O compositor e maestro Arthur Verocai. Foto: Divulgação / Mochilla
Que a memória cultural brasileira tem lacunas imperdoáveis estamos cansados de saber. Músicos como Luiz Bonfá, Eumir Deodato, Dom Salvador, Sergio Mendes, Raul de Souza, Astrud Gilberto, Airto Moreira e sua esposa, Flora Purim, exilaram-se artisticamente em outros países, estabeleceram carreiras de êxito comercial ou de grande respeito, mas por aqui seguem anônimos. Se o País tem esse débito com seus próprios artistas, destino pior tiveram aqueles que não assinavam obras, mas foram determinantes para elevar a qualidade delas. Grandes arranjadores e produtores, como Lyrio Panicali, Rogério Duprat e Waltel Branco, que desde o final dos anos 1950 foram disputados por compositores e intérpretes, e o carioca Arthur Verocai que, quase 40 anos depois, teve seu álbum autoral – uma pequena pérola, lançada sem a menor repercussão, em 1972 -, apresentado pela primeira vez no País em dois concertos, ocorridos em abril, no SESC Pinheiros, em São Paulo.
Como um valioso segredo, o álbum homônimo de Verocai transitou em rodas globais de pesquisadores de música brasileira, até ser reeditado no mercado americano, em 2003. O crescente culto em torno dele fez com que, em 2009, o maestro se apresentasse para uma plateia de 1.200 pessoas no Los Angeles Theatre Center, acompanhado de um grupo de quase 40 músicos que reproduziram, com máxima fidelidade, os arranjos originais do álbum. O espetáculo foi filmado e lançado em DVD no mercado americano, como um dos títulos da série Timeless, da produtora Mochilla, dedicada à memória de grandes arranjadores esquecidos ao redor do mundo, como o etíope Mulatu Astatke que, recentemente, também fez duas apresentações memoráveis em São Paulo.
Para aqueles, hoje, com mais de 35 anos, é praticamente impossível afirmar que nunca ouviu o trabalho de Verocai. Sua grande arte está na memória afetiva de muitos brasileiros. Basta dizer que Ivan Lins, Jorge Ben Jor, Elizeth Cardoso, Luiz Melodia, Gal Costa, Tim Maia, Erasmo Carlos, Quarteto em Cy, MPB-4, Nelson Gonçalves e Marcos Valle tiveram arranjos assinados por ele. Horas antes da primeira das duas emocionantes apresentações, com sabor de acerto de contas, no Teatro Paulo Autran, nos reunimos com Verocai para um bate-papo sereno e bem-humorado sobre sua formação, a indústria fonográfica nos anos 1960 e 1970, o talento inato de Luiz Melodia e uma aguda percepção da importância de acreditar em seus ideais e não abrir concessões.
Brasileiros – Arthur, conte um pouco sobre suas origens. Você teve influências musicais dentro de casa? Arthur Verocai –Sou filho de mineiros, mas meu avô paterno, Florentino Verocai, nasceu no Rio de Janeiro. Ele era filho de italianos e, como os meus pais, os dele também migraram de Minas para o Rio. Meu avô cresceu no Rio e encarnou o carioca malandrão e boêmio, gostava de tocar violão e, por influência dele, meu pai sempre gostou muito de música. Cresci em um ambiente onde ouvíamos discos de orquestras e música americana. Ficávamos o tempo todo ligados na Rádio Nacional. Com quatro anos, eu mesmo colocava os discos que queria ouvir na vitrola.
Brasileiros – Sua irmã também teve grande influência em seu aprendizado…
Sim, no final da década de 1950, quando estava surgindo a bossa nova, minha irmã estudava violão. Morávamos na Urca, e eu tinha por volta de 8, 9 anos. Ela fazia aula com essas professorinhas que, ao fim do curso, davam um recital. Aquele violãozinho pobre, uma batidinha “tchacundum”, meio folclórica, quase um boi. Quando fui parar no colégio interno, aos 10 anos, ganhei uma gaitinha que tocava de ouvido e não me esqueço de que havia um órgão de tubo na capela. A gente ia para a missa e o órgão inundava o ambiente com aquele som poderoso. Algo muito extasiante para mim.
Brasileiros – Depois disso, sua irmã foi estudar com o Carlos Lyra…
Sim, anos mais tarde, ela começou a estudar violão com o Carlinhos Lyra. Daí, eu filava o caderninho e o violão dela e tentava aprender a tocar sozinho. Ficava horas escutando discos do Baden Powell, do Paulinho Nogueira e do Luiz Bonfá, tentando tirar músicas de ouvido, pois sempre tive um ouvido muito bom. Em 1962, comecei a ter umas aulas com o Roberto Menescal e ele me apresentou os grandes compositores da bossa nova. Fui tomando gosto pela obra de Johnny Alf, Tom Jobim e outros. Comecei a estudar muita bossa e, em 1963, passei a dar aulas na academia do Menescal.
Brasileiros–Em paralelo a esse interesse pela música, veio a formação em engenharia civil. Você tinha mesmo a pretensão de seguir carreira nessa área?
Não, não mesmo. A gente vem de um ambiente burguês, e ser músico é algo sempre associado a um futuro muito incerto. Uma perspectiva fantasmagórica para alguns pais e os meus, apesar de amarem a música, não pensavam diferente.
Brasileiros – Uma profissão formal era inevitável…
Sim, era algo que inevitavelmente teria de fazer. Me formei, e a cerimônia aconteceu no Copacabana Palace. Quem entregou o diploma foi o general Arthur da Costa e Silva – então presidente, e meu xará. Fui o primeiro a receber. Ele me entregou o canudo, desci as escadas do Golden Hall do Copacabana e o entreguei à minha mãe – que conseguia a façanha de gostar de Chico Buarque e Costa e Silva ao mesmo tempo!
Brasileiros – E você chegou a exercer a profissão de engenheiro?
Trabalhei somente dois meses. Vi que realmente não era aquilo que eu queria da vida. Não iria aguentar sair de casa todos os dias às oito da manhã e só voltar às oito da noite. Ter de trabalhar sábado, domingo e, diga-se de passagem, um trabalho chato pra caramba.
Brasileiros – E, a essa altura, como é que você dava vazão ao Arthur músico?
Nessa época, surgiram muitos grupinhos de música na minha turma. Eu, o Paulinho Tapajós, o Antônio Adolfo, o Danilo Caymmi. A gente se reunia todo sábado para tocar e, cada vez mais, eu percebia que era isso que eu queria. Formei um conjuntinho de bossa nova em 1963 – um quarteto que sequer tinha nome – e quando chegava o domingo, fazíamos algumas jam sessions na happy hour do Little Club, onde, à noite, tocavam os grandes nomes. Raul de Souza, Sergio Mendes, Maestro Cipó, Ed Maciel.
Brasileiros – E o que te deu segurança para jogar tudo para o alto e virar a mesa?
A Elis defendeu uma música minha (Um Novo Rumo) no Festival Universitário do Rio de Janeiro, de 1968, e eu estava em outro astral. Mergulhei de cabeça na música e comecei a fazer um curso de harmonia funcional, o que me deu muita prática para escrever arranjos. Pesquisei alguns livros e tentei ter aula com o maestro Erlon Chaves, que me saiu com essa: “Arthur, não posso te dar aula, pois sou autodidata”. Daí concluí: “Ok, se ele é autodidata, eu também posso ser. Vamos nessa!”. Fui escrevendo e treinando meus arranjos com alguns conjuntos de Além Paraíba, a terra de minha mãe. Na época, eles só tocavam iê-iê-iê, e eu escrevi arranjos de Wave, Corcovado, as coisas mais populares do Tom, para sax, trompete e trombone.
Brasileiros – E como é que você, que vinha dessa experiência empírica, foi parar em um ambiente tão formal quanto a indústria fonográfica?
Rolavam muitos festivais e comecei a inscrever algumas músicas minhas e fazer arranjos para elas. Pude mostrar meu trabalho para outros compositores. Conheci o Ivan Lins, nessa época, e o levei para a Polygram, pois o Paulinho Tapajós, que era meu grande amigo trabalhava lá como diretor artístico.
Brasileiros – E também foi ele que te levou para a Polygram?
Um pouco depois disso. Meu primeiro arranjo gravado foi uma música cantada pelos Golden Boys, A Menina e a Fonte, composição minha e do Arnoldo Medeiros. Fiz esse trabalho para a Odeon e acabei indo parar na Polygram, que tinha o selo Forma, onde fui convidado a fazer o primeiro disco do Ivan Lins. O disco vendeu muito e, do nada, virei um cara meio da moda. Todo mundo queria ter arranjo meu. Acabei fazendo muitos outros discos, programas musicais na TV, trilhas de novelas. A carreira deslanchou a partir daí.
Brasileiros – Você fez muitos trabalhos para TV Globo nesse período…
Fiz vários musicais para a Globo, e fui maestro do programa Som Livre Exportação, que era apresentado pela Elis Regina e pelo Ivan. Tive a oportunidade de fazer arranjos para muita gente boa, até para o Nelson Gonçalves, que foi convocado para cantar Insensatez e Corcovado. Aqueles “gênios” achavam que tinham de colocar o Nelson para cantar bossa nova. Justo ele, com aquele tremendo vozeirão! Um baita contrassenso, a bossa sempre foi intimista, sussurrada.
Brasileiros – Falando em grandes intérpretes, como foi trabalhar com o Luiz Melodia?
Sou grande fã do Melodia. Estava escrevendo os arranjos de Presente Cotidiano, aquela que diz assim: “Tá tudo solto na plataforma do ar/tá tudo aí…“. Essa música é uma marchinha em compassos de três tempos, mas ele cantava um compasso em três e outro em quatro: “Quem vai querer comprar banana…”. Daí, eu me perguntava: “Essa música é em três ou em quatro? Se eu fizer assim, da maneira que está, nego vai dizer que eu sou doido!”. Mas ele não estava nem aí se eram três, quatro ou sete. Fazia isso sem pensar. Não tinha essa de dizer: “Vou fazer uma música em três por quatro!”. Simplesmente acontecia, pela força intuitiva do cara.
Brasileiros – E todo esse respeito que você conquistou te deu a liberdade de, em pouco tempo, fazer seu disco da maneira que bem entendesse…
A Continental sugeriu fazer o disco. Topei, prontamente, mas exigi: “Vamos fazer, mas vamos fazer do meu jeito e da forma que eu quiser”. Eles abriram as portas para tudo. Usei 12 violinos, quatro violas, quatro celos. Gravei onde bem quis, e com os melhores músicos que eu pude reunir. Uma grande realização pessoal, pois quem eram meus ídolos? Caras como Wes Montgomery, Tom Jobim e Eumir Deodato. Caras extremamente musicais, mas que não necessariamente eram grandes vendedores. Pouco me lixei para o fracasso do disco. Estava a fim de fazer música, não de vender disco. Eu era um idealista.
Ouça, na íntegra, o álbum de 1972 de Arthur Verocai
Brasileiros – E como foi o trabalho de composição das letras com o Vitor Martins?
Eu gostava muito das letras do Vitor, ele era um cara muito de esquerda. Como a censura estava no auge e a barra pesadíssima, ele escreveu letras bem metafóricas como Pelas Sombras, que dizia “Quem viaja nas sombras/por trás dos seus ombros/por trás dessa blusa de lã“, ou Presente Grego, que era exatamente o que significava a ditadura para o povo brasileiro, um presente de grego “… Debruçado na Grécia antiga/nas ruínas de homens ou tribos/ouço um grito de dois mil anos… por trás das barbas de molho/o olho por olho/pedra por pedra/conta por conta…”. Ninguém entendia nada do que ele queria dizer – nem a censura, que liberou tudo! E um troço desse, que ninguém entendia, não podia mesmo vender. Mas era o que ele queria dizer, concordava com tudo e, para mim, estava ótimo.
Brasileiros – O que você ouvia nesse período?
Ouvia de tudo e tinha a mente muito aberta. Gostava de Frank Zappa, Stan Kenton. Ouvia folk, country, gostava muito do Crosby, Stills, Nash & Young – adorava as vocalizações dos quatro e ouvi muito o álbum Dejavú. Meu disco tem também algumas texturas mineiras, afinal de contas, filho de mineiro, mineiro é! Eu tinha muita afinidade com o Toninho Horta e com o Milton. Misturei essa mineirice com o funk, com o soul, com o jazz, um pouco de bossa nova e fiz um trabalho livre. Do primeiro ao último minuto, o disco foi feito exatamente do jeito que eu quis.
Brasileiros – Em seguida, você migra para a publicidade. Essa decisão teve a ver somente com o fracasso do disco?
Comecei a fazer jingles em 1973, e tinha muitos clientes bons no Rio. Negociava preços muito altos e, muitas vezes, recebia com antecipação. Ganhava em um jingle o que eu ganhava para arranjar um álbum inteiro, em um, dois meses de trabalho. Quando gravei o segundo disco do Ivan para a Polygram, eles estavam começando me tachar de maluco. Depois que fiz meu primeiro disco, chegaram à conclusão de que eu estava mesmo maluco! Minhas ideias cabiam cada vez menos no mercado, e se fosse para fazer as coisas do jeito que eles queriam, preferia nem fazer. Cansei de recusar arranjos. Não vou dizer nomes aqui, mas já ouvi de grandes estrelas coisas do tipo: “Olha, Arthur, não complica muito, não, viu?!”. Fui obrigado a responder, na lata: “Então chame outro. Prefiro não fazer!”.
Brasileiros – Foi resistente a imposições e concessões?
Tinha essa postura porque estava na bronca do disco não ter acontecido. Fiquei bastante frustrado. Dias e noites me perguntando: “Será que estou fazendo tudo errado? Será que estou por fora e eles é que estão por dentro? Estou mesmo ficando maluco?”. Cheguei à sábia conclusão de que música não era bem aquilo. Música era uma outra coisa, muito mais elevada e importante que o mercado. Se o negócio era comércio, fui fazer jingles. Pelo menos sustentava meus filhos numa boa. O mercado e suas imposições que ficassem para lá.
Brasileiros – E como é que surgiu esse oba-oba recente em torno do disco?
O Kassin (o produtor carioca Alexandre Kassin), muito amigo do meu filho Ricardo, aparecia às vezes no estúdio: “Poxa, Arthur, o teu disco está superfalado na Europa. A imprensa de lá tem falado dele”. E o disco engavetado por décadas, em casa. Isso começou a acontecer no final dos anos 1990, e eu pensava: “Bobagem, é um publicozinho minúsculo”. Em 2002, decidi abrir um site e, por intermédio dele, a Ubiquity, uma gravadora independente americana, passou a me procurar, e relançou o álbum no ano seguinte. Aos poucos, ele foi sendo difundido na cena do hip hop, que é movida pelos DJs, os caras que fazem os beats, as bases das músicas.
Brasileiros – E como foi apresentar esse repertório pela primeira vez fora de seu País e 37 anos depois?
Foi inacreditável. Por uma noite fui “O Cara” em Los Angeles. Quando olhei aquele mar de cadeiras vazias, pensei comigo: “Ninguém aqui me conhece. Como é que isso vai encher?”. Estava na coxia, quando ouvi meu nome ser anunciado e um tremendo estardalhaço tomou conta do lugar. Uma ovação absurda e a casa lotada! Um público bem diverso. Muitos jovens. Gente que foi de Nova York a Los Angeles, outros que rodaram mais de 500 km, vindos do interior dos Estados Unidos, só para ver o show. Foi emocionante e, ao mesmo tempo, foi como pisar em um território desconhecido, pois sempre trabalhei por trás dos bastidores. Os músicos da orquestra eram ótimos. Vinham falar comigo do enorme prazer que tiveram em tocar minhas músicas. Curtiram à beça, pois por mais que aquilo fosse um prato raro para a maioria, eles reconheciam matrizes americanas, como o soul e o funk. Meu amigo Airto Moreira, que vive lá, deu canja na percussão. Voltei com o ego na estratosfera e pensando: “Naquela época em que todos pensavam que eu estava maluco, eu estava certo, muito certo!”.
Durante show em Osasco, na Grande São Paulo, Gil empunha uma guitarra Fender Stratocaster vermelha, sua predileta, comprada em Los Angeles, em 1989. Foto: Luiza Sigulem
*Da coleção de excelentes entrevistas e reportagens do Marcelo Pinheiro
No saguão do Santos Dumont, o generoso trago da primeira xícara de café do dia é interrompido pela abordagem de um velhinho. Mãos enrugadas em riste, repletas de bilhetes da Loteria Federal, ele anuncia os bichos quentes do dia: “Olha o macaco! Vai zebra, aí, vai?” Irritado com a indiferença de seus potenciais clientes o homem parte, sorrateiro, bradando que deveria estar no metro quadrado com maior concentração de sovinas e avarentos do Rio de Janeiro.
Horas antes, abandonamos São Paulo mais uma vez engarrafada – uma briga entre corintianos e vascaínos, em plena Marginal Pinheiros – e chegamos ao Rio para também enfrentar a incerteza do trânsito que, volta e meia, para por motivos pífios ou graves como um fogo cruzado. Diante de tais contingências dos grandes centros urbanos e do acaso que, para o bem e para o mal, estará sempre a invadir nosso cotidiano, não nos deixamos abalar; afinal de contas, estamos indo ao encontro do homem que provocava e instigava um Brasil domesticado por fuzis, que embalava com exuberante musicalidade mensagens que recomendavam coragem pra suportar, pois a ordem do dia cobrava estar atento e forte, não temer a morte e ainda se permitir sonhar que tudo poderia ser divino e maravilhoso.
Em 1969, Gilberto Gil incomodava muito e dividia a opinião pública. Teve de sair, às pressas, do Brasil, deixando aquele abraço à família, amigos, carreira e País, para desembarcar em uma swinging’ London que já começava a sentir os sintomas da ressaca de seus dias festivos e hedonistas. Gil cruzou o oceano para mergulhar de cabeça no desbunde final dos anos 1960 e contemplar possíveis saídas para aquele gigantesco ponto de interrogação deixado pelo sonho que chegava ao fim, segundo decreto de John Lennon, que ele mesmo reiterou e cantou em Expresso 2222, álbum impregnado de um sabor agreste e saudoso, que teve suas gravações iniciadas nos dias finais do exílio em Londres e foi concluído na sua volta ao País, em 1972.
Partindo de experiências como essa – como bem definiu Caetano -, Gil entrou em quase todas as estruturas e conseguiu sair de todas elas. A partir dos anos 1980, trocou as ambições da utopia coletiva fracassada de sua geração por sólidas ferramentas de poder, atuando como secretário municipal e vereador em Salvador e, mais tarde, como ministro da Cultura, ocupações que lhe renderam divergências e confrontos com severos críticos e oponentes. Gil faz balanço positivo de todas estas aventuras e diz não temer os riscos de tais exposições. Admite não ter pudor de assumir compromissos sérios motivado por impulsos espontâneos e defende o conceito de alto risco de que sua obra e vida são indissociáveis.
Com pontualidade notável, ele nos recebeu em sua produtora para uma conversa, de iniciais duas horas, que acabaram se estendendo por mais seis, quando invadimos a intimidade da pequena e descontraída família que ali se reúne para encarar horas de trabalho árduo, meticuloso e democrático, sob o comando de um sereno “professor” – como, carinhosamente, o baixista Arthur Maia se refere a ele – e os olhos curiosos da gigante Andrucha, uma simpática São Bernardo, de cauda amputada, criada ali, desde a infância. Com a palavra, Gilberto Gil.
SEM MEDO E COM PEDRO, EM LONDRES Gil, Caetano e suas mulheres, as irmãs Sandra e Dedé, o filho de Gil, Pedro, nascido em Londres, no colo da avó, Wangry
Brasileiros – Em 1965, aos 23 anos, você chegou recém-casado a São Paulo com a intenção de se estabelecer como executivo. Ao mesmo tempo aliou-se a Augusto Boal, no espetáculo Arena Canta Bahia, embrenhando-se cada vez mais na carreira artística. Havia em suas escolhas um comprometimento com uma vontade maior da família ou você se enxergava mesmo exercendo o papel de um cidadão comum? Você se sentia dividido nessa fase da juventude? Gilberto Gil – Eu tinha sido muito naturalmente preparado pra me encaixar em um modelo de êxito pessoal, que estava ligado a um êxito familiar, também. Um projeto de família de classe média baiana, negra, mestiça, que era alguma coisa bem estabelecida como modelo e como eleição pela sociedade toda. Um jeito consagrado. Tinha sido preparado pra isso, sem muito questionamento. Tudo aquilo era complementação de um conjunto amplo de elementos da educação, da formação. Fui seguindo os passos e, evidentemente, a vida, a minha vida, entrou na questão. Passei a trabalhar com música. Passei a encontrar pessoas. Encontrei Caetano, Bethânia, Gal; gente de teatro, na Bahia, gente de interesses diversos – por cinema, artes e variedades, pela questão existencial. Tudo isso passou a constituir uma outra vida, minha, própria, que, como você pergunta, tudo isto estava em conflito? Estabelecia um conflito? Eu não percebia como tal. Percebia como partes da minha vida e, de alguma forma, tinha de atender a todas elas. Naturalmente, uma escolha iria sobrepor-se a outra, muito fortemente, depois de minha chegada a São Paulo.
Nos dias que precedem sua prisão, um dos mais ferozes críticos do tropicalismo foi o próprio dramaturgo Augusto Boal, que classificou o movimento de neorromântico, homeopático, inarticulado, tímido, gentil, importado e desprovido de lucidez, chegando à ironia de intitulá-los Conjunto de Havaianos e de classificar um depoimento de Caetano Veloso de cafajeste e reacionário. Você é tido por muitos como um sujeito conciliador. De que maneira interpretou essa postura de Boal? Concorda que seja, de fato, um conciliador? Boal era um teatrólogo e dramaturgo muito engajado. Dedicava partes importantes de sua ação, seu trabalho intelectual e sua capacidade de reflexão a essa coisa do movimento revolucionário. Tinha todo o direito de discordar de qualquer coisa, com quem quer que fosse. Aliás, ele compartilhava este sentimento com muita gente, em relação ao tropicalismo, de que nós éramos alienados, entreguistas, deslumbrados. Tudo isso é maneira de ver e de interpretar. Não concordo com ele com relação à cafajestice de Caetano. Não sei se ele entendia as atitudes e os gestos de Caetano como movidos por cafajestice.
Ele defende esse ponto de vista numa réplica a um comentário de Caetano, publicado no jornal O Estado de S. Paulo, de que “…tudo é tropicalista: o corpo de Che Guevara e uma barata voando para trás de uma geladeira suja”. No calor da situação, deve ter, de fato, soado ofensivo pra muita gente. Não acho que nenhum de nós tenha atribuído a Guevara ou a quem quer que seja que tivesse tido envolvimento com a luta revolucionária essa semelhança literal com uma barata. Pelo contrário, a música “Soy loco por ti America”, por exemplo, é uma canção de louvor a Che e de reconhecimento da grandeza e da importância de uma vida como aquela, de uma atitude como aquela. No mais, as opiniões de Boal eram as opiniões dele e correspondiam à visão que ele tinha do que deveria ser “estar no mundo” e, certamente, discordando daquilo que não estaria de acordo com este “estar no mundo”, segundo Boal. Mas algumas coisas são exageradas e fora de propósito como considerar cafajestice o conjunto mais exuberante do gestual de Caetano.
Em seus trabalhos mais inventivos você esteve, muitas vezes, ao lado do maestro Rogério Duprat. Muitos chegam a tributar aos arranjos dele uma importância superior à força das canções. Como você mensura a participação de Duprat no movimento tropicalista? A presença de Duprat naqueles trabalhos foi fundamental para conceituação, propriamente, da coisa musical. O que é que a gente queria com aquelas composições, como elas poderiam ser “embrulhadas”, “empacotadas”, para que tivessem o apelo que queríamos, que precisavam ter. Foi fundamental no contato com os músicos, os Beat Boys, os Mutantes. Foi ele que nos apresentou a esse pessoal todo e me aconselhou a fazer “Domingo no Parque” com os Mutantes e não com o Quarteto Novo, como eu queria. Ele achava que com os Mutantes a gente ousaria mais, integraria os elementos contemporâneos que a própria composição almejava. Foi fundamental, pois não era simplesmente maestro no sentido da decupagem, da tradição para o campo musical, era também um filósofo da questão jovem, tinha tido, no campo da música erudita, intervenções importantes, arrojadas e tão ousadas como o tropicalismo, ele já era tropicalista neste sentido. Ajudou muito, não só a estabelecer o padrão musical do tropicalismo, como também a própria questão conceitual, filosófica e política. Em tudo isso ele teve uma contribuição muito forte. Não sou daqueles que pensa que sem o Rogério resultaria na mesma coisa. Ele foi fundamental. Foi tão importante quanto eu, Caetano, Torquato, Capinam. Esta é uma das características importantes do tropicalismo: foi uma ação coletiva. O todo dependeu das partes e cada parte teve uma função muito importante. Duprat, sem dúvida alguma, é um grande exemplo disso.
ANDAR COM FÉ Nas ruas de Manhattan, em 1971. Gil estreia em Nova York no mesmo palco em que Bob Dylan fez sua primeira apresentação
Sua partida para o exílio coincide com o dia da morte de Brian Jones, fundador dos Rolling Stones. Meses depois, um negro seria covardemente assassinado diante do palco em que tocavam os mesmos Stones e John Lennon decretaria que o sonho havia acabado. Como foi a chegada em Londres nesses idos de 1969 e o confronto com essa nova realidade? Havia mesmo vestígios de que um ciclo se fechava? Minha chegada a Londres coincide com este momento de ápice do movimento hippie, da cultura psicodélica, de todas aquelas grandes mutações sociais, comportamentais. Cheguei, exatamente, no momento de dissolução dos Beatles e da morte de Brian. Logo em seguida, o discurso de Lennon: o sonho acabou! Havia mesmo uma espécie de fastio, de cansaço, que era uma coisa natural. Tudo aquilo nascia de impulsos muito impetuosos da condição juvenil e, à medida que as pessoas iam amadurecendo, quatro, cinco, seis anos depois, começava a surgir um fastio natural em relação a aquilo tudo. O cansaço e a vitimização, muitas vezes. Pessoas que iam tombando no meio do caminho. A própria percepção da dimensão utópica daquilo tudo. A resposta da realidade não era propriamente na medida do investimento que se fazia com a intenção de mudá-la; mudava-se muita coisa, mas não era aquela resposta forte. A verdade era refratária, difícil. Mesmo aqui, todos nós experimentávamos muito disso. O tropicalismo também havia sido golpeado, fortemente, aqui, com a interdição final, a prisão, a expulsão do País. Tudo isso fornecia elementos suficientes pra gente sentir estas dificuldades e traduzí-las como o final de um sonho. Acho que a expressão tem muito a ver com isso: uma fadiga daquele movimento todo, daquela hiperatividade que a juventude teve naquele momento. Eu compartilhava bastante desta percepção.
Em seu livro Verdes Vales do Fim do Mundo (Editora L&PM Pocket), Antônio Bivar narra a fantástica aparição de você e de um grupo de mais de 20 pessoas no palco do Festival da Ilha de Wight, espécie de sucessor britânico do Woodstock. Ele conta que, depois da apresentação, os executivos da CBS queriam contratar todo o grupo. Como foi essa experiência? A comunidade brasileira era numerosa, muito expressiva, em Londres. Muito unida, quase todos nós saindo do Brasil em busca de novas experiências. Muitos, como eu e Caetano, relativamente vitimizados pela questão da ditadura. Fomos todos pra Ilha de Wight. Acampamos, ocupamos uma ribanceira inteira, em cima de uma daquelas colinas, ficamos lá com nossas barracas, três quatro dias antes das apresentações começarem.Muita música, ácido lisérgico, mescalina, toda aquela coisa. Cláudio Prado, cineasta e produtor cultural, andava pelo acampamento e conversava com todo mundo. Ficou sabendo que da manhã pra tarde do dia da abertura estavam convocando músicos e artistas amadores pra fazer uma programação paralela com as coisas que surgissem por ali. Cláudio falou: “Vamos lá, o pessoal tá chamando a gente pra se apresentar!” Caetano estava lá, Gustavo e Pedrinho, da Bolha, os meninos músicos que estavam por lá e outros artistas brasileiros. Martine, uma artista plástica belga, amiga do grupo, tinha feito uma enorme centopeia de plástico vermelho. Juntamos tudo isso, os violões que estavam por ali, fomos umas 20 pessoas para o palco, vários deles nus, vestindo a centopeia. Houve uma performance em que, de repente, as pessoas saíam todas nuas de dentro da centopeia, improvisamos e cantamos algumas músicas. Era por volta de uma da tarde e o público todo vibrou muito com aquilo tudo. Era muito ao estilo das coisas que toda aquela multidão gostava e queria. Lembro que, na reportagem geral sobre o festival, a revista Rolling Stone deu um destaque muito grande à nossa apresentação, mas não me lembro de nenhum executivo de gravadora querendo assinar conosco, não.
Interessante que toda essa repercussão positiva tenha se dado em um festival em que grandes nomes como Jimi Hendrix e The Who fizeram apresentações medianas, não é? A propósito, dias depois, acontece a morte de Jimi Hendrix, como recebeu a notícia?
Uma das coisas mágicas desta estada na Ilha de Wight foi justamente ter conhecido Hendrix. Eu lembro que estávamos assistindo ao show de Miles Davis, grupo do qual participava o Airto Moreira, percussionista brasileiro, e estávamos muito perto do palco. Eu, Caetano, Dedé, Sandra, Cláudio Prado, toda essa turma. O Airto acabou nos vendo e sinalizou pra que fôssemos ao camarim, no backstage, depois do show. Fomos, e lá encontramos, entre outras pessoas, Jimi Hendrix, que o Airto, muito gentilmente, se prontificou a nos apresentar. Conversamos uns dez minutos ali, ele já pronto, vestido com a roupa pra fazer o show. Uma semana depois ele foi à Alemanha, fez ainda uma apresentação, voltou pra Londres e ficou hospedado em um hotel na Kensington Park Road, a uns cem metros da minha casa, que era em um bequinho desta mesma avenida, e nós tivemos a notícia. Uma amiga nossa, americana, que tinha vivido no Brasil na época do tropicalismo e estava vivendo em Londres, tinha estado com Hendrix em um jantar três ou quatro dias antes da morte dele e, no dia seguinte, esteve conosco, relatando seu estado de extrema paranoia. Ele estava falando em perseguição; da máfia, que queria obrigá-lo a cumprir agendas do interesse dela, que queriam, eventualmente, tomar o estúdio Electric Ladyland e coisas desse tipo. Ela ficou muito assustada e passou este susto pra nós. Quando soubemos da morte dele estávamos ainda vivendo o impacto desta informação.
Meses antes de voltar para o Brasil, você se apresentou em Nova York, no Folk City, com uma ambientação de Hélio Oiticica. O local é célebre por ter sido palco do primeiro show de Bob Dylan. Qual foi sua impressão do público americano? Por esses dias, outubro de 1971, você estava se apresentando pela primeira vez nos Estados Unidos, fazendo shows em Paris, e já planejava voltar ao Brasil? O momento era oportuno? Não me lembro se já tínhamos uma perspectiva de volta. Quando saímos do País, a recomendação dos militares era de que ficássemos por lá e deixássemos de lado qualquer ideia de voltar. Não me recordo se, em 1971, as negociações que alguns dos nossos parentes e pessoas próximas começaram a fazer com os militares, para que a gente pudesse voltar, já tinham começado. Tenho impressão que se deram no início de 1972, quando Caetano volta, um pouco antes de mim. De todo modo, a ida para Nova York estava muito mais dentro da perspectiva de exploração do campo geral das novas possibilidades de fora. A recepção foi muito boa. O público era basicamente americano; o convite e a promoção partiram de americanos. Evidentemente, me lembro que um deles era ligado ao Brasil, tinha envolvimento com o Arena, o Boal, e me convidou. Hélio morava em Nova York nessa época e já veio praticamente dentro do pacote. Quando me convidaram, anunciaram que a ambientação toda ia ser feita por ele, que usou pedras, água. Era uma alusão direta à Tropicália, à própria obra dele. Reconstituía um pouco aqueles elementos – tinha uma televisão também. Foi uma semana muito interessante na off Broadway, um dos eventos que consolidaram em mim o sentimento de que era possível fazer uma carreira internacional, coisa que veio a se efetivar mesmo, anos depois, em 1978, depois do Festival de Jazz de Montreux.
Às vésperas de sua partida para o exílio, você passou a se aproximar do músico suíço Walter Smetak que, durante o período em que lecionou na Universidade Federal da Bahia, tornou-se uma espécie de guru de Tom Zé e Caetano Veloso. Quando voltou, esta amizade extrapolou a questão musical e enveredou por interesses místicos. Como se deu o envolvimento de vocês? Quanto a Smetak, quando voltei de Londres, o encontrei, ativamente, convocando músicos, jovens artistas, pra se juntarem ao trabalho dele, pra se juntarem à divulgação e à expansão do campo de pesquisa que ele vinha fazendo e me encantei com aquilo tudo. Era também uma das características do trabalho dele esse desejo de deslocamento da realidade musical, cultural e política a outro patamar e fomos eu, o cineasta André Luíz de Oliveira e o artista gráfico Rogério Duarte, trabalhar com ele, fazer a orquestra de microtons, ajudar na questão das plásticas sonoras, classificação, utilização e conservação dos instrumentos. Fizemos dois discos com ele, promovemos concertos na Bahia, em São Paulo, foi um trabalho importantíssimo. O Smetak era uma espécie de mago das sonoridades e tinha um sentimento profundo de ruptura com o classicismo, com a ditadura pitagórica. Era um experimentalista aberto, fantástico, e me identifiquei muito com ele.
Jorge Benjor e você são notórios pela força rítmica de seus violões. Foi empunhando um par deles, que lançaram, em 1975, Gil & Jorge, Ogum/Xangô, um álbum completamente anárquico, indiferente a qualquer padrão comercialmente viável da época. Diante da liberdade de improviso e da extensão das faixas, a impressão que se tem é que vocês tinham passe livre da gravadora. Como foram as sessões? De quem partiu a ideia do álbum conjunto? Tivemos passe livre, sim. O Jorge é muito audacioso, embora possa não parecer, pelo conjunto das coisas, do comportamento dele, do modo como ele reage ao mundo, as coisas que ele diz, enfim, não parece, mas, na coisa artística, na realização musical, ele é muito arrojado, muito solto, muito livre. Ele é um bluesman, como se fosse um daqueles americanos libertários, fortes e tal. Quem conduziu o disco para aquela situação foi Jorge. Lembro muito bem de um momento em que tínhamos preparado uma canção dele pra gravar, e nós ali: “…vamos ensaiar a tonalidade“. Começamos: “…tá gravando!” Ele ordenou a introdução e entrou em uma outra música. Entrou em “Morre o burro fica o homem”, que não era aquela que a gente iria gravar e fui seguindo, fomos todos seguindo, e ficou assim mesmo. Pra você perceber o grau de liberdade, de improvisação, de descontração das sessões. É um disco muito celebrado e igualmente querido por nós. Um disco que nos marcou muito, a ponto de, vez em quando, falarmos em reeditá-lo para fazermos um reencontro. Tenho muita vontade e ele também. É possível que ainda aconteça.
Ainda no biênio 1975/1976, neste curto período, você lançou este álbum com Jorge, lançou Refazenda, estava em plena atividade com os Doces Bárbaros, quando aconteceu o episódio da prisão por porte de maconha em Florianópolis. Todos cobrando uma postura ética de sua parte. Hoje, apesar da maior tolerância à maconha e ao consumo de drogas sintéticas muito mais nocivas, o tabu com a maconha ainda permanece bastante velado. Basta lembrar que o ministro Carlos Minc teve de explicar sua adesão à marcha que defende a droga. Baseado nesta experiência pessoal, qual cenário considera pior, Gil? Olha, eu venho, há muito tempo, junto com muita gente, advogando a liberação. Eu acho que a transformação do problema das drogas em um caso de saúde pública, um problema médico, é vantajoso em relação ao que existe hoje, que é a questão da clandestinidade, do tráfico. Não é uma questão de polícia, só. Hoje são as duas questões. A de saúde pública, com o crack, é alarmante, destruindo vidas jovens no mundo inteiro. É um problema gravíssimo, potencializado pela dimensão da criminalidade. Eu tenho a impressão que se a gente passasse a ter só o problema de saúde pública, seria uma vantagem. Ainda que, no início, talvez, a liberação provocasse ondas mais intensas de abuso, acho que, em um médio prazo, nós controlaríamos com políticas de desestímulo e com a queda do fetiche, que é um dos principais apelos. Eu continuo advogando isso muito claramente. Não tem nenhuma justificativa pra proibição que seja, para mim, mais convincente, mais interessante do que a ideia da liberação.
A partir dos anos 1980 você passa a se envolver com o exercício da política, em uma jornada que começou na Secretaria da Cultura da prefeitura de Salvador, passou pela Câmara dos Vereadores, uma frustrada pré-candidatura à prefeitura soteropolitana e culminou nos cinco anos à frente do Ministério da Cultura. Como vê criticamente esta trajetória? Acha que os longos hiatos entre o exercício das funções tiveram algum impacto em seu desempenho? É plausível esperar uma continuidade desta sua faceta de homem público? Eu acho que os hiatos são a prova muito clara de que eu nunca tive interesse em dar uma sequência na carreira política. São fatos espasmódicos, surgem de estímulos repentinos. No caso, por exemplo, da Bahia, foi o Gorbachev, a Perestroika e a Glasnost. Toda aquela quebra daquele monstro soviético, aquilo foi muito entusiasmante pra mim, de modo a me provocar o interesse em contribuir pela coisa da vida política e pedi a Mario Kertesz, que era prefeito de Salvador, se me daria oportunidade de trabalhar com ele, na Secretaria de Cultura. Ele me deu e eu fui. Dali, como consequência, a tentativa de uma candidatura a prefeito, frustrada e, a pedido do grupo político, a candidatura a vereador, que resultou em mais quatro anos de vida política, ali em Salvador. Saí dali e só vim a ter um outro engajamento, agora, com o Ministério da Cultura, por conta do convite do presidente Lula, que eu achei irrecusável, por causa do significado do Lula, da eleição dele, tendo a história que tem, sendo quem é, o significado que tem pra trajetória e toda a saga emancipatória da sociedade brasileira. Eu achei que podia, que isso não seria, propriamente, um problema para mim. O problema seria enfrentar a gestão real de um ministério e as relações com o governo, as relações com a sociedade, os problemas políticos decorrentes disso, as lutas, as batalhas tipo Ancinav (Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual), entre outras, mas por causa do presidente Lula e o significado da Presidência dele, eu resolvi topar essas paradas todas e agora já estou livre. Estou em situação de hiato, novamente.
Você, que testemunhou todos os percalços do presidente Lula até a chegada ao poder, que balanço faz desse ciclo que se fechará em 2010. Acha que o presidente conseguirá uma transferência de votos capaz de frustrar as expectativas tucanas? A tradição da alternância é muito forte. As sociedades gostam de operar com a alternância como elemento de variação, de fertilização, de enriquecimento da vida política, de balanços e contrapesos. É possível que haja mesmo uma tendência, até inconsciente, na sociedade brasileira, no sentido de eleger alguém que não seja do Lula. Ao mesmo tempo, a força dele é muito grande. Ele vai ter uma capacidade de transferência de votos muito grande. Tudo vai depender das várias candidaturas que estão aí, enquadradas. A candidatura da ministra Dilma, posta em evidência, e as candidaturas das outras legendas, os tucanos e os outros que virão por aí. Agora, o que significa o governo do presidente Lula pro Brasil, isso eu não preciso falar. Os fatos recentes aqui, internamente, e no mundo, falam muito bem. O trânsito que ele tem, hoje, o prestígio que ele adquiriu no mundo inteiro e junto à população brasileira, não são à toa. Essa insistência que ele teve em investir, muito fortemente, na questão social, que era uma coisa que a sociedade brasileira vinha pedindo, há muito tempo. Acho que tudo isso faz do governo dele um governo muito importante, muito interessante pra história do Brasil.
Voltando à música, você vem de um período onde até a embalagem tinha vínculo conceitual com a obra. Hoje, com as novas tecnologias colocando de pernas pro ar a propriedade intelectual, o conceito de obra fechada morrendo e as pessoas consumindo música de forma aleatória – vão às suas fontes de download e baixam uma ou outra faixa -, como você vê estes tempos? É um desafio maior encontrar inspiração em um cenário tão indiferente aos esforços do artista? Eu acho que os esforços do artista têm que ser revistos. O próprio artista está sendo obrigado a rever o que significa esforço e o que significam as possíveis direções para orientação deste esforço. São fatos: o impacto das tecnologias – e tem sido assim em vários campos – acaba impondo visões e encaminhamentos pra vida humana. São tecnologias irrecusáveis. Elas ferem modelos clássicos, portanto, os esforços de nós todos têm que ser revistos. Ao mesmo tempo, é possível admitir formas de resistência. O disco de Caetano Zii e Zie é um belo exemplo desta capacidade de resistência. Eu tinha a impressão – e é uma impressão que eu continuo tendo em relação ao geral da produção musical – de que discos, tal como eram concebidos e feitos, vão se tornando coisas cada vez mais difíceis de existir, mas Zii e Zie é um defensor desta posição. Recupera essa capacidade de você gostar de um disco inteiro, fechado; canções e significados que se sucedem, adensam, de canção para canção, e acabam fechando um conceito de uma determinada obra. Isso se confirma neste disco de Caetano, mas, ao mesmo tempo, é um disco que já se beneficia desta desconstrução da obra fechada. Ele começou com o Obra em Progresso e se beneficiou deste site em que dialogou, amplamente, com setores variados da sociedade brasileira e de outras partes do mundo, sob seu processo de criação. Eu acho que este é um bom exemplo. Esta capacidade de, ao mesmo tempo, resistir e reexistir, seria um exemplo de saída.
Em seu último show em Osasco, São Paulo, você abriu a sequência Rock do Segurança, Luar e Punk da Periferia, dizendo que se deixou influenciar pelo rock feito pela geração de bandas que despontava no início dos anos 1980. Ora, não seria muito melhor se ocorresse o contrário, se eles se inspirassem no rock que você fazia 15 anos antes, de forma muito mais eficaz e bem resolvida como produto sincrético? Eu não sei se essa avaliação dos aspectos interessantes do que eu fiz, anteriormente, e o valor que isso tem, não sei se posso concordar com relação a esse valor todo. O que eu fiz com o rock foi sempre usar uma espécie de aragem, de fragrância que o rock espalhava por aí. Aquele perfume, aquele ar. Com aquilo eu construía minhas peças. Você pega, por exemplo, uma peça como Back in Bahia, pra ir em um momento bem rock: aquilo ali é uma embolada! O pretexto é rock, mas a essência, mesmo, do desempenho musical, na composição, no momento em que eu escrevi e cantei aqueles versos, eu cantei à moda de uma embolada. Aquilo é, portanto, híbrido. Uma coisa brasileira elencada com elementos do rock.
Mas é, exatamente, esta diferença de propósitos que distancia sua produção desse período de muito do que era feito por essa geração, que muitas vezes dedicava-se a copiar estereótipos e matrizes estrangeiras. Esses meninos, muitos deles, em suas devidas proporções, tiveram também atitude parecida. Misturaram. O caso do Cazuza, que tinha elementos muito claros do samba-canção, da balada brasileira, do bolero, da canção da fossa; o caso dos Paralamas, onde o elemento rítmico brasileiro e o caribenho se encontram. Muitos deles também fizeram o contrário: foram, ortodoxamente, buscar uma reprodução no Brasil de um rock inglês, de um rock americano. Em ambos os casos, com graus interessantes de êxito. Até hoje, acho sensacional muito do trabalho que Lulu Santos fez. Os discos de Raul Seixas são antológicos, extraordinários. O trabalho pós-Mutantes da Rita é maravilhoso. Me vejo muito bem como seguidor deles e não o contrário.
Gil e o filho Bem, também guitarrista
Um momento bonito de sua apresentação em Osasco, em maio último, foi quando seu neto Bento invadiu o palco, pedindo ao pai, Bem, para participar do show, e saiu a “tocar” um bandolim, por mais de duas músicas. Como se dá o aprendizado musical no clã dos Gil? É uma escolha natural dos filhos ou você admitiria algum excesso de influência? Todos eles tiveram este tipo de acesso: aos instrumentos, aos palcos, às festas, às longas sessões de audições de discos que eram feitas na minha casa, na casa de Caetano, na casa dos parentes, dos amigos. Todos os meus filhos, desde Nara, cresceram neste ambiente. Narinha, por exemplo – nós até fizemos uma homenagem a este fato, quando gravamos “Wait until tomorrow”, do Jimi Hendrix, no Tropicália 2 -, nós chamamos Narinha pra gravar conosco porque ela, pequenininha, com um ano e meio, na casa do Caetano, lá em São Paulo, repetia o “…think you better wait till tomorrow” do Jimi Hendrix com muito gosto. Ela tinha um ano e meio e já exposta àquilo tudo, já com aquela impregnação da música de todo tipo. Eles são criados assim e o Bento está repetindo isto. Ele vem aqui pro estúdio, pega, fica tocando os intrumentos, toca percussão junto com a gente, canta trechos das músicas. É cultural, uma coisa ambiental para eles e daí que, depois, vão escolhendo o que querem. Nara escolheu ser cantora, hoje ela é cantora. Depois o Pedro, que escolheu ser e foi baterista; a Preta e o Bem, que também escolheram ser artistas. Vários deles têm escolhido.
Impressiona muito sua performance de palco. A disposição e energia com que empunha violão, guitarra, canta e cativa o público, surpreende. Já consegue imaginar quando se dará sua aposentadoria artística? Faz planos para uma velhice mais calma ou a música vai continuar sendo uma terapia de longevidade? Gosto, gosto ainda, muito, de tocar. Vejo aquilo tudo como uma ginástica, também. É ali que eu me exercito, que eu mantenho a forma. É ali que eu purgo certas coisas, que faço uma catarse com elementos de renovação de energias. Aposentadoria é uma coisa fora de perspectiva pra mim. A vida vai ter que me aposentar, não eu.
Com o neto, Bento, filho de Bem: mais um defensor da paixão dos Gil pela música
Na canção Outros Viram, de seu último álbum, você cita os poetas Maiakovski e Walt Whitman, o romancista Stefan Zweig e outros célebres personagens que, em algum momento, exaltaram a vocação do Brasil em ser o país do futuro. Você, que teve a vida indissociavelmente ligada à história recente do País, que futuro prevê para o Brasil? Eu acho que o que é novidade para o Brasil, para o brasileiro e, de uma certa forma, para o mundo, também, em relação a esta questão, é que parece que não é mais o futuro, parece que é agora. Está parecendo, pela primeira vez, com uma aceleração muito grande do mundo, da vida, que esta distância desapareceu. De repente, o presente já é o futuro. O Brasil está no futuro do mundo e o futuro do mundo está no Brasil. Essas duas coisas já estão começando a coincidir, o que estabelece a percepção mais flagrante disso, tanto pra nós brasileiros quanto para o mundo. A história recente do País tem a ver com tudo isso. A grande festa barroca tropical, o carnaval, essa capacidade extraordinária de celebração, essa vivência estoica da tragédia, essa capacidade que o País vem desenvolvendo para viver sua dimensão trágica de forma altiva e, ao mesmo tempo, conformada, de maneira a estimular as reações, as contestações, a luta pela obtenção do melhor. Eu acho que tudo isso é o que é o Brasil, hoje. O que está sendo e o que será o Brasil, daqui pra frente: um País cada vez mais parecido com o mundo, num mundo cada vez mais parecido com este País.
Imagem da série 'Bastidores', de Rosana Paulino, 1997. Em exposição no MAM-SP, em 'O MAM, a marquise e nós no meio'.
*Por Theo Monteiro
O dia 13 de maio de 1888 foi durante muito tempo tido como um divisor de águas na história do Brasil. A partir daquele momento os negros deixavam de ser escravos para se tornarem cidadãos livres, graças à Princesa Isabel, que ao longo de décadas ganhou status de libertadora dos afrodescendentes. Essa versão, com o passar do tempo, não somente se mostrou incompleta como passou a ser duramente questionada pelo movimento negro. A narrativa construída em torno da data não somente desconsiderava o processo histórico rumo à abolição como tirava qualquer protagonismo dos negros na história, lhes atribuindo um papel de passividade e conformismo ao regime escravocrata. De acordo com essa visão, os negros, seriam supostamente desprovidos de agência, precisando que uma princesa branca lhes concedesse a liberdade.
Esta história oficial tem sido revisitada e desconstruída por diversos artistas contemporâneos, que abordam a questão racial em suas práticas artísticas, como é o caso de Paulo Nazareth, Moisés Patrício, Jaime Lauriano e Rosana Paulino. Se em 1888, os negros estavam excluídos do mundo das artes e da cultura (na época profundamente elitizado), agora os mesmos vem ganhando crescente destaque especialmente depois da última edição da Bienal de Veneza, que teve o primeiro curador africano da história, Okwui Enwezor. Nesta esteira, a Pinacoteca do Estado de São Paulo apresenta a exposição Territórios: Artistas Afrodescendentes no Acervo da Pinacoteca dentro da qual são ainda produzidos uma série de debates ao redor da produção e recepção da arte produzida por afrodescendentes. Apesar do crescente reconhecimento no campo cultural, passados 128 anos da abolição da escravatura, parece que há no Brasil mais motivos para preocupação do que comemoração. A derrubada de um governo legitimamente eleito e a extinção de ministérios que são fruto de conquista histórica (Cultura, Igualdade Racial, Mulheres e Direitos Humanos), colocam novamente em risco os direitos das chamadas minorias, notadamente das minorias raciais. A ARTE!Brasileiros ouviu dois artistas negros brasileiros sobre o significado da data em 1888 e nos dias atuais.
Para Rosana Paulino, a sensação é a de ter dormido e acordado em 1888: “já começa pela retomada do lema positivista Ordem e Progresso de Marechal Deodoro. A elite governante que chega junto com Temer: branca, masculina e velha, tem uma absoluta falta de visão no que diz respeito ao projeto de País. Chega a soar como uma brincadeira de mal gosto” explica. Para ela, assistir conquistas de décadas serem destruídas em uma canetada é doloroso, mas ao mesmo tempo provocador. “O momento do luto existe e é importante, mas agora é hora de arregaçar as mangas e criar. Para mim, que sou artista, mulher e negra, criar é um ato de resistência. Meu trabalho sempre foi voltado para pensar questões que atingem a realidade brasileira, como o racismo”. A artista critica também a extinção do Ministério da Cultura, o que para ela será prejudicial a todos aqueles que trabalham na área. “É de uma falta de visão absurda. Qualquer país que se queira desenvolvido, moderno, sustentável, investe em economia criativa. É simples, lucrativo e não derruba uma árvore. Ao invés disso, essa equipe que acaba de assumir quer privilegiar a agricultura. Praticamente um retorno ao século XIX”. Ela acrescenta também que as minorias serão duramente atingidas pelas medidas que se iniciam e que isso poderá criar grande resistência “Essas pessoas vão começar já já a ir para a rua. Não estamos falando aqui da não criação de direitos, e sim da extinção de direitos criados. O Ministério da Cultura vinha criando políticas interessantes para dar visibilidade à produção de negros, mulheres, indígenas e periféricos, enquanto o Ministério da Igualdade Racial permitiu que um altíssimo número de negros ingressassem nas universidades. A partir do momento em que essas pessoas sentirem que perderam isso, elas irão para as ruas”, conclui.
Já o artista Moisés Patrício afirmou ainda estar “digerindo” tudo o que aconteceu. “É muito difícil e violento assistir a esse retrocesso. As pessoas parecem tomadas por uma energia coletiva estranha, na qual muitas vezes sequer sabem o que estão desejando e as consequências disso”, numa referência direta ao Senador Cristovam Buarque (PPS-DF), que defendeu o Impeachment da Presidenta Dilma Roussef e acabou se surpreendendo negativamente com a equipe ministerial do Presidente interino. Para Patrício, a abolição da escravidão é um passado muito recente e ainda não cicatrizado. Ele vê os avanços ocorridos desde 1888 como poucos e insuficientes, e critica a falta de aceitação dos negros na sociedade. “Este é um tema muito presente na minha obra, a questão da aceitação”. Famoso por Aceita, uma série de fotografias que ele fez de sua própria mão, Patrício afirma que a mão negra é ainda invisível pela maior parte da sociedade brasileira. O artista, por outro lado, reconhece que mesmo vítima de apagamento e repressão, a cultura afro brasileira se readapta à condições adversas, muitas vezes ressignificando práticas que a princípio a destruiriam. Ele cita como exemplo as religiões neopentecostais, que tendem a perseguir os cultos de origem africana e criminalizá-los. Apesar disso, o fato de a maior parte dos devotos dessas igrejas serem negros e antigos adeptos das religiões de matriz africana faz com que elementos africanos persistam e se misturem à nova religião. “Algumas coisas são extremamente parecidas, o que faz com que muitos negros vejam naquilo um significado”, explica Patrício. “Ao mesmo tempo em que os avanços foram poucos e duramente conquistados, existe toda uma dimensão que é forte e insiste em sobreviver”, conclui.
O MAM, a marquise e nós no meio, coletiva no Museu de Arte Moderna de São Paulo, até 19/8
A Marquise, o MAM e Nós no Meio, com curadoria de Ana Maria Maia e layout do coletivo de arquitetos Grupo Inteiro, conta com ampla programação que se mistura com o já realizado Domingo MAM, em que omuseu realiza atividades no Parque do Ibirapuera. As obras do acervo selecionadas remetem à vizinhança ao redor. Além disso, são propostas performances e parcerias para diminuir os limites do prédio, em seis domingos ao longo da duração da exposição.
Rodrigo Bivar, ‘O Noivo da Ascensorista’, 2017
Rodrigo Bivar: É Umas, individual na Galeria Millan, abertura em 12/5
Composta por sete pinturas, a maior parte delas inédita, a mostra é a primeira do artista na Millan desde 2015, e marca um novo capítulo em sua investigação acerca da pintura. Inicialmente figurativo e próximo das imagens fotográficas, de uns anos para cá seu trabalho vem permeando um campo mais identificado com o da pintura abstrata, com interessantes divisões geométricas e inesperadas associações de cores.
Regina Parra, ‘Um perigo e uma chance’, 2016
Desmedida, coletiva na Zipper Galeria, abertura em 17/5
O curador Diego Matos reúne um conjunto de trabalhos que retratam o Brasil, seu lastro histórico e suas múltiplas realidades à luz de um imaginário construído nas duas últimas décadas do século XXI. Na contramão aos parâmetros de uma história oficial baseada nas ideias grandiosas de progresso e civilização e na atenção ao desenvolvimento das grandes metrópoles, as investidas dos artistas aqui selecionados conflagram largo interesse em explorar, reconhecer territórios grandiosos mas invisíveis. Trata-se desse mesmo Brasil que, no momento, seja por temor, ignorância ou elitismo, é dado as costas. Dentre os artistas estão Romy Pocztaruk, Regina Parra, Tuca Vieira e Karim Aïnouz.
Fernando Limberguer, ‘Ainozama’.
Amazônia: os novos viajantes, coletiva no Museu Brasileiro da Escultura e Ecologia, abertura em 12/5
Com curadoria de Cauê Alves e Lucia Lohmann, professora no Departamento de Botânica do Instituto de Biociências da USP, a mostra reúne artistas como Cildo Meireles, Claudia Andujar, Walter Salles e Luiz Braga. A exposição tem base em pesquisas científicas coordenadas por Lucia sobre a origem da Amazônia.
A mostra é parte do programa de residência artística Pivô Pesquisa. FOTO: Divulgação
11° Ateliê Aberto, coletiva na Pivô, em 12/5
O público é convidado a entrar em contato com o processo dos artistas em residência, que apresentam trabalhos em andamento, testam maneiras de exposição ou produzem conteúdos específicos para o evento, como conversas ou performances. Com backgrounds e investigações diversas, tanto dos artistas brasileiros quanto estrangeiros, essa é uma oportunidade de experimentação de suportes, de entendimento do uso dos espaços, e a chance de experienciar possibilidades de diálogos.
João Loureiro, ‘Reprodução Assistida’
João Loureiro: 1:1, individual na Galeria Jaqueline Martins, abertura em 12/5
O artista correlaciona o espaço de exposição da galeria com um açougue da região, bairro da Vila Buarque, centro de São Paulo. Mas mais do que ocupar ambos os espaço com um conjunto de obras, João Loureiro concebe uma série de ações encadeadas que são ciclicamente repetidas ao longo do período da exposição, fazendo com que o trabalho se constitua cumulativamente dia-após-dia.
CONVERSA
Dora Longo Bahia, ‘Brasil x Argentina’ (stills de vídeo), 2017. FOTO: Bolsa de Fotografia ZUM/Acervo IMS
O artista em processo com Dora Longo Bahia, conversa no Instituto Moreira Salles de São Paulo, em 12/5
‘O artista em processo’ é uma atividade que promove uma conversa aberta com um artista sobre sua obra, sua linha de pesquisa e seu processo criativo. A convidada da vez é a artista multimídia Dora Longo Bahia, que – dentre outras coisas – aborda o sexo, a morte e a violência em seus trabalhos.
POR AÍ…
Athos Bulcão, ‘Estudo em cartão’. A exposição que comemora 100 anos do artista está em cartaz no CCBB de Belo Horizonte e faz parte da programação da Semana de Museus. Foto: Vicente de Mello/Divulgação
Semana Nacional de Museus, programação especial de museus em todo o país, de 14/5 até 20/5
A 16ª Semana Nacional de Museus é uma temporada cultural promovida pelo Ibram em comemoração ao Dia Internacional de Museus (18 de maio). Nesta edição, 1.130 museus de todo o país oferecem ao público 3.261 atividades especiais, como visitas mediadas, palestras, oficinas, exibição de filmes e muito mais!
Emmanuel Nassar, ‘Trap Trap’, 2013. No estande da Galeria Millan em Lisboa.
ARCOlisboa, feira de arte em Lisboa, de 17 a 20/5.
Com a qualidade dos conteúdos como principal objetivo, a Cordoaria Nacional terá a participação de 68 galerias. O Programa Geral será composto por 50 galerias selecionadas pelo Comitê Organizador, e a seção Opening contará com a participação de 8 galerias nacionais e internacionais com menos de sete anos de antiguidade, selecionadas por João Laia, escritor e comissário português. Como novidade, este ano serão incorporados 10 projetos especiais também selecionados pelo Comitê Organizador.
É com um diálogo entre um jardineiro e um botânico que começo hoje. Diálogo este relatado pela psicanalista Nathalie Zaltzman no seu texto “Do sexo oposto” (1999). Um jardineiro tinha um ruscus e, como seu ruscus nunca dera flores, ele se inquietava sobre como fazer para descobrir se o pé era macho ou fêmea. Eis que o jardineiro envia esse questionamento para uma revista de botânica e recebe do botânico a seguinte resposta: “compre um outro ruscus, e coloque-o próximo”, “só uma outra planta poderá revelar os respectivos sexos, pela floração se forem do mesmo sexo, pela frutificação se forem de sexos opostos” (p. 89).
A partir deste diálogo, a psicanalista que o retoma faz a seguinte reflexão: se até no mundo vegetal, em algumas espécies, o “destino anatômico” não age sozinho, se ele encontra um limite intransponível e a determinação sexual não se realiza a não ser na presença do outro, se o destino anatômico não age sozinho nem nas plantas, imaginem só nos seres humanos nos quais o inconsciente, a linguagem e as fantasias estão presentes. Como esta situação se repete em outras espécies de plantas, o botânico e a autora que o retoma colocam a seguinte afirmação:
“A alteridade é uma condição necessária e prévia à identidade” (p. 90).
O outro na constituição do sujeito humano não está só no que se refere ao sujeito sexuado e à diferença dos sexos, e sim desde o início. Na espécie humana, o corpo biológico do bebê e seu sexo anatômico são acolhidos desde antes do nascimento por uma subjetividade outra, a do adulto, que desde o começo interpreta seu corpo, seu sexo, seus movimentos e suas necessidades a partir do seu próprio inconsciente. Antes mesmo de nascer, o seu corpo é acolhido e interpretado a partir do narcisismo e da sexualidade do adulto.
Na espécie humana, o corpo biológico do bebê e seu sexo anatômico são acolhidos desde antes do nascimento por uma subjetividade outra, a do adulto, que desde o começo interpreta seu corpo, seu sexo, seus movimentos e suas necessidades a partir do seu próprio inconsciente.
A alteridade está presente o tempo inteiro na constituição da sexualidade e da subjetividade: o outro, os outros, o Outro, ou seja o outro que toca o nosso corpo quando bebê e satisfaz as nossas necessidades, assim como o coletivo no qual nos inserimos e a própria linguagem como um todo precedem a construção de nós mesmos. O amor materno se insere nas “dobras da evolução libidinal”, marca o sujeito psíquico, inscrevendo inicialmente uma outra realidade psíquica, um outro desejo no próprio psiquismo embrionário.
A concepção psicanalítica da sexualidade retirou esta do paradigma do endogenismo biologizante, colocando a ênfase no processo, na construção e não na “essência” – seja esta da ordem biológica ou cultural. Uma afirmação que a psicanálise não fará é “o que é a mulher” e sim como ela advém, como se constitui a partir da “criança e sua sexualidade polimorfa”.
Uma diferenciação se faz necessária. Há de se distinguir o sexual do sexuado, sendo que este último é o que se organiza na história da sexuação e que vai constituindo uma “identidade sexual”, enquanto que o conceito de sexualidade na psicanálise se estende, na medida em que não se reduz a genitalidade, nem à finalidade procriativa, mas abrange todo o campo do pulsional, com o leque de pulsões parciais das orais às escópicas e muitas outras.
Pulsão é diferente de instinto, já que este surge colado a necessidade e tem objeto fixo, enquanto que a pulsão surge a partir daquilo que se introduz na sua satisfação e seu objeto é contingente. Excitações se introduzem junto com a satisfação das necessidades básicas desde o início, como o “leite quentinho” que entra na boca da criança quando amamentada e que produz nela uma experiência de prazer que a marca e dá origem à pulsão; mas esse leite é dado por um outro que junto introduz excitação, expectativas, demandas, inscreve afetos e vai fazendo surgir um “corpo erógeno” cuja geografia está desenhada pelas marcas de prazer, o que não é igual ao corpo biológico.
Quando nascemos, em total estado de “desajuda”, de impossibilidade de ajudar-nos a nós mesmos na satisfação das necessidades, para sobreviver dependemos totalmente do outro adulto, que no mesmo gesto de satisfazer as necessidades (alimentação, abrigo, limpeza) vai introduzindo em nós marcas de excitação, criando aquilo que nos impulsiona e nos liga à vida. Esse outro, ao mesmo tempo em que nos toca acordando as sensações também nos nomeia, e ao nomear-nos nos inclui numa categoria que seria uma categoria em relação ao sexuado, categoria de gênero. Chegamos ao mundo com alguém que nos espera e nos diz menino ou menina. Mas esse outro nos nomeia a partir da discriminação da consciência e das categorias estabelecidas pela cultura, e também através de uma pluralidade de significações inconscientes do que para cada adulto é “ser uma menina” ou “ser um menino”, algo que ecoa na nomeação. Ao nomear-nos, nos dá um banho de desejo, do que o outro quer de nós, mas também um banho de imaginário cultural, do “como se espera que sejamos”.
A alteridade, então, está na constituição da sexualidade enquanto essas marcas que se inserem infiltradas com a excitação na satisfação das necessidades, está na nomeação das categorias identitárias e está como objeto das identificações nas quais as pulsões – por serem contingenciais – vão construindo seus roteiros. O polimorfismo pulsional, a pluralidade das significações e demandas que o outro faz chegar e a multiplicidade identificatória que vai se desdobrando nos tempos de constituição psíquica fazem com que a construção da sexualidade humana seja um processo complexo, bem como a articulação do sistema sexo-gênero, e que sofra ressignificações em momentos da vida como no reconhecimento da diferença dos sexos, na puberdade, etc. Tudo isso faz com que a sexualidade humana seja uma construção absolutamente “singular”.
Não da para pensar a sexualidade no sentido evolutivo teleológico, supondo como fim a genitalidade ou a heterossexualidade, e sim como uma rede complexa de diferentes estratos psíquicos e da cultura abrangendo a pulsionalidade polimorfa constituída no seio da alteridade, a partir dos vínculos primários, da sexualidade infantil e das fantasias nela construídas, do narcisismo e do ego, e da inclusão do reconhecimento da diferença dos sexos. Neste conjunto complexo, cada um precisa articular uma busca de solução dos conflitos internos, construindo um “roteiro singular”. Mas é necessário pensar também na dimensão sócio-histórica, dentro da qual há que se considerar as normatividades das formas eróticas e das formas de amar, os modos de subjetivação e de laço social nos momentos da história e da cultura.
“cada um precisa articular uma busca de solução dos conflitos internos, construindo um ‘roteiro singular’”
Independentemente de qual seja a identidade sexual e o objeto “escolhido”, isso sempre é uma construção que se faz nesta articulação entre a complexidade de identificações – com seu caráter plástico –, sua possibilidade de ressignificação, e a categoria imposta ou atribuída pelos outros, que na nossa sociedade é binária – mas que não precisaria sê-lo.
Sabemos que em muitas culturas os mitos fundadores não são binários e sim plurais. Sabemos também que as lógicas identitárias tentam reduzir as diferenças à unidade, buscando uma fórmula única que classifique particularidades dentro de uma categoria, conceituando entidades como substâncias e não como processos, eliminando assim a particularidade da experiência singular com suas ambiguidades e incertezas. Em relação à designação de gênero, também existem formas diferentes de pensá-la: como uma simples nomeação ou como, uma designação continua que é feita pelos outros pela linguajem, os gestos ,os atos; a partir de suas discriminações mas também suas ambiguidades, contradições… Com o qual se abre a possibilidade de pensar o gênero como plural e conflitivo.
A psicanalista Joyce McDougall cunhou o termo neo-sexualidades para pensar a criação de dramas eróticos complexos como soluções para os eventos traumáticos do início da vida, que seriam muito presentes nas apresentações sexuais da atualidade; no entanto, ela própria se pergunta se a totalidade da sexualidade humana não seria de neo-sexualidades. Ou seja, eu diria, todas as sexualidades seriam roteiros singulares escritos para dar conta dos eventos traumáticos da infância e na busca de uma solução para a complexidade que se instala ente o sexo, o amor e o gozo.
As notícias, escritos e debates sobre sexualidades, identidades e gênero tem tido uma presença constante na mídia, muitas vezes inclusive em debates fortemente acalorados, em defesa de posições antagônicas. Em grande parte do que circula, duas confusões insistem: confundir sexualidade com sexo biológico e pensar as identidades sexuais como se fossem “escolhas” voluntárias. Em ambas, desconhece-se o inconsciente do outro e o próprio, o que pode levar até a propostas absurdas e enganosas como a da chamada “cura gay”.
Zaltzman, N. Do sexo oposto. In Ceccarelli, P. (org.). Diferenças sexuais. São Paulo: Escuta, 1999.
A atriz e dançarina, com uma de suas jiboias - Foto: Divulgação/Exposição Cem Anos Luz
Ela era irreverência pura. Nascida há 101 anos e criada para reproduzir os valores da família tradicional, Dora Vivacqua tomou outros rumos. Não por acaso, a campanha “Meu corpo, minhas regras” se encaixaria à perfeição ao seu estilo de vida, apesar de ela jamais ter se expressado com essas palavras.
Capixaba de Cachoeiro de Itapemirim, Dora exibia-se de calcinha e top feito de lenços em praias do Espírito Santo, no começo dos anos 1930, quando o termo biquíni nem existia. Não demorou a romper com a família para tentar a vida como artista na capital federal, o Rio de Janeiro.
Detalhe: embora pioneira na liberação do corpo, ela não se afinaria com outra campanha atual, a #ChegaDeFiuFiu. Dora, que primeiro se apresentou como Luz Divina, fazia de tudo para despertar a lascívia alheia. Dançava seminua, com duas jiboias – Cornélio e Castorina.
Causou tanto furor no circo que logo foi para o teatro de revista, o gênero teatral popular à época, marcado pelo apelo à sensualidade e à sátira política. A troca do picadeiro pelo tablado também envolveu mudança do nome para Luz del Fuego, inspirado em uma marca de batom argentino.
O talento nos palcos foi questionado mais de uma vez, mas o sucesso de suas apresentações era indiscutível. Logo ficou conhecida em todo o país. E não parava de ousar, inclusive em outros campos. Foi uma das primeiras brasileiras a pilotar um avião. E a saltar de paraquedas.
Não demorou a começar a escrever. No primeiro livro, o autobiográfico “Trágico Black-Out”, escancarava as contradições da família. Em tentativa de amenizar o escândalo, o irmão senador, Atílio Vivacqua, tratou de comprar todos os exemplares que encontrou pela frente.
Por esta época, ela passou a reunir amigos para praticar nudismo na praia de Joatinga, perto de sua casa, em São Conrado, no Rio. Entre os adeptos, Miss Gilda e Miss Lana, que se apresentavam como transformistas. “Um nudista é uma pessoa que acredita que a indumentária não é necessária à moralidade do corpo humano”, dizia Luz del Fuego.
Na defesa de suas ideias, tentou até criar um partido, o Partido Naturalista Brasileiro (PNB), que acabou não obtendo registro. Publicou um segundo livro, “A Verdade Nua”, onde também incluiu princípios do vegetarianismo. Queria ter um espaço próprio, para a prática do naturismo.
Não demorou a trocar sua confortável casa por uma ilha na Baía da Guanabara, a 15 minutos de barco da Ilha de Paquetá. Era uma concessão da Marinha de oito mil metros quadrados, a maior parte rochas e cactos, que Luz del Fuego transformou na primeira colônia naturista do país.
A Ilha do Sol, como Luz del Fuego rebatizou, chegou a ter entre os seus visitantes o ator Steve McQueen (1930-1980). Em julho de 1967, foi também palco do assassinato de Luz del Fuego e de um caseiro, crime cometido por homens atrás de uma fortuna que, na verdade, ela não tinha.
Inspirada nela e em suas ideias, a cantora Rita Lee compôs e gravou “Luz del Fuego” em 1975, música regravada por Cássia Eller 23 anos depois. Em Cachoeiro de Itapemirim, onde nasceu, Luz del Fuego hoje é reverenciada. Há duas semanas, em 21 de fevereiro, dia do nascimento de Luz del Fuego, a prefeitura da cidade lançou um selo em homenagem da atriz e bailarina. A ideia surgiu ano passado, quando se comemorou os 100 anos da filha outrora renegada pela família. Sinal dos tempos.
Alfredo Volpi, 'Bandeiras e mastros', década de 1970.
Segundo artigo recente de Artribune, exposição de Alfredo Volpi, La Poetica del colore, montada em Villa Paloma, sede del Museo Nazionale di Monaco, e que termina dia 20 de maio, com curadoria de Cristiano Raimondi, se destacou por desvendar para os europeus sua arte essencial, precisa e sensível.
No final de 2017, o artista ganhou sua primeira individual em uma galeria estadounidense e neste ano, na tradicional galeria Sotheby’s, em Londres. “O mundo começa a descobrir Volpi”, destaca Zivé Giudice, diretor do Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM-BA) onde, atualmente, 33 obras do artista ítalo-brasileiro são exibidas. A mostra, que se estende até o dia 1° de julho deste ano, é um dos frutos do grande esforço que a gestão do museu tem feito ao lado de parceiros para driblar a crise orçamentária.
A exposição só foi possível, graças a colaboração de curadores, galeristas e colecionadores que se uniram para trabalhar em uma força tarefa que deu suporte ao recolhimento e transporte das obras até a Bahia. “Existe um flerte entre Volpi, a Bahia e este museu desde os anos 40”, afirma Zivé, sustentando seu argumento na posterior doação feita da obra Casas, na década seguinte, para o acervo da instituição. A iniciativa foi do crítico de arte Theon Spanudis e, para Ladi Biezus, que assina texto crítico da exposição, a atual mostra também cumpre o papel de comemorar mais de cinquenta anos da doação.
Zivé diz-se satisfeito por sediar algo digno do artista: “É uma retrospectiva que começa nos anos 40, passa pela incursão do figurativo e depois começa o surgimento da poética geométrica”, afirma. Para ele, o trabalho do curador Sylvio Nery reune “belos exemplares de pinturas que representam muito bem cada época de Volpi”.
A primeira atividade artística de Volpi data de 1914, quando tinha apenas doze anos de idade. Apesar disso, a pintura começou a fazer parte de seu cotidiano só na década de 30, tendo como base as suas observações de paisagens e construções da vizinhança onde morava. No final dessa década, começou a pintar aquilo que, historicamente, viraria a sua marca na arte. Mesmo fazendo parte de uma geração que se desenvolveu em um momento modernista, Volpi se desvinculou dos rótulos de movimentos artísticos impostos pela crítica.
No Brasil, suas obras se espalham por coleções ao longo de todo o país. Marcelo Xavier, Roberto Oliva, Marcos Amaro e Leonardo Telles são alguns dos colecionadores que se dispuseram a colaborar. Além deles, é preciso destacar a dedicação do galerista Paulo Darzé e da galeria paulistana Almeida e Dale em todo o processo, fazendo o intermédio entre o museu e os colecionadores.
A participação do Instituto Alfredo Volpi, presidido por Pedro Mastrubuono, também foi crucial para a realização da mostra. “Sucesso nos USA e Europa, mas sem jamais esquecer o público brasileiro”, destaca Mastrobuono em uma rede social. Segundo Zivé, as parcerias com esses nomes tornam-se importantes à medida que as instituições de arte brasileiras têm sofrido com a crise: “A cultura sempre padece por isso, mais que os outros subsetores da sociedade”.
No Museu de Arte Moderna da Bahia, a exposição de Afredo Volpi integra um projeto que foi denominado Estado Bienal. A medida é uma forma encontrada pela gestão da instituição para realizar, de alguma forma, a função que a Bienal da Bahia costumava cumprir. Depois do fechamento da II Bienal baiana em 1968, por ação da ditadura militar embasada-se no AI-5, o evento só voltou a acontecer 46 anos depois, em 2014. Sem recursos para continua-la, ainda não há previsão de quando a quarta edição será acontecerá. Desta forma, o MAM-BA resolveu integrar todos os projetos do museu no rótulo Estado Bienal. “Decidimos que tudo o que fosse produzido pelo museu ou demandado do museu fosse feito dentro da perspectiva desse lugar de gestação de ideias e de conteúdo”, pontua Zivé.
Para os próximos meses, o MAM-BA prevê uma mostra que irá reunir o que Zivé chama de Geração 70 da arte baiana. Para ele, é uma geração espontânea que “começa a construir um lugar da arte atual” no estado. Estão sendo cotados nomes como Bel Borba e Vauluizo Bezerra, sergipano radicado na Bahia.
Os lançamentos do livro de Laura Carvalho em São Paulo e no Rio de Janeiro deixaram filas nas livrarias. FOTO: Maíra Erlich/Facebook Laura Carvalho
Em pesquisa desenvolvida pelo Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea, vinculado a Universidade de Brasília (UnB), foi constatado que uma média de aproximadamente 75% dos livros lançados entre 1965 e 2014 foram escritos por homens. Em busca de incentivar a leitura de autoras mulheres, várias iniciativas surgiram nos últimos anos, como os coletivos Leia Mulheres e o Mulherio das Letras.
Contribuindo com esse movimento de conhecimento da literatura escrita por mulheres, listamos abaixo livros lançados até agora em 2018 que foram escritos por mulheres ou sobre mulheres.
1. Valsa Brasileira: do boom ao caos econômico (Todavia), por Laura Carvalho
Com análise atenta e minuciosa, a economista Laura Carvalho apresenta algumas explicações sobre como a economia brasileira foi do êxito ao declínio, passando pelo governo Lula e chegando a estagnação após o impeachment. Além das constatações, Laura emenda propostas do que pode ser feito para sair da crise, com uma nova agenda.
2. Carolina Maria de Jesus: uma biografia (Malê), por Tom Farias
Frequentemente tendo sua obra e vida resgatadas, a escritora Carolina Maria de Jesus parece ter voltado para ficar no imaginário da literatura brasileira. Sua trajetória da infância pobre à ascensão no mercado editorial, com posterior desinteresse do mundo literário, é contada com afinco nesta edição preparada pela editora Malê.
3. Todo dia a mesma noite, a história não contada da boate Kiss (Intrínseca), por Daniela Arbex
Desde o dia 27 de janeiro de 2013, a jornalista Daniela Arbex se debruça sobre a história das dezenas de pessoas (em sua maioria jovens) que foram vítimas do incêndio ocorrido na Boate Kiss, em Santa Maria. Completados cinco anos desde o ocorrido, Daniela traz neste livro um desejo de que essas pessoas não sejam esquecidas, ao acompanhar de forma sensível o luto e a luta de familiares e amigos das vítimas, que até hoje esperam por justiça.
4. Carla Chaim (Cobogó), por Jacopo Crivelli Visconti
Dez anos da trajetória da artista Carla Chaim são reunidos em livros que apresenta sessenta e seis obras, entre vários formatos realizados por ela. Com a peculiaridade de usar o corpo para conduzir suas práticas, Carla se destaca com uma das artistas mais singulares no Brasil hoje.
5. Incidentes na vida de uma garota escrava (Aetia), por Harriet Ann Jacobs
Publicado pela primeira vez em 1861, o livro é uma dos primeiros registros literários de literatura afro-americana escritos por autoras que viveram o terror da escravidão nos EUA. Harriet relata os sofrimentos do dia-a-dia dos escravos nas lavouras, colocando em discussão as práticas abusivas pelas quais passavam, o que poderia ser um registro autoficcional.
6. Léxico familiar (Companhia das Letras), por Natalia Ginzburg
Vinda de família que combateu veementemente o fascismo de Mussolini na Itália, Natalia aborda em seu livro mais conhecido a vida de uma família comum em meio a tempos autoritários. A autora traz como fio condutor a própria infância em uma família judia, passando pela posterior amizade com Cesare Pavese e chegando até a morte do marido no cárcere.
7. Mamãe & Eu & Mamãe (Record/Rosa dos Tempos), por Maya Angelou
Quem conhece a história de Maya Angelou dificilmente poderia acreditar que uma de suas maiores dificuldades foi a relação conturbada com a mãe. Deixada para ser criada pela avó quando criança, a multiartista e revolucionária feminista teve que aprender, na adolescência, a amar sua mãe, a qual posteriormente chamou de “a melhor mãe de uma jovem”.
8. As luas de Júpiter (Biblioteca Azul), por Alice Munro
Vencedora do Nobel de Literatura em 2013, Alice Munro aborda uma família que tem a figura do pai como núcleo familiar e tenta se manter em pé quando o progenitor passa por problemas de saúde. A filha, Janet, então, entra em uma busca constante da aprovação do pai em tudo o que fazia, desejando ser motivo de orgulho para ele.
Todos os dias, milhares de paulistanos passam pelas esculturas de Galileo Emendabili na ida ou na volta do trabalho, da escola e outras atividades cotidianas. Suas obras estão espalhadas em pontos importantes e de alta circulação da cidade, como a avenida Faria Lima, o Parque Ibirapuera e, também, no Cemitério da Consolação.
Uma das obras mais famosas de Emendabili, o Obelisco Mausoléu aos Soldados Constitucionalistas de 1932, está bem de frente para o lago do Parque Ibirapuera. O Obelisco completa, em 9 de junho deste ano, 63 anos da sua inauguração. O monumento é cheio de histórias e fatos que fazem jus a sua relevância cultural para a cidade.
Quem foi Galileo Emendabili
O artista nasceu na comuna italiana de Ancona, em 1898. Com oito anos, ele passou a aprender a entalhar madeira em um atelier sob o comando de um ebanista (marceneiro especializado em Ébano) surdo-mudo. Três anos mais tarde, Emendabili foi descoberto por acaso pelo capelão da Igreja do Santíssimo Sacramento, Don Enrico Ruschioni, que o recomendou para receber uma bolsa de financiamento de estudos para que ele pudesse estudar Belas Artes.
Anos de estudos e viagens mais tarde, o artista gradua-se escultor pela Real Academia de Belas Artes em 1919. Dois anos mais tarde, o escultor, que era liberal e republicano, esculpiu o monumento “Libertà”, que homenageava um jovem assassinado por guardas reais na saída de um teatro. O assassinato mobilizou setores da sociedade insatisfeitos com a violência explorada pelo movimento fascista inaugurada por Benito Mussolini.
Em 1923, durante viagem para Buenos Aires fugindo da repressão de Mussolini, Emendabili foi avisado que havia um complô para seu assassinato. Sabendo disso, o artista desembarcou em 3 de julho daquele ano em Santos e se refugiou junto à comunidade italiana na capital paulista.
Durante sua vida em São Paulo, ele esculpiu mausoléus de membros conhecidos da vida social, como os integrantes da família ítalo-brasileira Bertolucci. Em expansão e com reconhecimento, deu continuidade a sua carreira repleta de prêmios e colaborações à dispersão de esculturas pela cidade.
Entre suas contribuições estão o Obelisco Mausoléu ao Soldado Constitucionalista de 1932 e a escultura Alegoria da Pintura, no monumento a Ramos de Azevedo.
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Pietà, bronze de 1930.
Maternidade Eslava (Coleção Emanuel Araújo)
monumento memorial à família Bertolucci - Oferenda. Leia mais- https-::www.galileoemendabili.net:biografia-de-galileo-emendabili-vida-e-obra:
Deusa Nikè (Vitória) para o Monumento a Ramos de Azevedo Leia mais- https-::www.galileoemendabili.net:biografia-de-galileo-emendabili-vida-e-obra:
estátua “Anjo”, inspirado no Quattrocento italiano, para o Memorial para a família Bento Ferraz. Leia mais- https-::www.galileoemendabili.net:biografia-de-galileo-emendabili-vida-e-obra:
Curiosidades sobre o Obelisco
O mais alto
O Obelisco têm a alcunha de ser o monumento mais alto da cidade de São Paulo, com 72 metros de altura. Considerando a época de sua inauguração, o monumento de homenagem aos constitucionalistas de 1932 nasceu para evidenciar a grandiosidade da cidade que hoje é a maior do País.
43 anos de construção
Mais de quatro décadas se passaram desde a concepção do projeto por Galileo Emendabili e sua execução, realizada pelo engenheiro alemão Ulrich Edler. A obra só foi concluída em 1970, porém o monumento foi inaugurado inacabado em 1955, dada a comemoração de um ano da abertura do Parque Ibirapuera.
Homenagem aos heróis (ou rebeldes)
O Obelisco é uma homenagem a estudantes e combatentes mortos durante uma tentativa de derrubada do governo provisório de Getúlio Vargas. A história varia dependendo do estado da união em que se estuda os combates de 1932. Em muitos estados é comum que se ensine nas escolas a historia do movimento como “Revolta de 32”, enquanto no estado de São Paulo e no próprio monumento, a ofensiva é comemorada como “Revolução de 32”.
Arquitetura
Há muito simbolismo por trás da construção. Um dos mais simples de se observar é a harmonia entre a arquitetura e as esculturas dentro do mausoléu. O guardião do obelisco, como é conhecida a escultura do combatente que fica no centro da estrutura de olhos semicerrados, por exemplo, está ali para vigiar o local e guardá-lo. Seu olhar foi digīdo para o centro da construção que, por sua vez, tem o formato de um projétil.
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Reprodução TV Gazeta
Guardião do Obelisco do Ibirapuera (Foto- Governo do Estado de São Paulo)
Guardião do Obelisco (Foto- Marcus Oliveira)
Entrada do Obelisco do Ibirapuera (Foto- Matheus Pinheiro de Oliveira e Silva)
Obeslico Mausoléu aos Soldados Constitucionalistas de 1932 - Foto reprodução Governo do Estado de São Paulo
Na ocasião da abertura das exposições do artista León Ferrari em São Paulo e Nova York, organizadas pela Galeria Nara Roesler, foi realizada a conferência León Ferrari: valor de culto e valor de exposição. O evento aconteceu na semana da sp-Arte, no MAM – Museu de Arte Moderna de São Paulo, com apoio da feira e da revista ARTE!Brasileiros.
A Fundação Augusto e León Ferrari realiza, desde de 2017, inúmeras atividades internacionais divulgando a obra do artista, que faleceu em 2013.
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Neta do artista e uma das responsáveis pela Fundación Augusto y León Ferrari, a arquiteta Anna Ferrari falou sobre o trabalho de preservação das obras e da memória de León.
A curadora Lisette Lagnado iniciou as apresentações na conferência.
A artista Regina Silveira deu depoimento sobre sua convivência com León.
Regina também mostrou algumas das mais importantes obras do artista.
Diretora do MAMBA, Victoria Noorthoorn falou sobre momentos descontraídos com León.
Victoria também contou sobre a ida do artista à Bienal de Veneza.
Também falou no evento Pablo León de la Barra, do Guggenheim NY).
Palavras Ajenas foi encenado em setembro de 2017 em Los Angeles, na California, durante o Projeto Pacific Standard Times, no teatro RedCat Carlarts. A peça com oito horas de duração foi traduzida pela primeira vez para a língua inglesa e foi encenada ao mesmo tempo que ocorria a exposição do artista, curada por Ruth Estevez, Agustín Diez Fisher e Miguel Lopez. A mostra itnerou para o PAMM – Perez Art Museum Miami e fica em cartaz até 12 de agosto de 2018.
Em paralelo, a obra foi encenada num seminário internacional no Museu Reina Sofia, em Madri, e terá outras apresentações no museu universitário da Universidad Nacional de Colombia, em Bogotá, no dia 22 de maio. Em seguida, ela partirá para o Museu JUMEX, na cidade de México, no dia 2 de Junho.
O visitante pode ver exposições solo na Galeria Nara Roesler em Nova Iorque (22 East 69th Street 3R) e em São Paulo (Av. Europa, 655).