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Estudantes negros enfrentam o racismo de professores e colegas em universidades

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Arte de Junião, da Ponte.org

Por Giorgia Cavicchioli e Matheus Moreira, especial para Ponte

A estudante negra, que prefere não ser identificada, conta que, quando passou em publicidade e propaganda na Faculdade Cásper Líbero, na cidade de São Paulo, esperava se deparar com algum episódio racista quando pisasse naquele espaço — que, até poucos anos, era quase que exclusivamente branco, como todo o ensino superior do Brasil. “Por ser uma faculdade elitista, eu imaginei que sofreria algo”, diz. O que ela não esperava é que o racismo partisse de uma professora.

Durante uma aula, em 22 de março, folheando o álbum da Copa do Mundo de uma aluna, a professora comentou que na Croácia “só tem gente bonita” e, diante das imagens da seleção da Nigéria, disse que “queria saber como esse aqui faz pra pentear o cabelo, deve ser um ninho”, segundo o relato de alunos. No final da aula, a aluna e seus colegas procuraram a professora para questionar essa e outras falas dela que consideravam discriminatórias. Durante a conversa, a professora negou que fosse racista, disse que não havia racismo no Brasil (“tem até um outro negro na Cásper”) e ainda pôs a mão no cabelo da jovem, alegando “curiosidade”.

O episódio foi levado à direção da Cásper Líbero pelo coletivo de alunos Africásper. Nesta semana, a faculdade demitiu a professora, que não teve o nome divulgado. “Após analisar os apontamentos relatados pelo corpo discente e ouvir as partes envolvidas, a Faculdade Cásper Líbero optou pelo desligamento do docente por uso de expressões e atitudes inadequadas. A Faculdade reforça que repudia qualquer atitude de conotação discriminatória e preconceituosa, seja no espaço público ou privado”, afirmou a direção da faculdade, em nota divulgada nesta quinta-feira (26/4).

‘Um lugar que não é seu’

Episódios como esse têm se mostrado comuns no ambiente universitário, revelando o racismo dos mais escolarizados. Segundo dados obtidos pelo G1 junto à Secretaria Estadual da Segurança Pública de São Paulo, o estado registrou, entre 2016 e 2017, um caso de injúria racial em instituições de ensino a cada cinco dias.

O problema demora a ser percebido porque “parte da população entende que isso não deveria acontecer, porque o universo é composto por pessoas de nível de escolaridade mais elevado”, segundo Jefferson Mariano, doutor em desenvolvimento econômico, analista socioeconômico do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), professor universitário e homem negro.

Porém, com o ingresso de mais jovens negros nas universidades e faculdades — de acordo com o Ministério da Educação, desde que a política de cotas virou lei, em 2012, 150 mil estudantes negros ingressaram em entidades de ensino superior no País entre 2013 e 2015 —, a busca dos brancos por defenderem privilégios de raça se torna mais explícito. Na cabeça de muitas pessoas, segundo Mariano, “o negro passa a ocupar um lugar que não é seu”.

Mariano lembra que, no início da carreira, enfrentou casos explícitos de preconceito.  “Lecionei no interior de São Paulo em cursos de Administração e já cheguei ouvir afirmações racistas de alunos, foi uma situação bastante complicada. Em turmas de economia,  muitos alunos achavam que não havia o menor sentido discutir inserção do negro no mercado de trabalho, por exemplo”, conta. “No meu mestrado tive um problema sério. No fim do curso, uma das minhas notas sumiu.  O professor errou, mas foi à secretaria questionar a minha índole. A minha sorte é que a secretária localizou meus trabalhos nos arquivos. O professor não se desculpou.”

Comentários racistas feitos pelo aluno Gustavo Metropolo, da FGV (à direita) | Foto: reprodução
Comentários racistas feitos pelo aluno Gustavo Metropolo, da FGV (à direita) | Foto: reprodução

 

Ainda assim, os ataques racistas no ensino superior são apenas mais um dos vários obstáculos enfrentados por quem, para chegar ali, teve que matar vários leões pelo caminho. “O fato de um menino negro conseguir completar o ciclo do ensino fundamental é um ato heroico”, afirma o professor, para quem “o negro fica sempre com a sensação de que está no lugar errado”. De acordo com estudo do IBGE, realizado em 2015, a porcentagem de jovens negros entre 18 e 24 anos que chegaram até a universidade era 12,8%. Entre brancos na mesma faixa etária a porcentagem é de 26,5%. Números que mostram, portanto, que o acesso de negros ao ensino superior ainda é abaixo da média.

Para um estudante negro chegar ao ensino superior, ele precisa, primeiro, sobreviver emocionalmente às outras etapas do ensino. “O negro sente o racismo na sua vida escolar desde o primeiro dia de aula. Já comentei que o pior lugar para um negro estar, aos sete anos de idade, é na escola. Não há lugar mais hostil”, afirma o pesquisador, que hoje leciona na Faculdade Cásper Líbero e na Saint Paul Escola de Negócios.

‘Racistas vão ter que pagar’

“Achei esse escravo no fumódromo! Quem for o dono, avisa!”, disse um aluno branco, Gustavo Metropolo, estudante da FGV (Faculdade Getúlio Vargas) ao se referir a um colega negro. A frase foi compartilhada em um grupo do WhatsApp com uma foto de João Gilberto Lima. O estudante soube do ocorrido por parte da própria coordenação do curso de administração pública, do qual faz parte. Ao saber o que tinha acontecido, João registrou boletim de ocorrência no 4º DP (Consolação), por injúria racial.

Segundo João, ele sabia desde o princípio que tinha que denunciar o caso formalmente. “Fiquei chocado com o que tinha acontecido, mas o meu maior sentimento foi o de indignação por aquilo estar acontecendo no ambiente da FGV”, afirmou o estudante à Ponte. O agressor foi suspenso por três meses da universidade pela comissão de ética. Atualmente, a congregação da instituição analisa se dará outras punições.

João Gilberto Lima, aluno da FGV | Foto: arquivo pessoal
João Gilberto Lima, aluno da FGV | Foto: arquivo pessoal

Segundo João, ele já tinha sofrido outros casos de racismo na vida, mas que nada tinha sido parecido com o que sofreu na universidade. Para ele, é preciso que as pessoas que sofrem com o racismo “tenham a coragem de denunciar”. “Eu não tenho a utopia de achar que as pessoas vão deixar de ser racistas. Eu não vou mudar a cabeça das pessoas nem o que elas pensam, mas a partir do momento que elas externalizarem isso, elas vão ter que pagar por isso conforme está previsto na lei”, conclui.

O racismo à brasileira vem muitas vezes disfarçado de brincadeira. “Aqui no Brasil, as pessoas ofendem a dignidade da população negra dizendo que se trata de piada, mas isso se trata de racismo”, analisa o professor Tiago Vinícius dos Santos, doutor em direitos humanos pela USP (Universidade de São Paulo).

Para que casos de racismo sejam investigados dentro da academia, o professor afirma que é preciso criar um órgão responsável para apurar denúncias. “É fundamental criar um centro de diversidade ou um departamento das universidades”, afirma. Sobre estudantes vítima de racismo, Santos afirma que é preciso que os alunos façam uma denúncia no campo institucional e também nas delegacias. Dessa forma, ele afirma que as denúncias não irão só penalizar aquele que praticou alguma ofensa, mas também irão servir como objeto de reflexão para as instituições.

‘Odeio pretos e pardos’

O que não faltam são instituições acadêmicas precisando refletir sobre seu papel. Em março, um professor do IFSP (Instituto Federal de São Paulo) publicou nas redes sociais um texto, que mais tarde classificaria como mal compreendido, em que proferia uma série de ofensas e concluía: “Odeio pretos e pardos”. Alunos do instituto fizeram a denúncia à diretoria e à reitoria do Instituto e organizaram pelo menos duas manifestações para cobrar a exoneração de José Guilherme de Almeida, que lecionava no curso de Geografia. O Instituto emitiu nota afirmando repúdio ao racismo e prometendo apurar o caso.

Professor apagou perfil nas redes sociais após a publicação | Foto: divulgação/IFSP e reprodução/Facebook
Professor apagou perfil nas redes sociais após a publicação | Foto: divulgação/IFSP e reprodução/Facebook

Dois estudantes da instituição relataram perseguições. José Guilherme teria reprovado Christopher de Lima Machado e Fábio Santos Souza em duas disciplinas apesar de ambos os estudantes terem notas suficientes para passar de ano. De acordo com Christopher, “ele faz questão de falar que os bandidos periféricos roubaram todos os Iphones que ele já teve”.

“Tive aulas com ele e é torturante”, diz Fábio. “Ele não aceita confronto de alunos contra as coisas que ele falava em aula. Sempre que havia confronto em sala de aula, os alunos negros sofriam represálias, mesmo que entre os envolvidos também tivessem brancos”, afirma. A Ponte tentou entrar em contato com o professor para que ele se posicionasse sobre os casos e as acusações, mas ele não respondeu às tentativas da reportagem.

Não é fácil para as instituições de ensino superior entenderem as questões relacionadas ao racismo. Em junho de 2017, a estudante de jornalismo Thamires Menezes ouviu de um professor da Universidade Tiradentes (Unit), em Aracaju (SE), que ela não poderia ser âncora de jornal por conta do cabelo afro, estilo black power, que ela usava na época. Thamires denunciou o caso, mas afirma que colegas, professores e direção da universidade começaram a ver a vítima como culpada. O acontecimento levou a aluna a abandonar o curso.

“Ainda estudei durante o período passado, fazendo meus trabalhos sozinha, mas vi que estava pagando faculdade em vão. O professor continua lá, a coordenadora também. O caso no Ministério Público foi arquivado e minha advogada sumiu. O processo nunca aconteceu e pronto. Fui lá tranquei o curso. O pior foi sair do estágio. Eu amava trabalhar lá”, lamenta.

Thamires Menezes e o cabelo que “não servia” para o telejornalismo | Foto: arquivo pessoal
Thamires Menezes e o cabelo que “não servia” para o telejornalismo | Foto: arquivo pessoal

Agora, a estudante mudou de estado para terminar o curso. Há três meses, ela foi para Salvador e afirma que pretende voltar aos estudos no próximo período. Mesmo com o sofrimento que passou, ela afirma que encara tudo como um “novo desafio”.

Sobre o episódio, a Unit afirma que não houve racismo. “O ocorrido se deu em uma dinâmica comum de sala de aula, quando os alunos e professor discutiam sobre resumos da área de Comunicação que abordam acerca da postura do profissional em bancadas de telejornais, sem expressar qualquer opinião pessoal sobre a matéria. (…) Portanto, ficou constatada a inexistência de qualquer manifestação depreciativa, forma de discriminação ou preconceito, por qualquer motivo (sexo, idade, cor, preferências, convicções, etc.) por parte do professor em relação a aluna em questão”, afirma a universidade em nota. A Unit diz que “os fatos foram apurados internamente (pelos setores de Ouvidoria, que registra as reclamações, e Comissão de Ética, que atua na apuração das denúncias envolvendo docentes e discentes), pela autoridade policial de Sergipe e outros órgãos estatais, no âmbito de suas competências processuais”, sem que o crime fosse constatado.

Luta e vitória

Para Larissa Mendes, aluna da Escola Politécnica, unidade da USP que em 121 anos de existência formouapenas sete mulheres negras, o preconceito se manifestou de formas menos diretas. “Dentro da Poli o racismo se dá quase que da mesma forma que o Brasil como um todo: ninguém é diretamente racista”, conta. “Eu nunca ouvi nenhum comentário evidentemente racista, mas, sempre que eu descia do circular na Poli, as pessoas iam me empurrando, porque na cabeça delas eu não faço parte do perfil de pessoas que desce no ponto de ônibus da maior faculdade de engenharia do país.”

Larissa faz parte da Poli Negra, coletivo que impulsionou a discussão sobre cotas na faculdade, obrigando os alunos de lá a enxergarem que havia uma questão racial a ser debatida. “Até então, por mais que um ou outro aluno pobre e negro falasse alguma coisa, as pessoas achavam normal olhar pros lados e só ver gente igual a eles: brancos, ricos, vindos de bons colégios”, diz. Realizando diversas reuniões com os centros acadêmicos, a Poli Negra conseguiu impulsionar um plebiscito que, em 2017, apontou que 70% dos alunos apoiavam as cotas. No mesmo ano, quando o Conselho Universitário da USP aprovou a implantação de cotas sociais e raciais. “Foi uma vitória imensa”, conclui.

Tropicália em régua e compasso

O artista gráfico e músico baiano Rogério Duarte em retrato não creditado do início dos anos 1960. Foto: arquivo pessoal.

Um retrato multifacetado do artista gráfico, poeta e compositor Rogério Duarte. É o que revela a mostra Marginália I, em cartaz até 26 de agosto no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-RJ). Composto por 70 itens, entre pôsteres cinematográficos, capas de discos e livros, poemas, cartazes, fotografias e documentos pessoais, o mosaico diverso e multicolorido reunido no MAM atesta o quanto, a partir da segunda metade do século 20, a trajetória de Rogério tornou-se indissociável de alguns capítulos históricos para a cultura do País. Não por acaso, estão na mostra peças emblemáticas, como o cartaz do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, obra-prima do Cinema Novo de Glauber Rocha, lançado em 1964, e capas de obras fonográficas divisoras, como os álbuns homônimos lançados por Caetano Veloso (1967) e Gilberto Gil (1968), dois embriões do tropicalismo enquanto gênero musical.

Unanimidades à parte, Marginália I é também um convite ao público para ir além do usual fetiche estético desses trabalhos consagrados. A mostra, que também contempla a publicação de um livro de mesmo nome (Editora MAM-RJ), amplia a compreensão sobre o artista e permite ao público fazer uma leitura mais diversa do que foi a tropicália. O movimento, circunscrito por muitos como mero fenômeno musical e não como uma ação coletiva, aglutinou outras frentes culturais para capitular uma série de convenções e estatutos que foram derrubados com a adesão e interlocução de outros grandes personagens, como o artista plástico Hélio Oiticica, o dramaturgo José Celso Martinez Corrêa, o poeta Waly Salomão e o romancista José Agrippino de Paula.

Com curadoria do designer gráfico alemão Manoel Raeder e colaboração do músico Diogo Duarte, que é filho de Rogério, Marginália I traz à tona registros esquecidos, como o material gráfico de Apocalipopótese, evento multimídia realizado pelo baiano na área externa do MAM carioca em 1968, e trabalhos que revelam outros interesses do artista, entre eles a estrutura metálica Musicúpula, espécie de teia geodésica que acolherá, em 12 de agosto, uma jam session com canções e temas instrumentais compostos por Rogério – aos 13 anos, ele descobriu a paixão pela música ao decifrar os acordes de um cavaquinho e, aos 17, tornou-se devoto das seis cordas do violão, com o qual compôs mais de 300 peças musicais.

Aos 76 anos, Rogério Duarte reside em Salvador. Com a saúde debilitada, ele preferiu não comparecer à abertura da mostra, realizada no final de junho passado. No entanto, pretende participar da jam session conduzida pelo filho Diogo, que deve reunir amigos de sua geração e antecederá o encerramento de Marginália I. Mesmo recluso, por ocasião da mostra, Rogério gentilmente falou à Brasileiros. Em princípio, as respostas ao roteiro de perguntas enviado ao mestre baiano seriam entregues por e-mail, mas chegaram à redação por meio de um arquivo de áudio em formato MP3, com o registro de sua voz grave e pausada. Entre outros temas, discorridos com extrema lucidez, Rogério também se opôs às interpretações rasas do tropicalismo. “Eu considero que essa é mais uma história mal contada da cultura brasileira. Houve vários tropicalismos e posso até ter sido um dos mentores do movimento, mas eu era muito mais engajado em sua totalidade, que incluía a música, a literatura, o cinema e outras coisas mais.”

O bode de Rogério com essa visão estreita disseminada, sobretudo com o culto tardio ao movimento na Europa e nos Estados Unidos, ganha tom enfático quando ele responde sobre como reagiu ao chamado “enterro da tropicália”, ato simbólico interpretado pelos amigos Caetano Veloso e Gilberto Gil no último episódio do programa Divino, Maravilhoso, apresentado pelos conterrâneos na extinta TV Tupi em 27 de dezembro de 1968, 14 dias após o decreto do AI-5. “Não tenho nada a ver com o parto ou com o enterro desse tropicalismo da mídia musical representado por Caetano e Gil. Eu estava no Rio de Janeiro (o programa era gravado na sede paulista da emissora) e nem soube do enterro. Muito tempo depois é que fui saber dessa atitude de ambos.”

Mas engana-se quem enxerga nesse depoimento um ranço do artista gráfico com relação a seus pares de movimento. Ao tratar da recente polêmica que envolve a apresentação da dupla baiana em Israel, prevista para acontecer em Tel Aviv no dia 28 deste mês de julho, e que tem sido alvo de insistentes pedidos de boicote em defesa da Palestina, Rogério desconversa e sai em defesa das liberdades individuais dos velhos amigos. “Não tenho opinião a respeito. Isso faz parte da carreira de Gil e Caetano, que devem ter seus motivos, que procuro respeitar, e não os julgo.”

Ao longo da gravação, a voz que surge dos alto-falantes beira o gutural e expressa opiniões difíceis de divergir. Em alguns momentos, ela paira em silêncio para, depois, desencadear fragmentos de uma história complexa e tortuosa. Poucos artistas personificam como Rogério o misto de perseverança e desencanto experimentado pela geração que viveu no Brasil dos anos 1960 e 70. Em meio à crescente movimentação de oposição ao golpe civil-militar de 1964, Rogério tornou-se alvo preferencial da ditadura. A resposta dos militares à estética de choque desencadeada pelos tropicalistas veio de forma atroz e com a mesma eficácia da repressão destinada a núcleos de resistência – o Centro Popular de Cultura, os CPCs da União Nacional dos Estudantes (UNE), e instituições como a Editora Vozes, reduto católico de intelectuais, como Leonardo Boff e Frei Betto, que defendiam a chamada Teologia da Libertação, de orientação marxista. Aliás, duas frentes de colaboração regular de Rogério na primeira metade dos anos 1960, ocasião em que ele migrou da Bahia para o Rio de Janeiro: no CPC, ele foi artista gráfico do núcleo de propaganda; na Editora Vozes, atuou como diretor artístico.

O exercício de atividades como essas, consideradas subversivas pela ditadura, fizeram com que Rogério, ao lado do irmão, o engenheiro Ronaldo Duarte, protagonizasse um dos primeiros episódios que tornaram pública a prática crescente da tortura. A caminho da missa de sétimo dia do secundarista Edson Luís, morto por militares no restaurante estudantil Calabouço, crime que motivou a chamada Passeata dos Cem Mil, Rogério e Ronaldo foram presos em 4 de abril de 1968 e submetidos à tortura por uma semana. O episódio é relatado com amargo lirismo no capítulo intitulado A Grande Porta do Medo, do livro Tropicaos, lançado pela Editora Azougue, em 2003. Nele, Rogério relata como ele e o irmão, de maneira alternada, um observando o sofrimento do outro, foram submetidos a toda sorte de sadismos dos torturadores. “Os fios elétricos nas costas, na boca, nas axilas. Os fósforos apagados nas costas, o café quente derramado no sexo. É preciso não contar como se tudo tivesse acontecido. É preciso estar ali todo o tempo necessário, é preciso morrer de medo e regar a flor do medo que nascerá sobre o túmulo até a aparição do fruto, mesmo que seja o fruto dourado do ódio, porque as sementes… Que posso eu dizer das sementes ou que haverá o fruto e as sementes a não ser com a loucura de minha esperança?”, assim descreve Rogério, em Tropicaos, a visão do irmão Ronaldo sendo torturado.

Loucura e esperança foram consequências diretas da tortura enfrentada por Rogério, que não se furtou a denunciar o episódio para a imprensa do País e foi silenciado pela ditadura do general Médici com uma internação compulsória, entre 1969 e 1971, no Pavilhão Psiquiátrico do Engenho de Dentro, uma das três unidades fluminenses do assombroso hospício Pinel. “Houve uma brutal interferência, uma ruptura na minha vida a partir desse episódio, mas não deixei de viver ou trabalhar. Depois disso, continuei fazendo capas de livros para a Editora Vozes, até que tive de me refugiar da perseguição militar.” Outra breve pausa de silêncio e o sopro grave da voz de Rogério volta para revelar o local onde, vivendo na clandestinidade, mergulhou em uma busca esperançosa por elevação espiritual. “Eu tinha a mata do interior da Bahia como minha Sierra Maestra particular (Rogério faz alusão ao refúgio das tropas de Fidel Castro e Che Guevara nas cordilheiras cubanas). Foi na Serra da Violeira que me refugiei. Em minha vida, desde a infância, a busca espiritual sempre foi uma constante. Por uma questão de necessidade de sobrevivência, ingressei no movimento Hare Krishna e dele faço parte até hoje. Sou um estudioso da cultura védica.”

Essa faceta mística desencadeada por Rogério entre a segunda metade dos anos 1970 e a década seguinte, o fez questionar a funcionalidade de continuar exercendo a carreira de artista gráfico, ofício que, para ele, era atrelado a um contexto sociocultural combatido por forças nebulosas, que deram fim ao sonho de sua geração de construir uma sociedade mais justa e progressista. Forças que, segundo ele, ainda são recorrentes. “É impossível se desvencilhar de qualquer coisa que faça parte da nossa vida, a menos que a gente se desvencilhe da própria vida. Na verdade, não acredito que esse tenha sido um momento isolado. O Brasil é um País de muitos momentos sombrios e aquele foi mais um, que tocou profundamente a minha geração.”

A voz de Rogério persegue agora as perguntas finais do roteiro. Hesitante, ele questiona: “Meu Deus, será que vai gravar? Vamos em frente, espero que esteja gravando”. O comentário precede a última questão, que aproveita o gancho da anterior para registrar sua opinião sobre a crescente onda de reacionarismo que, ironicamente, assola o País em pleno século 21, quase 50 anos depois de a geração de Rogério acreditar que tudo poderia ser divino, maravilhoso. Questionado se ele receia que essa retração, simbolizada pela eleição do Congresso mais reacionário desde o golpe de 1964, pode levar o País a reviver os dias trágicos da ditadura, Rogério conclui, pragmático, como a desafiar nossa capacidade de resiliência: “Não sei bem o que significa isso. Não participo muito desse tipo de discurso de padrões, reacionarismo/não reacionarismo. Acho que o buraco é mais embaixo, mas não tenho receios, porque acredito muito na lei da história. Se acontecer, é porque não houve meios de evitar. Então, se vier, teremos de enfrentar tudo novamente. Com o mesmo e até redobrado vigor.”

Lugares do Delírio, imperdível, no Sesc Pompeia em São Paulo

A mostra Lugares do Delírio, Idealizada originalmente pelo curador e então diretor cultural do MAR – Museu de Arte do Rio, Paulo Herkenhoff, foi colocada em pé pela psicanalista e curadora, Tania Rivera e pode ser experimentada no SESC Pompéia em São Paulo até primeiro de Julho de 2018.

A exposição é resultante de um trabalho de pesquisa cuidadoso e delicado com o objetivo de mostrar o quanto, o limite entre “loucura” e “razão” é, ténue.

O que há de delirante na arte e o que há de reflexão sobre a arte na loucura foram questões que orientaram a pesquisa. Outro objetivo foi romper o confinamento da produção dos pacientes psiquiátricos e discutir sua representatividade em paralelo, lado a lado, com a arte exposta em circuitos tradicionais de galerias e museus.

Para Tania “A arte parece sempre querer fugir à norma, ou seja, ao hábito e às regras que delimitam nossa realidade compartilhada. Ela abre janelas na vida cotidiana e nos convida a construir novos mundos”. “A intenção é colocar em suspenso a delimitação entre o normal e o dito ‘louco’. A arte e a loucura têm em comum a força de transformação da realidade”.

Lugares do Delirio apresenta aspectos da Psiquiatria Poética, do antigo “Espaço aberto ao tempo”, hoje denominado Instituto Municipal de Assistência a Saúde Nise da Silveira. A atuação de Lula Vanderley e sua equipe situa-se na intersecção entre arte e cuidado em saúde mental.

Razão, intenção, Expressionismo, imagens do neoconcretismo e delírio construtivo aparecem contaminados. Todos no mesmo barco, eles emocionam e trazem ar fresco à ideia de inclusão.

 

Agenda: confira os destaques da semana 5 a 11 de maio

Dudi Maia Rosa, ‘Um Rei Tolo Será?’

 


 

Dudi Maia Rosa, ‘Um Rei Tolo Será?’

YoYo: tudo que vai, volta, coletiva Sesc Belenzinho, abertura em 5/5.

Com curadoria de Ricardo Ribenboim, é uma exposição de arte contemporânea feita para crianças, onde é possível interagir com as obras. A mostra parte do princípio de que a relação das pessoas com a arte promove um espessamento da experiência do cotidiano, fundamental em todas as idades. Os artistas participantes são: Dudi Maia Rosa, Franklin Cassaro, Guto Lacaz, Leandro Lima e Gisela Motta, Lia Chaia, Raul Mourão, Regina Silveira e Sandra Cinto.


Ismael Nery, ‘Autorretrato com Adalgisa’, s/d.

Ismael Nery: Feminino e Masculino, individual no MAM-SP, 8/5.

“Não é uma exposição para especialistas, embora esses possam ter o prazer de revisitar trabalhos já conhecidos. É uma exposição em que se revela um artista que, na sua época, teve a coragem de caminhar sozinho, descobrir-se e procurar um olhar que estivesse absolutamente sincronizado com o seu tempo, mas – incrível – não com os intelectuais de seu país”, pontua o curador Paulo Sergio Duarte.


Marcos Amaro, ‘Soft Landing’, 2016.

Marcos Amaro: Sobrevoo, individual no Centro Cultural dos Correios no Rio de Janeiro, até 24 de junho.

Artista multimídia, Amaro mostra exposição já apresentada em São Paulo. Com curadoria de Ricardo Resende, objetos construídos, transformados e desconstruídos compoem “um amontoado de coisas organizadas, sem deixar de evidenciar o equilíbrio precário das peças, esculturas e instalações em seu estado bruto”, pontua o texto da exposição.


Tatiana Blass, ‘Teatro Vitrine’.

Aproximações, coletiva na Galeria Celma Albuquerque, abertura 5/5.

A mostra reúne sete artistas de Minas Gerais e seis artistas do Rio de Janeiro. Já apresentada no Centro Cultural Laura Alvim no Rio de Janeiro, chega agora a Belo Horizonte. “Aproximações evoca acercamentos ou avizinhamentos. Traz inerente a idéia de espaço, sempre presente nas artes visuais e, especialmente, no âmbito da pintura. A história da pintura revela a sua intimidade com os mais variados conceitos de espacialidade surgidos ao longo dos séculos”, escreve a artista Zalinda Cartaxo, que participa da coletiva.


Christus Nóbrega, ‘Espada de São Jorge V e III’, 2013/2014.

Christus Nóbrega: Segunda Natureza, individual na Galeria Murilo Castro, prorrogada a partir de 5/5.

O artista Christus Nóbrega faz um recorte de suas pesquisas artísticas reunindo obras que possibilitam refletir sobre a história decorrente de nós mesmos, a partir do questionamento daquilo que nos propomos a criar como legado. Os trabalhos foram produzidos entre 2012 e 2016 e abarcam a investigação da imagem na interface com outros campos disciplinares, como a botânica, medicina e tecnologia.


Inúmeros artistas expoem na Cavalete. Foto: Divulgação

Foto Feira Cavalete, feira de fotografia no MIS, abertura em 5 e 6/5.

Fotógrafos independentes, galerias, editoras, livrarias e selos se reúnem para apresentar e vender fotografia em suportes e segmentos diversos: de impressão em papel algodão, roupas e acessórios a fotolivros; da fotografia de época à contemporânea; da fotografia documental e fotojornalismo à fine art.


Livros e cadernos do artista no projeto Estante. Foto: Reprodução/Facebook

Alex Ceverny: desenho, corpo e mente, individual na UNICAMP,  até 31/5.

Inserido no Projeto Estante, que propoe a apresentação de livros e cadernos de artistas no Instituto de Artes da UNICAMP, Cerveny leva alguns de seus objetos para exposição e apreciação de alunos e público em geral, com entrada gratuita.

 

 

O impulso modernista de Lyrio Panicali

O maestro Lyrio Panicali em detalhe da foto impressa na contracapa do LP 'Nova Dimensão', Foto: Reprodução / Odeon

Especialmente àqueles que insistem no reducionismo do desinformado epíteto “música de apartamento” ou “música elitista”, falaremos hoje de um disco essencial para compreender que a bossa nova foi muito além do banquinho e violão. Trata-se de um cinquentão moderníssimo, Nova Dimensão, álbum do maestro Lyrio Panicali e sua orquestra, lançado, em 1964, pela Odeon.

De ascendência italiana, nascido há exatos 108 anos (sim, hoje seria aniversário dele) em Queluz, na divisa entre São Paulo e Rio de Janeiro, Panicali iniciou sua formação de regente em 1922, aos 16 anos de idade, no Instituto Nacional de Música. Aos 26, como maestro e pianista, ingressou na Companhia Negra de Revistas, trupe liderada pelo ator negro Wladimiro di Roma, que marcou época no Teatro de Revista. Discorrer sobre o que depois aconteceu a Lyrio Panicali, como maestro e como compositor, demandaria um sem número de parágrafos. Vamos aqui, então, nos atentar à importância capital de Nova Dimensão.

A despeito do espectro sombrio imposto pelo golpe civil-militar de 31 de março, o ano de 1964 foi dos mais luminares para a música popular brasileira, tanto na seara da canção quanto nas produções instrumentais. O principal agente propagador desse ambiente fértil, claro, era a recém-criada bossa nova. A partir do canto sussurrado de João Gilberto e do horizonte de infinitas possibilidades harmônicas impostas pelo violão divisor do baiano, a geração impactada pela bossa partiu em busca de outras grandes experimentações.

Capa do LP “Nova Dimensão”. Foto: Reprodução / Odeon

Não por acaso, muitos dos álbuns lançados depois de Chega de Saudade (1959) expressavam, desde o título, um singelo adeus ao saudosismo musical e mantinham olhos e ouvidos fixos no para-brisa do futuro. Caso de Novas Estruturas, de Luiz Carlos Vinhas, Flora é M.P.M (sigla para Música Popular Moderna), de Flora Purim, A Nova Dimensão do Samba, de Wilson Simonal (que contém sete arranjos de Panicali), Samba Esquema Novo, de Jorge Ben, Samba Pra Frente, do Samba Trio e A Hora e a Vez da M.P.M., do Rio 65 Trio de Dom Salvador.

Quando lançou o álbum Nova Dimensão, partindo das direções exploradas por combos inaugurais do samba-jazz (ou bossa-jazz), como o Tamba Trio, o Bossa Três, o Sexteto de Jazz Moderno e o Sambalanço Trio, outra experimentação no formato big-band, com repertório bossa nova e de grande relevo, já havia sido feita por Panicali no álbum A Revolução, da Orquestra Brasil Moderno (Odeon, 1963).

Na ocasião, o compositor Chico Feitosa não poupou elogios ao maestro: “De um gênio muito se fala, muito se elogia. E Lyrio Panicali é um gênio, que pouco se fala, que pouco se elogia. Um homem que transmite poesia, beleza e técnica dentro de suas criações harmônicas. Só posso dizer que tudo nasce num som diferente dos acordes deste gênio que é Lyrio Panicali”, referendou Feitosa na contracapa do LP.

Enfatizando o frescor do “irresistível impulso modernista” de Panicali – frase expressa por Gilberto Miranda no verso de Nova Dimensão – o repertório do álbum trouxe releituras instrumentais extraídas da nata do cancioneiro bossanovista. Estão nele, entre os 12 temas, Consolação, de Badden Powell e Vinicius de Moraes, Batida Diferente, de Maurício Einhorn e Durval Ferreira, Balanço Zona Sul, de Tito Madi, Lobo Bobo, de Carlos Lyra e Ronaldo Bôscoli, e Deus Brasileiro, dos irmãos Paulo Sérgio e Marcos Valle.

Há quem insista também na tola teoria de que a bossa nova teve vida efêmera e que ela foi capitulada por consequência dos adventos da jovem guarda e do tropicalismo. Provando o contrário, álbuns como A Revolução e Nova Dimensão fizeram escola e resultaram em obras lançadas, nos anos seguintes, sob a batuta de outros grandes regentes como o primoroso O Som Espetacular da Orquestra de Carlos Piper (Continental, 1965), do regente argentino, e álbuns que se apropriavam de sucessos radiofônicos, exemplo de Big Parada, do trompetista Formiga e Sua Orquestra (Elenco, 1970), e Explosivo! (London, 1970), do maestro Nelsinho.

O maestro Lyrio Panicali em foto de arquivo pessoal extraída da página oficial mantida no Facebook por sua sobrinha, Rosa Maria Panicali.

Por essas e outras, não somente hoje, no dia de seu aniversário, faz-se necessário preservar e reverenciar a memória desse maestro fundamental chamado Lyrio Panicali. Sobre ele, um certo Tom Jobim deu o seguinte depoimento, em 1963:  “Este movimento atual que se vê na música popular brasileira deve muito a Lyrio Panicali. Não é de hoje que o meu querido maestro vem lutando pela evolução de nossa música popular. Entre seus muitos fãs havia um que se chamava Heitor Villa-Lobos. Lyrio põe muito amor em tudo que faz e por isso mesmo é muito procurado. Sempre foi um boa praça e me recebeu de braços abertos quando bati a sua porta em busca de ensinamentos. E, talvez por dar muito de si aos outros, recebeu esta graça: alma aberta ao que é novo e o talento necessário para ser Lyrio Panicali”

Boas audições e até a próxima Quintessência!

Originalmente publicado no site da revista Brasileiros em 26.6.2014

Ouça o álbum Nova Dimensão

Maior exposição de arte contemporânea africana inaugura em São Paulo

Kudzanai Chiurai Genesis [Je n'isi isi] III 2016 Pigment inks on premium satin photo paper Image: 130 x 140 cm; Paper 142.4 x 152.4 cm Edition of 10

A África é lembrada pelo sofrimento. Colonização, pragas, fome, segregação, inúmeros adjetivos de um continente abalado. Não obstante, parece importante observar que há movimentos na arte contemporânea que vem buscando, de forma notavelmente expressiva, trazer a tona séculos de identidade.

Nessa toada, a cidade de São Paulo recebe sua maior exposição de arte contemporânea africana, com 18 artistas do continente e dois brasileiros afrodescendentes. Em cartaz no CCBB, Centro Cultural Banco do Brasil, no centro da cidade, as montagens somam 90 obras, espalhadas pelos andares do prédio.

Ao todo, quatro eixos temáticos dão vida à exposição: Ecos da História, Corpos e Retratos, O Drama Urbano e Explosões Musicais. No último andar da exposição, por exemplo, há uma sala cuja montagem remete à cena musical popular nigeriana com afrobeat, dividido por sua vez em: Poder, Sexo, Riqueza e Religião.

Davido feat. Olamide “The Money”
Davido feat. Olamide “The Money”

Diferente da Europa e América do Norte, muitos dos países do continente africano encontram dificuldades para levar a conhecimento artistas e suas obras. As poucas oportunidades e baixos investimentos têm mantido muitos às margens. É o caso de Ibrahim Mahama, de 31 anos, nascido em Gana. Para expor em galerias ao redor do mundo, Mahama venceu adversidades que vão da própria falta de infraestrutura da cidade em que vive à ausência de curadores, críticos, galeristas e mesmo colegas artistas profissionais.

Alfons Hug, curador e idealizador alemão,  enfatiza que a exposição tenta mostrar a força que está por trás da realidade histórica africana, de divisões raciais, tribais e econômicas e que aparece nas obras do atual panorama artístico.

Ibrahim Mahama Non-Orientable Nkansa 2017 (screen res) 3
Ibrahim Mahama Non-Orientable Nkansa 2017 (screen res) 3

Para ele, artistas como Mahama são essencialmente aquilo que se deve buscar para compreender a importância do intercâmbio cultural direto e simbólico entre os países do continente e o Brasil. “O que conta, em última instância, é arte e seu artista. Ibrahim, por exemplo, além de ser provavelmente o único artista profissional de sua cidade [Accra], ele também é muçulmano. E isso é incrível considerando a história de muçulmanos com a arte contemporânea”, apontou o curador. Ele faz referência à preceitos religiosos e conservadores que tem colaborado, nos países de maioria musulmana, com a sua entrada tardía na arte contemporânea.

Afro-brasileiros

Entre os 20 artistas em exposição no CCBB estão dois brasileiros, afrodescendentes, Arjan Martins e Dalton Paula. Ambos foram convidados pelo curador, para uma residência, no bairro Brazilian Quarter, na Nigéria, onde pesquisaram e desenvolveram trabalhos. Esta região foi povoada por africanos e seus descendentes que, após a abolição legal da escravatura no Brasil, deixaram o país e voltaram para a Nigéria.

Arjan Martins - Fotos da fotógrafa: Ayesca Borenstein Ariza
Arjan Martins – Fotos da fotógrafa: Ayesca Borenstein Ariza

Há, nas obras de artistas brasileiros grande contribuição cultural dos países do continente, em especial a Nigéria, dada a experiência de ambos no encontro com a ancestralidade durante seus estudos.

Para Hug, este é um bom momento para expor a pluralidade africana. “Existe maior valorização da arte africana e afro-brasileira, porque a presença negra nessa cultura vem aumentando em quase todos as áreas”, disse o curador.

33ª Bienal de São Paulo reúne Péres-Barreiro e sete artistas-curadores

Rodtchenko
Rodtchenko

A cada edição, a Bienal de São Paulo tenta introduzir novas formas de pensar o evento. Se, em décadas passadas, parte do quebra-cabeça consistia em atrair artistas estrelados do mercado internacional, hoje o desafio, é criar conceitos inovadores.

Nesta edição, tudo será feito a partir de um “sistema operacional” alternativo, segundo o curador geral, o espanhol Gabriel Pérez-Barreiro. A mostra se organiza com doze projetos individuais, além das mostras coletivas idealizadas por sete artistas – curadores.

A ideia não é nova, já foi experimentada, em uma outra versão pelo crítico, historiador e curador, Walter Zanini, na mesma Bienal de São Paulo, em 1981. A diferença é que desta vez a participação de artistas-curadores é mais explícita e metódica.

Ao escolher artistas interessados nos seus próprios contextos criativos, Pérez – Barreiro evita armar a exposição por seções, vetores ou qualquer outra denominação e se lança numa experiência curatorial múltipla. Uma variante desse formato também funcionou na Bienal dos Jovens de Paris, em 1969, sob a regência de Jacques Lassaigne, concebida sob o signo de comunas com trabalhos em equipe e obras coletivas, surgidas na esteira de Maio de 1968, que se mimetizavam com o trabalho do curador geral. Além da colaboração dos artistas na curadoria, a participação no evento francês contou com Frank Popper e sua Oficina do Espectador, onde todos os visitantes também se tornavam curadores, dando à Bienal Jovens de Paris forte sentido experimental. Infelizmente a mostra francesa fechou suas portas em 1985.

O tema da 33ª Bienal de São Paulo, Afinidades afetivas é retirado do livro de Goethe, Afinidades Eletivas, de 1809 e refere-se também à tese Da Natureza Afetiva da Forma na Obra de Arte, de 1949, do crítico Mario Pedrosa.

Os artistas escolhidos, com projetos comissionados pela exposição, vão de Tamar Guimarães a Vânia Mignone, passando por Alejandro Corujeira, Bruno Moreschi, Denise Milan, Luiza Crosman, Maria Laet, Nelson Felix. Bienais gostam de resgatar obras relacionadas a um fato político social polêmico. O trabalho da vez é de Siron Franco, um dos nomes recorrentes da Bienal, que retorna pela sétima vez ao Ibirapuera, agora com o polêmico Césio/Rua 57, sobre o acidente ambiental, que aconteceu em Goiás com centenas de vítimas, todas contaminadas pelas radiações emitidas por uma cápsula com césio-137.

Entre as exposições/homenagens estão as do guatemalteco Aníbal López, do paraguaio Feliciano Centurión e da brasileira Lúcia Nogueira, residente no Reino Unido.

Com percepção colaborativa, esta edição convida artistas-curadores que trabalham juntos pela primeira vez. Além dos doze projetos individuais, eles são responsáveis pelas exposições coletivas. Alejandro Cesarco  se concentra em artistas que trabalham sobre tradução e imagem; Antonio Ballester Moreno propõe diálogo de sua obra com referenciais sobre história da abstração e relação com a natureza, pedagogia e  espiritualidade; Claudia Fontes ativa questões envolvendo relações entre arte e narrativa; Mamma Andersson faz reflexão sobre figuração na tradição da pintura, desde a arte popular à arte contemporânea; Sofia Borges prepara pesquisa sobre a tragédia e a forma ambígua; Waltércio Caldas desenvolve  reflexão histórica sobre a forma e a abstração e Wura-Natasha Ogunji enlaça artistas que trabalham com proximidade e compartilham questões sobre identidade e a diáspora africana.  Ainda compõem a equipe da 33ª Bienal, Alvaro Razuk (arquitetura), Lilian L’Abbate Kelian e Helena Freire Weffort (educativo), Fabiana Werneck (editorial) e Raul Loureiro (identidade visual).

A 33ª Bienal de São Paulo poderá ser conferida de 7 de setembro a 9 de dezembro de 2018, no Pavilhão Ciccillo Matarazzo, no Parque Ibirapuera.

A culpabilização das vítimas como rota de fuga

Rovena Rosa/Agência Brasil_02/05/2018
Rovena Rosa/Agência Brasil_02/05/2018

Por Cilene Victor*

Como pesquisadora, tenho evitado comentar ou escrever sobre tragédias ou desastres, sobretudo por duas razões.

A primeira é porque essas ocorrências, em sua maioria, raramente são inevitáveis e tampouco desconhecidas, como o desabamento do prédio no Largo do Paissandu, que servia de moradia precária para mais de 140 famílias. Falar sobre um desastre, sobre uma tragédia, significa dizer que a esperamos chegar.  

Essas tragédias têm sido construídas ao longo da história, resultado da iniquidade social que define todo o resto da história. A especulação imobiliária, com seus projetos de gentrificação, e a omissão do Estado empurram as famílias mais pobres para as áreas com maior risco de ocorrência de desastres relacionados a enchentes, inundações e escorregamentos de terra.

Para se ter uma ideia, de acordo com os números da Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil, SEDEC, órgão do Ministério da Integração Nacional, nos últimos cinco anos, o país reconheceu uma média anual de 2.400 desastres. E aqui estão somente aqueles que demandaram decretação de situação de anormalidade, como situação de emergência ou estado de calamidade pública. O número de ocorrências, portanto, é muito maior.

Os desastres e as tragédias, como a do Largo do Paissandu, acontecem todos os dias, mas seguem invisíveis midiática e politicamente.

A segunda razão que tem me levado a evitar o tema das tragédias e dos desastres é a atmosfera típica de um cenário de grande apelo midiático e, consequentemente, político, ainda mais em ano eleitoral.

Enquanto as vítimas são atendidas em tendas ou barracas improvisadas por voluntários e instituições humanitárias, e o Corpo de Bombeiros e a Defesa Civil trabalham em busca de sobreviventes, muitos veículos de comunicação querem uma resposta que poderia ser dada depois. Os primeiros momentos de uma tragédia demandam esforços para reduzir as perdas, os danos e o sofrimento das vítimas. Isso porque os culpados estão nas linhas anteriores. São todos aqueles que contribuem para a construção social dos riscos e pelas estatísticas dos desastres e das tragédias.

Com medo das perguntas da imprensa e da crítica da opinião pública, os políticos recorrem ao recurso mais perverso para a blindagem de sua imagem: o dedo em riste na cara de quem já perdeu tudo e ainda assim é apontado como culpado pela tragédia social que culminou com o desabamento do prédio.

Enquanto boa parte do mundo tenta humanizar o atendimento às vítimas, aqui os políticos preferem andar na contramão, rasgando protocolos, agendas e marcos globais adotados ou ratificados pelo país.

O velho recurso da culpabilização das vítimas não apenas foi usado pelo governador Márcio França, como pelo seu adversário, João Doria. A pior rota de fuga.

Poderia associar a fala dos dois à pressão que uma tragédia gera nas instituições que deveriam evitá-la, mas essa pressão não pode ser responsável pelos tropeços ético, moral e humano.  

França e Doria avançaram um sinal e entraram pela porta dos fundos, não da tragédia, mas de um mundo que não pode mais tolerar, sobretudo num cenário de dor, a perpetuação da violação de direitos por parte de quem não os garantiu.

França e Doria tentaram desenhar o perfil dos moradores de ocupações irregulares, mas ambos apenas conseguiram desenhar o perfil dos gestores que são e prometem ser. Nenhuma pressão seria suficiente para afastar um gestor da função que ele deve assumir em cenários de desastres e tragédias. A eles não faltaram apenas preparo e lucidez, faltou humanidade.

Esqueci de escrever lá no começo, mas a atitude ultrajante de alguns gestores públicos é a terceira razão que me faz evitar escrever sobre desastres e tragédias. Recordar a fala deles me dá a certeza de que a tragédia ainda não começou para a maioria das vítimas do Largo do Paissandu.   

 

Jornalista das áreas de ciência e meio ambiente. É professora titular do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo – UMESP, pós-doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Gestão Territorial da Universidade Federal do ABC-UFABC, onde atua como pesquisadora dos laboratórios de Gestão de Riscos – LabGRIS e de Justiça Territorial – LabJuta. É doutora em Saúde Pública pela USP, mestre em Comunicação Científica e Tecnológica e especialista em Comunicação Aplicada à Saúde, ambos pela UMESP.

Agenda: confira os destaques da semana 28 de abril a 4 de maio

Aproveite o feriado para visitar algumas das mais importantes exposições e outras atividades do mundo da arte em São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza, Belo Horizonte… E (por que não?) Nova Iorque. Na capital paulista, o Sesc inaugura nova unidade, que já apresenta exposição de Bill Viola. Chega à unidade paulistana do Centro Cultural Banco do Brasil a exposição Ex-África. Em Belo Horizonte, a primeira edição da feira ArteBH promete ser um farol do mercado. Confira a agenda completa abaixo:

Próximo à Casa das Rosas e a Japan House, o prédio do Sesc Avenida Paulista tem 17 andares.

Sesc Avenida Paulista, inauguração da unidade, no dia 29/4

Com expectativa de receber cerca de 18 mil pessoas por semana, o Sesc Avenida Paulista nasce com vocação para atividades de corpo, arte e tecnologia. O prédio conta com salas de espetáculos e oficinas culturais, espaço de exposição e para práticas físicoesportivas, clínica odontológica, espaço de brincar, biblioteca, comedoria e outros equipamentos presentes nas unidades do Sesc, exceto ginásio e piscina. Já na estreia, a unidade apresenta a exposição Visões do Tempo, do pioneiro da videoarte Bill Viola.

Bill Viola, Chapel of Frustrated Actions and Futile Gestures (Capela de Ações Frustradas e Gestos Fúteis), 2013

Arjan Martins, ‘O triângulo do Atlântico’.

Ex-África, coletiva no Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo, abertura em 28/5.

Exposição, já apresentada em Belo Horizonte e Rio de Janeiro, que traz ao CCBB pela primeira vez um grande e essencial panorama da arte contemporânea do continente e da identidade da África moderna, marcada por uma diversidade de encontros culturais e interações, por processos de intercâmbio e aculturações, através da recente produção de 18 artistas, vindos de 8 países africanos. A eles se juntam também dois artistas afro-brasileiros, Arjan Martins e Dalton Paula.


QUANDO QUEBRA QUEIMA, coletivA ocupação. Foto por Marília Scharlach

QUANDO QUEBRA QUEIMA, peça-performance na Casa do Povo, de 4 a 13/5.

Frutos da primavera secundarista, 14 corpos insurgentes deslocam para a cena a experiência dentro das escolas ocupadas, criando uma narrativa coletiva e comum a partir da perspectiva de quem viveu intensamente o cotidiano dentro do movimento.


Emmanuel Nassar 81-18, individual na Pinacoteca, até 2/7

Com sua produção, Nassar provoca reflexões sobre o “erudito” e o “popular”. Suas pinturas e objetos estão marcados por interações aparentemente banais: das logomarcas pintadas em fachadas de rua à geometria rigorosa que remete ao concretismo brasileiro; da pintura popular do circo e do parque de diversões que circula o país à ironia da arte-pop americana. Além disso, o uso de símbolos como a bandeira nacional, a logomarca da Coca-Cola e a referência à Hollywood estão também presentes sem hierarquias, mas apresentadas com um senso de humor irônico.


Aleijadinho, ‘Nossa Senhora das Dores’, século XVIII

Imagens do Aleijadinho, individual no MASP, até 3/6

A exposição reúne 37 esculturas devocionais cuja autoria foi atribuída ao Aleijadinho ou a sua oficina por diferentes especialistas ou pela tradição em diferentes momentos. Essas obras pertencem a acervos de museus, igrejas e coleções particulares. Chama-se “escultura devocional” à imagem destinada à veneração direta do fiel, em contexto público ou privado, diferenciando-a, na totalidade das obras do Aleijadinho, da escultura monumental e das imagens inseridas nos conjuntos de talha ornamental. A mostra tem curadoria de Rodrigo Moura.


Johann Moritz Rugendas, ‘Fête de Ste. Rosalie, patrone des négres’, 1835.

O Rio do Samba: resistência e reinvenção, coletiva no Museu de Arte do Rio, abertura em 28/4.

A mostra é dividida em três momentos: “Da herança africana ao Rio negro”, “Da Praça XI às zonas de contato” e “O Samba Carioca, um patrimônio”. A mostra terá como espaço principal o terceiro andar da instituição, área dedicada a investigar a história do Rio de Janeiro, mas também ocupará os pilotis e a Sala de Encontro. Mais de 800 itens, entre pinturas, fotografias, documentos, objetos, vídeos e instalações compõem “O RIO DO SAMBA“. A curadoria é de Nei Lopes, Evandro Salles, Clarissa Diniz e Marcelo Campos.


Willy Ronis, ‘La Chanson du Chat’, 1994

ArteBH, feira de Arte em Belo Horizonte, a partir de 3 de maio.

Em sua primeira edição, a ArteBH já reúne 20 das mais interessantes galerias de arte do país. Dez são de Belo Horizonte e integram o 10Contemporâneo, grupo das mais respeitadas galerias da cidade. As demais vém de todo o Brasil. Em conjunto, apresentarão obras de artistas consagrados e jovens talentos, trabalhos inéditos e outros raros, peças únicas e edições limitadas. São mais de 200 obras expostas.

 


Torbjørn Rødland, ‘Dry Faucet no. 3’, 2016 – 2018.

Frieze Art Fair, feira de arte em Nova Iorque, a partir de 3 de maio.

Uma das feiras de arte mais visadas do mundo, a Frieze Art Fair apresenta nova curadoria este ano e promete ser, de acordo com a diretora Victoria Siddall, “uma experiência fresca e excitante”. Este ano, a feira faz uma homenagem ao excêntrico marchand Hudson, que terá uma fundação para a arte lançada em seu nome.


 

Seleta crômica e objetos: 20 anos de Tony Camargo

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A exposição de Tony Camargo no Museu Oscar Niemeyer (MON) de Curitiba é uma espécie de cartografia das rotas que sua pintura trilhou em duas décadas, em que a cor se impõe na temporalidade de sua obra. O tempo é o desafio do artista curitibano, cujo trabalho transcende o simples estágio da pintura que já percorreu caminhos variados tangenciando a estética da publicidade.

Uma das tentativas do artista é integrar a pintura a um universo em que a multidisciplinaridade de recursos técnicos possa colocar ao seu alcance todos os meios e efeitos que consiga captar. Desde seu início na pintura, Tony Camargo já explorava as possibilidades combinatórias de cores em obras construtivas e cromáticas, no humor popular, sem intenção de chegar ao comics, mas centrado na preocupação espacial e na linguagem.

A realidade como jogo de armar e a irrupção de linguagens nas dobras do cotidiano são parte da ficção inventada por ele. Pinturas, desenhos, fotografias, vídeos e objetos formam uma antologia, combustível que move Seleta Crômica e Objetos, exposição ampla que abarca 20 anos de arte. “As frentes de operação de Tony Camargo sempre surpreenderam pelo inesperado de suas estratégias de revigoramento da percepção visual num mundo saturado de imagens fotográficas, televisivas e digitais de toda espécie”, escreve Paulo Herkenhoff em um texto para o catálogo da mostra que ainda inclui autores como Arthur do Carmo e Artur Freitas”.   O alcance desse laço, entre o artista e as linguagens que o habilitam, é evidente por toda a mostra. Em sua trajetória, a cor abre veios precisos no rio caudaloso que se alinha e se distancia de uma produção, que ora se mistura à lógica da publicidade com o uso de cores e signos sem restrições, ora mergulha no suburbano. Os vídeos, discursos complementares nessa busca de linguagens reveladoras se aproximam do caos urbano, mexem e remexem o excedente da sociedade e trabalham com os resíduos em performances intermitentes que nascem, em sua maioria, em espaços públicos.

A exposição não compartimenta nenhuma de suas fases, ao contrário, faz com que tudo se conecte, numa analogia de linguagem, com diálogo permanente. Tony Camargo começou na arte com o interesse na transposição de objetos de um lugar para o outro, influenciado por artistas como Duchamp, Cildo Meireles, Waltércio Caldas e fortemente comprometido com o espírito da pintura. “Quando buscamos problemas internos pictóricos, de alguma coisa já elaborada, chegamos a algo novo e é isso o que mais me interessa”.

Tony-Camargo, Baralhos, 2002, dimensões variáveis.
Tony Camargo, 2016_Laca, nitrocelulose, pasta e-tinta acrilica sobre MDF.

As pinturas de Tony Camargo são de superfície limpa, densas na leitura de composições e seus vídeos/performances se aproximam do mundano. De alguma forma seus trabalhos têm ingredientes políticos o que para ele é um valor intrínseco na obra de arte. “ A forma como vejo o mundo, como trabalho os objetos, como me relaciono com o cotidiano. A publicidade também é uma ferramenta política e eu faço uso dela”.

Tony Camargo, 2010 impressão inkjet sobre tela aplicada em poliestireno

Muito de seu trabalho tem a ver com a admiração confessa pela obra de Philip Guston, expressionista abstrato norte-americano que dizia: “a pintura é impura, e é o ajustamento de `impurezas´ que força a continuidade da pintura”. Apesar de, em alguns momentos, seus desenhos tangenciarem o quadrinho, ele nega essa influência. “Também não vi muitos grafites, só muitas pinturas”. Seus vídeos trazem uma forte carga performática e é com ela que cria objetos. Na grande sala do MON os vídeos, com transbordamentos de imagens, se mimetizam em pinturas e os sons dos diversos monitores se misturam com as tintas das pinturas. Os “ruídos” estão todos identificados e a ideia é fazer uma pintura que se junte a eles, embora cada peça tenha a sua autonomia. As imagens estão ligadas ao real, assim como todos os objetos do mundo, embora haja uma relação entre eles. Tony Camargo “performa” em terrenos baldios cheios de entulhos e esses resíduos tornam-se sua matéria prima.

A expografia de Seleta Crômica e Objetos não separa os vídeos das pinturas, trabalha com a complementaridade. A exposição que abarca duas décadas também mostra algo novo para o artista. “Agora, diante de tantas obras e com possibilidade de um distanciamento crítico, me coloco como espectador. A exposição faz relações que eu não via em separado, mostra novas coisas, novas possibilidades”. Quando um artista está no processo de produção ele não se dá tempo para refletir a obra. “Em uma galeria, trabalhamos em um campo mais restrito, é mais difícil de se ter uma visão mais global da produção, diferente de um espaço de museu. Em ambientes amplos, acabo atuando também como curador, escolhendo obras para colocá-las onde e como quero”. Alguns trabalhos foram reeditados para essa mostra. “Há peças com acabamento industrial que, ao longo dos anos, sofreram avarias ao serem transportadas de um local a outro”.

A extensa exposição contempla jogos de luminosidade, planos colorísticos e obras de intensa experimentação. “Há séries que estão representadas por nove obras, mas no total elas chegam a somar 70 trabalhos”. O artista está ligado ao discurso social e confessa que esse momento político de censura sobre a produção artística naturalmente afeta seu trabalho. As manchas, o lixo, o caótico, como estridências sociais estão presentes em várias obras sobre as quais ele tenta uma ordenação do que está fora do controle.

 

Serviço

“Seleta Crômica e Objetos”, de Tony Camargo

Até 1° de julho de 2018 – Sala 2

Dias e horários especiais

Toda quarta gratuita com programação especial: 10h às 18h

Primeira quinta do mês: horário estendido até 20h, gratuito após as 18h.