustentando a sua filha sozinha. Para a pesquisadora, todos esses fatores fizeram com que a trajetória de França fosse apagada, tendo a academia se recusado a celebrar a sua produção.

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 Abigail de Andrade, ‘Sem título’. Coleção de Sérgio e Hecilda Fadel

Amadoras

Em sua luta por reconhecimento, essas artistas também tiveram que se contrapor à categoria de amadoras que lhes era atribuída. A prática artística era considerada uma profissão masculina. Simioni comenta que, mesmo com a inserção do público feminino na área, o rótulo continuou sendo empregado: “Se na época, a condição de amador para os homens era uma situação transitória – uma vez aceitos na Academia, podiam se tornar profissionais –, para as mulheres o amadorismo se tornou um rótulo taxativo, quase inescapável, uma ‘condição’ permanente. Isso porque o termo também comportava toda uma carga de estereótipos negativos sobre as aptidões profissionais e intelectuais femininas”.

As artistas do período adotaram diversas estratégias para contornar esse estereótipo, afirmando-se como profissionais. Na França, por exemplo, a pintora Rosa Bonheur se vestia com roupas masculinas para poder caminhar e observar livremente os animais que depois retratava em suas telas. Não há nenhum caso conhecido no Brasil de uma mulher que tivesse adotado uma postura similar à de Bonheur. No entanto, um dos principais meios de  escapar dos obstáculos impostos era o autorretrato.

A pintora carioca Abigail de Andrade foi uma das que produziram autorretratos relevantes, que construíam sua imagem como a de uma artista confiante, organizada e metódica no trabalho. Uma das obras mais famosas de Andrade, que foi a primeira mulher premiada com a medalha de ouro em uma exposição geral, é a tela Um Canto do meu Ateliê (que ilustra a abertura da matéria). Na pintura, ela retrata a si mesma produzindo uma nova tela. O ambiente é repleto de indícios do ofício da artista, com pinturas e esculturas por toda parte, além de estudos do corpo humano. A arte como profissão era assim reforçada pela carioca, que, ao longo da sua trajetória, sofreu diversas pressões familiares devido a sua opção pelo fazer artístico.

“Por muito tempo, os artistas do século XIX foram desvalorizados no Brasil, em virtude da supremacia do olhar modernista em nossa historiografia”.

Obras como os autorretratos de Andrade ou as esculturas de França ainda são pouco conhecidas, mesmo pelo público especializado. Simioni aponta os possíveis motivos: “Por muito tempo, os artistas do século XIX foram desvalorizados no Brasil, em virtude da supremacia do olhar modernista em nossa historiografia. Dos anos 1980 para cá, isso mudou bastante. No entanto, é bom lembrar, há ainda muito por fazer. Esse desconhecimento sobre o século XIX atinge homens e mulheres, mas no caso delas talvez isso seja mais dramático justamente porque, na época, elas foram julgadas amadoras”.

Alguns trabalhos dessas artistas fazem parte do acervo de instituições como a Pinacoteca do Estado de São Paulo e o Museu Nacional de Bela Artes. Porém, outras obras, como as de Abigail de Andrade, ainda pertencem a coleções privadas, estando inacessíveis ao público. Simioni acredita que, conforme mais pesquisas mostrarem a importância dessas artistas, os museus tenderão a adquirir seus trabalhos.

Indagada sobre as transformações no universo das artes e a posição ocupada pelas mulheres hoje, Simioni afirma: “Ao longo da história da arte do século XX, temos vários exemplos de mulheres que alcançaram fama e notoriedade, como Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Lygia Clark e Adriana Varejão, entre tantas outras. Ainda assim, os seus exemplos podem ser vistos como casos ‘singulares’ e ‘excepcionais’, que acobertam uma realidade mais ampla de diversas carreiras femininas obliteradas, pouco conhecidas em períodos diversos, desde o modernismo até os dias de hoje”.

 

Frestas consolida-se como evento de ponta

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O principal espaço expositivo da mostra Frestas, a trienal de arte organizada pelo Sesc em Sorocaba, é uma garagem. O que poderia representar um certo desprezo pela arte contemporânea, escondendo-a em um setor que regularmente abriga automóveis, revela-se como uma estratégia acertada. O pé direito alto e os grandes espaços sem paredes possibilitam às obras um acolhimento adequado enquanto o aspecto um tanto marginal do local tem tudo a ver com a temática da exposição deste ano: “Entre pós-verdades e acontecimentos”.

Pós-verdade é a maneira técnica de se referir a boatos intencionalmente criados para disseminar falsas verdades, ou seja, surgem de lugares um tanto “invisíveis”, como as garagens, para espalhar mentiras. Desde 2016, quando o dicionário Oxford a escolheu como palavra do ano, “pós-verdade” tornou-se um objeto de estudos e debates.

Por isso, ponto para Daniela Labra, a curadora de Frestas, que trouxe a questão para o campo da arte, um lugar perfeito para o debate da linguagem. Nesse sentido, muitas obras apontam exatamente para esse momento de verdadeira fadiga, quando não só o discurso nas redes sociais, mas também dos grandes veículos de comunicação estão em suspeita.

Na mostra, a obra que sintetiza melhor essa questão é “O ano da mentira, 2017”, de Matheus Rocha Pitta. Nela, um calendário de 365 dias estampa de fato apenas uma data em todos os dias, 1º de abril, com imagens de manifestações populares. Difícil melhor imagem para quem lê jornal diariamente e se vê diante de notícias que, mesmo quando verdadeiras, parecem mentiras, dada a desgraça em seu conteúdo.

Sendo assim, obviamente o tom político da mostra é alto, como o momento de fato pede, mas nem sempre tão explícito. A mexicana Teresa Margolles, por exemplo, comparece com uma coleção de joias, compostas por ouro 18 quilates e estilhaços de vidros extraídos de corpos assassinados, em vez de diamantes. Aqui, a violência que envolve narcotráfico seduz, tanto quanto as carreiras de cocaína que embalam uma sociedade hipócrita, que condena os cartéis, mas consome seus produtos.

Há um caráter de urgência em “Frestas”, que se percebe não só pela temática, como pela natureza dos trabalhos: mais de metade dos 60 selecionados comparece com obras comissionadas pela Trienal. Com isso, artistas produzem na temperatura do tempo presente, e o Sesc cumpre importante papel na cena, que é ser também um espaço para o fomento e não apenas de exibição.

Nesse sentido, ganham também destaque obras que lidam com a cidade de Sorocaba, como no procedimento quase ingênuo, mas de grande efeito plástico, do cubano Reyner Leiva Novo, que montou um imenso painel com escovas de dente usadas, trocadas por novas com moradores de um bairro da cidade.

Mais política é a intervenção de Maria Thereza Alves, que pesquisou vestígios de comunidades indígenas na região, mas o único registro encontrado foi uma urna mortuária em um museu da cidade que não tem acesso ao público. A partir desse contexto, ela criou o projeto “Um Vazio Pleno”, para o qual o ceramista indígena Maximino Kalipety, de Dourados, confeccionou réplicas da urna enterradas em pontos no centro da cidade, entre eles o pé da estátua do bandeirantes Baltasar Fernandes, fundador de Sorocaba.

É com obras assim que Frestas ganha especial relevância, criando um diálogo de fato com a cidade, e não apenas exibindo trabalhos que falam do presente, de forma genérica. Mesmo obras de grande formato, como dos grafiteiros Nunca e Panmela Castro foram realizados em prédios da cidade, ele também tratando da questão indígena, ela do empoderamento feminino.

Ao criar tal experiência fora da capital, o Sesc contribui para que a arte contemporânea mais radical não seja vista apenas em grandes centros, como também as Gorilla Girls, que lá são vistas de forma muito mais dinâmica que no Masp, aliás.  É a partir desse tipo de compromisso com o contexto que a pós-verdade pode ser combatida e evitada.

Filme aborda perversidades em torno da arte contemporânea

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Não se trata de um ataque à arte contemporânea. The Square – A Arte da Discórdia, de Ruben Östlund, vencedor da Palma de Ouro em Cannes e representante da Suécia a uma vaga no Oscar, é de fato uma crítica contundente à sociedade do espetáculo e toda perversidade que dela emana.

O ambiente principal é de fato um museu, ironicamente chamado X-Royal, como a indicar a grandiloquência que essas instituições vêm buscando assumir no campo da arte, utilizando para tanto a arquitetura de efeitos como um alicerce. Tudo teve início no Guggenheim de Bilbao.

Pois no X-Royal prepara-se a mostra de uma artista conceitual e socióloga argentina, que utiliza a teoria da Estética Relacional de Nicolas Bourriaud para preparar sua individual. Até aí, o roteiro está bem informado sobre a cena de arte contemporânea. Entre as obras, um quadrado de luz no chão à frente do museu, The Square, cria um espaço de convívio entre os transeuntes. Na Bienal de São Paulo, em 2008, Maurício Ianês possuía um trabalho um tanto semelhante, aliás, em torno de figuras geométricas desenhadas no chão, entre elas um quadrado.

A questão central do filme não está na obra em si, mas como a partir dela chamar a atenção do público para a exposição da artista argentina. É quando entra em campo uma dupla de jovens publicitários especialistas em redes sociais. Eles querem criar algo que viralize na internet sem nenhum tipo de constrangimento, como é típico no marketing. Aí é que o bicho pega.

Contudo, The Square possui vários subtemas, que giram em torno do diretor do museu, Christian (Claes Bang): ele se vê envolvido em várias confusões, seja por conta do sexo que teve com uma jornalista que o entrevistara (Elisabeth Moss, de Mad Men), seja por conta de um celular roubado, ou mesmo por sua desatenção no cotidiano do museu, o que na verdade tem razão em parte por causa do sexo e do celular.

Mas é mesmo no X-Royal que está a cena mais marcante, um jantar de gala tão similar a esses sofisticados eventos black-tie, que conselheiros dessas instituições tanto apreciam, e que de repente é colocado em cheque por uma performance agressiva e surreal, sonho de qualquer ser humano razoável frente a essas convencionalidades enlouquecidamente entediantes. Lembra o constrangimento do jantar em Festa de Família, de Thomas Vinterberg.

De fato, é esse tipo de perversidade que permeia The Square e que está tão presente no cinema escandinavo: revelar as obsessões de cada um, do modo mais exagerado possível, porque através de caricaturas pode-se perceber como pequenos gestos às vezes levam a grandes tragédias.

Veja abaixo o trailer oficial de The Square – A Arte da Discórida

Cresce colecionismo latino-americano

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Feiras de arte tendem, cada vez mais, a buscar nichos específicos, que concentrem colecionismo e temáticas regionais. Assim, desde que surgiu, Art Basel Miami Beach, por exemplo, vem se consagrando como espaço para o colecionismo latino-americano, refletindo as características da própria cidade-sede. De certa forma, o mesmo vem ocorrendo com a feira Arco, em Madri, utilizando os laços colonialistas do antigo império espanhol.

Na América-Latina, contudo, onde se encontra a origem desse colecionismo, duas feiras vêm se fortalecendo com a cena local: ARTBO, em Bogotá e arteBA, em Buenos Aires.

Estive na Colombia há seis anos, para conhecer a ARTBO, em sua então sétima edição. Naquela época, uma ótima curadoria de Octavio Zaya era vista em uma mostra dentro da feira, mas toda a infraestrutura ainda possuía um caráter um tanto precário e não havia uma representatividade qualitativa de galerias internacionais. Do Brasil, por exemplo, apenas Vermelho e Luisa Strina participavam.

Em apenas seis anos, é impressionante a mudança de ARTBO. Dessa vez, continuam expondo 57 galerias, mas agora sete delas brasileiras: das consagradas Fortes D’Aloia & Gabriel, Vermelho e Luisa Strina, a estreantes recentes, como Blau Projects.

Estavam lá também algumas das galerias mais influentes da América Latina, como Ruth Benzacar, de Buenos Aires e Luis Adelantado, do México. Da Espanha a respeitada Elba Benitez e não cito as colombianas, por motivos óbvios. Faltam várias outras, especialmente mexicanas, mas o fato é que em seis anos, a feira deixou um ambiente provinciano, para ser uma feira verdadeiramente representativa.

Essa mudança tem muito a ver com outra marca de grandes feiras, que são as seções paralelas: mostras com curadoria, debates, eventos, livros de artista.

Nesta edição, ARTBO possui uma exposição que realmente tem caráter museológico, “Referentes”, a cargo da colombiana Sylvia Suárez, que aborda a produção de gravura, do fim da Segunda Guerra à queda do muro de Berlim, especialmente na Colômbia. Retratando questões que transitam entre a violência do narcotráfico às questões de gêneros, artistas como a peruana Tereza Burga, o mexicano Ulises Carrión e os colombianos Miguel Angel Rojas e Beatriz Gonzalez, estão entre os selecionados. Sem dúvida, este foi o ponto alto da feira, ao abarcar uma exposição complexa e com tantos artistas.

Já a seção de debates, denominada Relaciones Publicas, esteve a cargo de ninguém menos que o artista mexicano Pablo Helguera, reconhecido por sua série Artoons, onde ironiza o circuito das artes em imagens. Entre seus convidados, estiveram a artista cubana Coco Fusco, o curador mexicano Cuauhtémoc Medina, e a curadora venezuelana Gabriela Rangel.

Outra seção de grande visibilidade foi curada pela brasileira Kiki Mazzucchelli, Contra el Olvido (Contra o Esquecimento), composta por 15 artistas, que tratam de questões atuais como a falta de escuta marcada frente ao retrocesso mundial de conquistas sociais. Lá, estava a brasileira Rosana Paulina, das poucas artistas do país a abordar a violência contra os negros. Nesta seção também estavam gravuras do argentino Marcelo Brodsky, que retratam movimentos sociais em várias partes do mundo, da França aos Estados Unidos, incluindo aí o Brasil.

Além do próprio fortalecimento da feira, a cena de arte da capital colombiana vive um período positivo, com excelentes mostras em espaços institucionais, como a retrospectiva dos cubanos Los Cubanos, no Museo del Banco de la Republica, além de uma exposição especial da dupla no espaço NC-arte; e uma excelente mostra no espaço universitário Claustro de San Agustin, intitulada Selva Cosmopolita Reunida, com trabalhos que tratam da floresta amazônica, dos desenhos poéticos de Abel Rodriguez, presente na recente documenta 14, em Kassel, à política videoinstalação Selva Juridica, de Ursula Biemann e Paulo Tavares, vista na última Bienal de São Paulo, Incerteza Viva.

Espaços alternativos, como FLORA ars + natura, de Jose Roca, também mostraram sua vitalidade, com uma recente expansão, possibilitando mais de uma dezena de residências artísticas no local, todas ocupadas durante a feira.

Tudo isso levou à Bogota grande número de colecionadores latino-americanos, incluindo aí um grupo de brasileiros. É uma sinergia que leva as feiras a se tornarem espaços de irradiação, que vão muito além do mercado.

O jornalista Fabio Cypriano viajou a convite da organização de ARTBO

Tarsila do Amaral é tema de retrospectiva no MoMA

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Uma das artistas brasileiras mais consagradas mundialmente, Tarsila do Amaral é tema de grande exposição no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA).

A partir do dia 11 de fevereiro até o dia 3 de junho, os 120 trabalhos serão expostos na primeira individual da modernista no MoMA.

Reunidas em acervos da Europa, da América Latina e dos Estados Unidos, obras indispensáveis de Tarsila, como Antropofagia e Abaporu, fazem parte da mostra, que também apresenta fotografias, desenhos, documentos históricos e rascunhos.

Com curadoria de Luis Pérez-Oramas, do MoMA, e Stephanie D’Alessandro, do Art Institute of Chicago, onde foi primeiramente apresentada, a exibição salienta a produção da artista entre as décadas de 1920 e 1930.

Quanto mais próximo do centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, mais Tarsila fica em evidência. Também está prevista para este ano a gravação de um filme, parceria entre Brasil e Inglaterra, sobre a vida da artista. A atriz francesa Marion Cotillard é a mais cotada para viver a pintora no cinema.

Leia análise da obra de Tarsila do Amaral publicada pelo historiador e crítico de arte Francisco Alambert na edição 9, de julho de 2011, da revista ARTE!Brasileiros:

Tarsila e o Brasil dos Modernistas

Por Francisco Alambert*

“Uma obra não fica tão somente porque reflete a sensibilidade de seu momento histórico. Mas fica ainda menos se não a reflete”, escreveu certa vez Sérgio Milliet, o primeiro crítico de arte moderna brasileira e também o primeiro grande intérprete de Tarsila do Amaral. A frase serve perfeitamente para a artista, que refletiu (tanto no sentido do espelhamento, quanto no sentido do pensamento) o seu tempo, o primeiro modernismo brasileiro, em sua busca de uma forma moderna e original – com todas as suas conquistas e ambiguidades.

Na obra de Tarsila, parte dela agora exposta na Casa Fiat de Cultura, em Minas, especialmente em seus desenhos se define uma das marcas visíveis da abstração própria ao modernismo brasileiro: uma adaptação da linguagem vanguardista a um quê de naturalismo e primitivismo afetadamente local. É daí que se constrói o vocabulário “pau-brasil” e a arte “antropófaga”, com suas linhas largas e sinuosas inspiradas no movimento da natureza brasileira e nas formas populares que, como o traço arquitetônico de Niemeyer, será o que melhor representa uma certa visualidade brasileira moderna.

Essa arte generosa e arrojada é tão ambígua quanto o próprio processo modernizador do Brasil. Se há integralmente uma arte que remete à memória da infância e à sua liberdade de imaginação, há também um sentimento arraigado do mundo agrário e pré-industrial, próprio a uma elite que via seu mundo desaparecer, mas ainda assim seu poder se perpetuar.

É na força dessas contradições, em seu reconhecimento explícito ou inconsciente, que reside a grandeza do modernismo brasileiro e da obra de Tarsila em particular, essa mulher que foi tudo: aristocrata latifundiária, rentista, coquete parisiense, aluna aplicada de Léger, comunista, escandalosa companheira de Oswald de Andrade, esposa de um homem muito mais jovem do que ela, cronista delicada etc.

Acredito que a tela A Negra (1923) seja seu trabalho mais emblemático, certamente um dos pontos altos do primeiro modernismo. Trata-se do mais antiacadêmico de seus quadros, pois, pela primeira vez, se confronta a forma imperial da pintura acadêmica em sua representação conivente com a escravidão. A negra que está no quadro é, antes, um imenso campo monocromático, uma potência feminina sedutora, maternal e ao mesmo tempo inerte e passiva, posta à frente de um fundo geométrico que ela ignora. Uma simultaneidade, porém apresentada em dois planos.

O peso simbólico e a presença do olhar da negra escrava, de pés acolhidos pelo chão da terra – que nos vê e nos revela ao revelar-se – se replica na mais famosa e polêmica tela de Tarsila, o Abaporu (1928), na qual o fundo geométrico desaparece, dando lugar a um colorido quente e muito particular, que será ainda mais forte em Sol Poente (tela de 1929, para a qual cabe perfeitamente a definição de Drummond: “o amarelo vivo, o rosa violáceo, o azul pureza, o verde cantante”). Em Antropofagia (1929) tudo isso se reúne: o seio desnudo da negra e os pés fortemente ligados à terra do ser brasileiro de cabeça pequena – mas iluminado pelo sol e por cores cantantes – se entrecruzam na figura síntese do otimismo nacionalista e crítico do primeiro modernismo.

Apenas essas invenções bastariam para se entender Tarsila como uma força significante de nossas utopias mais generosas e também de nossos horrores atávicos. Talvez por isso suas obras se perpetuem como referências para o presente.

No final dos anos 1990, Carmela Gross elaborou uma espécie de escultura ou instalação que chamou também de A Negra. Composta por camadas de véus pretos, instalada sobre rodas, essa figura gigante e sem rosto foi colocada para andar, como o negativo de um fantasma de histórias infantis, pela avenida Paulista – o berço dos antigos palacetes dos ricos do império e atual passarela do império do capital.
Mais recentemente, quando a primeira mulher (branca) foi eleita presidente do Brasil, o artista Gustavo Rosa resolveu colocar o rosto da presidente em uma réplica do Abaporu. Tarsila ainda vive no nosso tempo, para o bem e para o mal.

Historiador e crítico de arte. Texto originalmente publicado na edição 9 da revista ARTE!Brasileiros

 

Garaicoa: ahora juguemos para no desaparecer

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Poucas horas depois de chegar em São Paulo, Carlos Garaicoa foi caminhar pelos Campos Elíseos, na zona central. Apesar de visitar a cidade já há 20 anos, era como se nunca estivesse estado por aqui. Nesta região, marcada por algumas das principais tensões sociais da capital paulistana, o artista cubano monta sua primeira individual do ano, no Espaço Cultural Porto Seguro. “Quando se trabalha em uma cidade diferente, muitas vezes o tempo é limitado e estranho. Os artistas, no mundo da arte, ficam atrapalhados com uma ideia um pouco falsa da cidade, distante da realidade. Estou gostando de poder trabalhar aqui”, ele diz. A mostra Ser Urbano, com curadoria do também cubano Rodolfo de Athayde, destaca a produção mais recente de Garaicoa por meio de desenhos, fotografias, maquetes e instalações realizadas nos últimos dez anos.

Desde suas primeiras obras, o artista reflete sobre movimentos de construção e desmanche dos tecidos urbanos. As noções de memória, ruína, poder e utopia que herda de sua Havana natal estão presentes, por exemplo, naquele que talvez seja o trabalho mais conhecido de Garaicoa no Brasil, Ahora Juguemos a Desaparecer II (2002), uma miniatura de cidade feita com velas em constante reposição instalada no Instituto Inhotim. O conjunto de obras apresentadas agora, ainda que concebidas sob um contexto europeu para cidades como Lisboa e Turim, dialogam diretamente com a situação socioeconômica de São Paulo e, sobretudo, brasileira. Afinal, o entorno dos Campos Elíseos sofre com a especulação imobiliária advinda de ações gentrificadoras como a construção do complexo Nova Luz, as indefinições sobre um possível parque Minhocão e a expulsão mal-sucedida e criminosa da população da cracolândia. “É evidente que a arte de Carlos não é descompromissada. Ela se torna mais complexa, com outras camadas, por não apontar apenas os problemas do autoritarismo político mas também como o mercado financeiro e sua agenda econômica impõem controle social e violências tão catastróficas quanto” afirma o curador.

Em Saving the Safe (2017), o artista guarda uma escultura do Banco Central do Brasil feita de ouro em um cofre – metáfora sobre como as instituições financeiras, pela própria acumulação de riqueza e controle das economias, provocam crises que asseguram seu poder sobre as pessoas e as cidades. Outras obras articulam exercícios de linguagem mais amplos, como na subversão que o artista faz do Haus der Kunst, icônico edifício neoclássico de Munique construído durante o regime nazista para abrigar a “verdadeira” arte. Garaicoa cria uma maquete antítese do original feita de metal e vidro translúcido, esvaziando a lógica autoritária de Hitler ao utilizar os materiais da arquitetura moderna, inclusive da Bauhaus. Operando poéticas que partem de molduras urbanas distintas, são trabalhos que abrem um arco de relações possíveis entre arte e política na dinâmica contemporânea que fogem de uma convocação imediatista ao ativismo. “Eu venho de um país onde sempre fomos perguntados por um posicionamento político preciso, uma definição que de tão obrigatória tende a não ser uma resposta verdadeira. Me interesso por elaborar ideias com uma densidade semântica que não apenas comentem contextos locais, mas que tratem de questões mais amplas, incluindo a própria linguagem. Posso estar completamente equivocado ou no lugar certo, mas é o risco da arte”, afirma.

Outras grandes instalações revelam aspectos singulares da pesquisa do Garaicoa, como seu empenho em títulos expressivos e o apuro de feitura e montagem dos trabalhos. A obra Fin del Silencio (2010), a única da mostra já vista por aqui, dispõe sobre um chão escuro um conjunto de tapeçarias confeccionadas a partir de fotografias das calçadas de Havana. Cada tapete contém um tipo de assinatura, textual ou gráfica de estabelecimentos comerciais pré-revolução, que é modificada pelo artista. Uma fotografia de La lucha, por exemplo, torna-se um tapete La lucha es de todos. Outras peças criam palavras com base na tipografia original ou guardam as características do instante fotográfico – como a sombra de um transeunte e de um poste sobre a frase El pensamiento. Ao caminhar pela sala, o visitante é levado a um espaço público fantasioso e subversivo. Na instalação Partitura (2017), uma orquestra é elaborada a partir de gravações de músicos de rua entre Bilbao e Madrid. O trabalho foi esboçado quando Garaicoa viveu quase um ano no Rio de Janeiro, em 2006. Cada pedestal da orquestra contém a execução de um instrumento em tablets com fones de ouvido, acompanhados de partituras imaginárias. No centro, o lugar do regente é substituído por telas que animam todos os rabiscos e caixas que ressoam a composição em seu todo.

É precioso notar como o espaço e o tempo são alargados pelo cubano tanto pelos longos períodos de produção de uma obra quanto por seus resultados plásticos em si. Segundo Athayde, a metodologia de Garaicoa é bastante específica. “Ele está o tempo todo gerando ideias em um monte de cadernos que envelhecem bem ao longo dos anos, vão ganhando força e maturidade. Além disso, há um aspecto de arte conceitual, com um rigor que o faz encarar o tutano das propostas”.

Aos 50 anos e com uma trajetória consolidada no panorama internacional – ele realiza em média seis exposições individuais por ano em países diferentes -, Garaicoa também é fundador da residência artística Artista X Artista, onde pode mergulhar na produção dos mais jovens e escapar do papel central que o mercado possui no sistema de arte atual. “Historicamente, o modo de fazer arte é dedicando tempo e hoje muitos artistas jovens pensam primeiro no valor comercial de sua obra, qual galeria falará por eles ou estão se esforçando para criar obras de um dia para o outro. Quando você se torna um artista profissional, você não é mais livre”, comenta. “Tudo o que fiz com o que ganhei nestes anos foi tentar conquistar mais tempo para a criação”. Nesta altura da conversa, o curador emenda: “Carlos é que nem um navio quebra-gelo, que vai abrindo brecha para ele e outros artistas superarem relações simplistas do mercado e criar pensamentos mais complexos”.

Volpi encanta o público na Europa

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elas ruas de cidades do noroeste da Itália e do litoral sudeste da França, é possível encontrar anúncios com imagens de obras de Alfredo Volpi, o italiano que aos dois anos de idade foi morar no Cambuci, bairro tradicional de São Paulo, em 1898. A publicidade chama a atenção das pessoas para a exposição Alfredo Volpi – La Poétique de la couleur (A poética da cor), que está em cartaz na cidade-estado de Mônaco até 20 de maio. Aberta no Nouveau Musée National de Monaco, desde o dia 9 de fevereiro, a mostra com aproximadamente 70 trabalhos do artista, produzidos entre 1940 e 1970, tem deixado o público deslumbrado.

Com pouca difusão fora do Brasil e da América Latina, pode-se dizer que Volpi ainda está sendo “descoberto” na Europa. Isso explica a surpresa, seguida de encanto, que suas famosas organizações de bandeirinhas em têmpera, dentre outras várias expressões, têm causado no público local. Lá fora, está sendo considerado “o artista brasileiro mais amado do século XX” e também tem sido chamado por veículos especializados em arte de “herói” e “orgulho” brasileiro. Essa característica difusória da exposição em Mônaco é considerada “educativa” pelo diretor do Insituto Volpi, Pedro Mastrobuono.

Alfredo Volpi, Sem título: Fachada marrom, terra, lilás, vermelho, verde, fim da década de 1970. (foto: Divulgação)

Apesar de obras suas terem sido expostas na Bienal de Veneza de 1962 e em galerias europeias, é a primeira vez que uma exposição individual do artista acontece em uma insitutição pública fora do Brasil. Isso graças a um grande esforço que o Instituto Alfredo Volpi de Arte Moderna tem feito, e também pelo apoio da Galeria Almeida e Dale.

O impacto positivo causado pelas obras de Volpi já atingiu grandes colecionadores e também a realeza monegasca. A princesa Caroline de Hanover, que abriu a exposição, pontuou em entrevistas a admiração pelo artista e o encantamento que as obras lhe causaram. O curador Cristiano Raimondi, chefe de Desenvolvimento e Projetos Internacionais do museu, atenta para os sinais de influências que o pintor, autodidata, teve de grandes artistas europeus, como Matisse e Cézanne.

Além da exposição em Mônaco, Volpi também tem algumas de suas obras, selecionadas por Luisa Strina, exibidas na galeria S|2, da Sotheby’s, em Londres. Apesar de não seguir uma escola definida, tem seu trabalho caracterizado lá como um “modernismo exploratório”. Desta forma, sua mostra vem acompanhada também de uma exposição do italiano Bice Lazzari. Além da mostra, que termina em 29 de março, a famosa casa realizará um leilão com trabalhos do artista, de com sessões em 13 de abril e 29 de junho.

Alfredo Volpi MoMA
Algumas das obras de Volpi expostas em Mônaco. Em cima, à esquerda, Fachada com bandeiras e arcos, 1950; à direita, Sem Título,1970. Abaixo, Sem titulo: composicao azul e preta com linhas vermelhas, 1959. (fotos: Divulgação)

 

Ella Cisneros doará peças de sua coleção para governo espanhol

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colecionadora cubana Ella Cisneros comunicou na semana de abertura de ARCOmadrid, que irá doar obras de sua coleção particular para o Ministério da Educação, Cultura e Esporte da Espanha, em uma parceria para que seja criado um espaço para a arte das Américas em Madri. O local escolhido para sediar o que será chamado de The Contemporary Art Collection of the Americas é o segundo andar do edifício Tabacalera, onde ficava uma antiga fábrica de tabaco. O prédio histórico está abandonado desde 2009 e, há mais de uma década, existe um projeto para a criação de um Centro Nacional de Artes Visuais no local.

O anúncio acontece na mesma semana da ARCOmadrid, uma das feiras de arte mais importantes da Europa, na qual participam diversos artistas latino-americanos. Na ARCO, Ella recebeu, na noite de terça-feira (20), o prêmio “A” pela sua coleção. Enquanto não há arrecadação de fundos suficientes para a criação do Centro Nacional de Artes Visuais, o Tabacalera já tem sido usado para abrigar exposições e outras atividades temporárias. Porém, o projeto para que exista um local permanente continua a ser desenvolvido e começará pela revitalização do edifício.

No final de janeiro, Cisneros confirmou o fechamento do espaço permanente de exibições que mantinha em Miami, USA, desde 2006, a Fundação de Arte Cisneros-Fontanals (Cifo). Na ocasião, falou sobre uma transição para um modelo internacional de apresentações. Desta forma, a parceria com o governo espanhol pode ser vista como o começo dessa nova concepção da Cifo. A sede da fundação, porém, continua na cidade estadosunidense.

Assim como parte da coleção de CIFO, outras organizações ao redor do mundo também estão cotadas para assumir espaços no edifício. A gestão desse projeto será compartilhada entre o governo espanhol e uma instituição de artes internacional, cujo nome ainda não foi divulgado.

Além do espaço para exibição de trabalhos latino-americanos, a parceria também valida um pacto para a pesquisa de cultura latino-americana e suas herança artítica. Essa associação também é mais um passo para que a Espanha seja vista como um ponto de ligação entre essa arte a Europa. Em entrevista coletiva, Ella disse que se sente muito feliz porque passou “muito tempo pensando que a coleção precisaria de um lar onde o público pudesse ter acesso a toda essa arte latino-americana” que coleciona há anos e finalizou afirmando que a Espanha é como se fosse seu segundo lar.

Em 2016, a colecionadora participou do ciclo de debates TALKS, promovido pela ARTE!Brasileiros e a SP-Arte. Nele, falou sobre a coleção da Cifo e sobre as artes em Cuba, país onde nasceu.Leia abaixo o texto de Leonor Amarante sobre a colecionadora.

A abertura cubana também na arte

Por Leonor Amarante

Ella Cisneros é uma das grandes colecionadoras de arte da contemporaneidade. De origem cubana, deixou a Ilha ainda menina com a chegada da Revolução e voltou há cerca de três anos. São Paulo e Rio de Janeiro já fazem parte de seu roteiro internacional e é por isso que Ella esteve aqui para participar da edição do TALKS em 2016.

A colecionadora é um caso emblemático de como a arte pode ligar o homem a seu meio. Afinal, Cuba sempre esteve em sua alma. Nestes dias de distensão política, ela tenta encontrar sua voz artística na Ilha. Longe de seu país, reuniu em algumas décadas mais de 2.600 obras para sua Fundação de Arte Cisneros-Fontanals (CIFO), sediada em Miami. Agora, está pronta para ser uma Peggy Guggenheim de Cuba. Tem disposição de sobra para isso. Ella acredita que vai contribuir, e muito, para o desenvolvimento do sistema de arte cubano. “Posso ajudar, entre outras iniciativas, incluindo artistas da Ilha em exposições de qualidade internacional.” Gustavo Pérez Monzón, por exemplo, um expoente da chamada Geração 80 Cubana, já foi contemplado. “Organizamos a mostra Tramas, com 76 obras de Monzón, na CIFO.” Isso depois de a exposição passar pelo Museu Nacional de Belas Artes de Cuba, como parte da 12ª Bienal de Havana, em maio de 2015. Tudo orquestrado por Ella.

Suas simpatias artísticas também se voltam às instituições cubanas. Ella está restaurando o Arquivo Veiga, expressiva coleção de catálogos, documentos e textos sobre os artistas locais. “Estamos em fase de restauração, reorganizando e digitalizando tudo para colocarmos à disposição do público.” A colecionadora também quer participar do projeto El Almacén, que vai transformar um antigo depósito de gasolina em espaço para guardar a coleção do Conselho Nacional de Artes Plásticas (CNAP) e de outras instituições cubanas. Na verdade, espera mudanças nas leis cubanas que colocam limitações para instituições estrangeiras atuarem na Ilha. A arquitetura é assinada pelo francês Jean Nouvel e pelo cubano Pedro de Rodríguez e a inauguração está prevista para 2017.

Se nos fixarmos no conjunto de iniciativas e no estatuto dos empreendimentos gestados pela colecionadora, podemos concluir que Ella Cisneros, além de forte e poderosa, é enigmática. Seu projeto maior, no qual trabalha há vários anos em silêncio, é a megaexposição Goodbye Utopia, com obras de artistas cubanos desde a década de 50 até os dias de hoje. “Vamos levar a mostra aos quatro pontos dos Estados Unidos, em 2017.” O título soa provocativo, mas Ella tem a convicção de que depois da visita do presidente Barak Obama a Cuba haverá mudanças significativas. “A viagem gera segurança ao processo que Obama abriu durante seu mandato e dá continuidade ao projeto de intercâmbio cultural entre os dois países.”

Em sua passagem por São Paulo, no ano passado, comentou que os artistas brasileiros estão hipervalorizados e que o mercado tem variantes. “Uma delas se dá em função da economia mundial, e aí ocorre algo curioso. Antigamente, se havia crise, os preços logo baixavam. Hoje, como os mercados estão loucos, as pessoas procuram onde investir com um pouco de segurança, e a arte se tornou um desses portos seguros.”

A colecionadora compara o mercado de arte brasileiro ao dos Estados Unidos. “Aqui há pouca diversidade. O brasileiro compra artista brasileiro. É muito bonito ver como o mercado se mantém forte internamente, mas isso é reflexo dos altos impostos que são pagos para compras fora do País. Hoje, o real vem baixando, mas os preços continuam em dólares.” Ella comenta que isso afeta, sobretudo, os artistas emergentes, “pois no Brasil os novos custam o triplo do que valem iniciantes no exterior”. Ainda sugere que os colecionadores locais deveriam pressionar para a revisão dos valores. “Alguns mantêm parte das obras em suas casas em Nova York e é importante que possam emprestar às instituições brasileiras, para que todos possam vê-las.”

Obra sobre presos políticos é censurada na ARCOmadrid

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A Feira Internacional de Arte Contemporânea ARCO, realizada em Madrid, foi aberta para a imprensa nesta quarta-feira (21) e já gerou uma grande polêmica. A Instituição de Feiras de Madrid (Ifema), organização realizadora de feiras (incluindo a ARCO) na capital espanhola, solicitou à galeria responsável que a obra Presos Políticos, do artista madrilenho Santiago Sierra, fosse retirada de seu estande, alegando que ela poderia ser motivo de controvérsias.

Presos Políticos é um trabalho que reúne 24 fotografias de pessoas que foram presas por motivos relacionados à política. Os rostos estão pixelados e não existe identificação das pessoas retratadas. Apesar disso, no rodapé das imagens, estão escritas as causas pelas quais cada uma foi encarceirada.

Desta forma, é possível reconhecer figuras que recentemente esquentaram o levante pela independência da Catalunha, como Oriol Junqueras, presidente do partido Esquerda Republicana de Catalunia, e os líderes da Assembleia Nacional Catalã, Jordi Cuixart e Jordi Sánchez. Além da remoção da obra, a feira suspendeu uma conversa com o artista, que aconteceria no sábado (24), sobre os presos políticos na Espanha contemporânea. Santiago Sierra é representado pela galeria Helga de Alvear, sediada na própria Madrid e uma das mais importantes da Europa. A marchande, homônima da galeria, é inclusive uma das idealizadoras da ARCO.

Após saber que a obra teria sito vetada, o artista se pronunciou em seu perfil no Facebook, apontando a falta de respeito da intituição com a galerista Helga de Alvear. Sierra também escreveu que a atitude da Ifema prejudica a imagem da ARCO e também do Estado espanhol. “Acreditamos que ações deste tipo dão sentido e razão a uma peça como essa, que precisamente denunciava o clima de perseguição que nós, trabalhadores culturais, estamos sofrendo nos últimos tempos”, finalizou.

Apesar de possuir um comitê que faz a curadoria das galerias e obras que serão apresentadas, a ARCO permitiu que a obra fosse montada pela galeria e, poucas horas após a abertura, demandou que fosse recolhida, sob a justificativa de que, segundo nota da Ifema, os debates que a exibição da obra estava causando na imprensa estaria prejudicando a imagem da feira, da qual quinze galerias brasileiras participam. O que se fala entre a imprensa e o público, porém, é que teria sido uma decisão política, com pressão do governo espanhol, que tem influência sobre a Ifema. À imprensa, a galerista Helga de Alvear declarou que “alguém não deve estar querendo confusão com a Catalunha” (“Supongo que alguien no quiere tener jaleo con Cataluña”).

Com todo o escândalo em torno do episódio, a obra de Sierra, considerado um “artista difícil de ser vendido”, teve uma grande difusão e acabou sendo comprada por um colecionador espanhol, por intermédio de uma galeria catalã.

O preço final da transação foi de 96.000 euros, aproximadamente 385.300 reais.

Brasil na ARCO

Dentre as galerias selecionadas para apresentar obras na feira em Madrid, estão quatorze brasileiras, divididas entre Programa Geral, Opening e diálogos.

Apoiadas pelo projeto Latitude, são elas: A Gentil Carioca (com o coletivo de artistas OPAVIVARÁ!), Anita Schwartz (com Daniella Antonelli, Bruno Vilela e Rodrigo Braga), Athena (com Débora Bolsoni, Laura Belém, Rodrigo Bivar e Vanderlei Lopes), Baró (com Maria Lynch, Felipe Ehrenberg, Mônica Nador, Rasheed Arlen, David Medalla, Pablo Reinoso, Iván Navarro, Paulo Nenflídio, Túlio Pinto e Lourival Cuquinha), Casa Triângulo (com Albano Afonso, Alex Cerveny, Ascânio MMM, assume vivid astro focus, Eduardo Berliner, Guillermo Mora, Ivan Grilo, Joana Vasconcelos,  Lucas Simões, Marcia Xavier, Mariana Palma, Max Gómez Canle, Nino Cais, Sandra Cinto e Vânia Mignone), Fortes, D’Aloia & Gabriel (com Armando Andrade Tudela e Tamar Guimarães & Kasper Akhoej), Galeria Jaqueline Martins (com André Parente e Diango Hernández), Galeria Marilia Razuk (com Alexandre Canonico, Johana Calle, Marlon de Azambuja e Vanderlei Lopes), Galeria Nara Roesler (com Eduardo Navarro), Galeria Raquel Arnaud (com Carla Chaim, Célia Euvaldo, Frida Baranek, Sérgio Camargo e Waltercio Caldas), Luciana Brito Galeria (com Pablo Lobato, Liliana Porter e Héctor Zamora), Vermelho (com Ivan Argote e Dora Longo Bahia), Galeria Luisa Strina (com Juan Araújo e Carlos Garaicoa) e Galeria Cavalo (com Marina Weffort e Pablo Pijnappel).

A Fortes, D’Aloia & Gabriel também tem os artistas Rivane Neuenschwander, Jac Leirner e Ernesto Neto em uma coletiva intitulada Visiones de la tierra / El mundo planeado, na Sala de Arte Santander.

Olá, mundo!

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