Início Site Página 154

Um museu universal na era da globalização

Prédio do Louvre Abu Dhabi foi projetado pelo arquiteto francês Jean Nouvel

As mais de 7 mil estrelas que compõem o domo do Louvre Abu Dhabi são uma modesta quantia perto das cifras que cercam o museu inaugurado recentemente nos Emirados Árabes: mais de 1 bilhão de dólares foram gastos entre a construção (US$ 108 milhões), o valor paga ao governo francês pelo uso da marca Louvre por 30 anos (US$ 525 milhões) e ainda o valor pago também à França pelo empréstimo de 300 obras (US$ 750 milhões).

Contudo, se o total de US$ 1,3 bilhões parece alto, ele se torna modesto perto dos US$ 450 milhões pagos pela pintura Salvator Mundi, atribuída a Leonardo Da Vinci vendido, no leilão da na Christie’s de New York, em novembro passado. A obra polêmica, já que seu restauro a tornou praticamente uma nova pintura, foi adquirida pelo departamento de cultura e turismo de Abu Dhabi para o Louvre local. Em resumo: a soma astronômica bilionária para a construção do museu de 97 mil m2 fica pequena quando comparado ao valor de apenas uma obra adquirida para ele. O Louvre original, em Paris, tem por área total 72 mil m2.

Superlativos, no entanto, são comuns nos Emirados Árabes e o Louvre não é exceção. O projeto do arquiteto francês Jean Nouvel para o museu tem por marca um domo de 180 metros de diâmetro quase o comprimento de dois campos de futebol, já que oficialmente a metragem de um campo é de 105 metros. O domo é formado por 7.850 estrelas entrecruzadas e cria um ambiente protegido com luzes e sombras projetadas sobre 26 edifícios independentes. A sensação, com isso, é de se estar em uma vila no deserto protegida por uma grande nuvem. A área expositiva total chega a 8,6 mil m2, sendo que 6,4 mil m2 deles são utilizados para a mostra permanente.

Público dos Emirados Árabes Unidos visita o museu. Foto: Marc Domage

Para a construção do museu sobre um aterro foram utilizados 503 mil metros cúbicos de areia drenada do mar, cobrindo uma área que é de cerca de 10% do Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro, com seus 1,2 milhão de m2.

Os números são necessários para dar um pouco da dimensão um tanto extraordinária desse oásis cultural no meio do deserto dos Emirados Árabes, mas ao contrário de alguns projetos da região, que brilham muito mas ao final se tornam meros pastiches da decadente sociedade ocidental, o Louvre Abu Dhabi tem méritos louváveis.

Museu Universal

“A construção do museu se deu junto com sua concepção museológica, arquitetos e curadores pensaram em sintonia, desde o início, como organizar uma instituição dessas no século 21”, disse Souraya Noujaim, diretora executiva do Louvre Abu Dhabi, a um grupo de jornalistas, em março passado, que incluía ARTE!Brasileiros. Escolhida para o cargo em fevereiro passado, Noujaim trabalhava no projeto já há quatro anos pelo lado francês no acordo binacional, sendo curadora para arte islâmica na Agência de Museus da França.

O percurso na mostra permanente é cronológico, com exceção da primeira sala, chamada O Grande Pátio, onde obras de distintos períodos são agrupados por temas. Entre os destaques estão três peças que tratam da maternidade: uma escultura egípcia da deusa Iris com seu filho Horus (800 – 400 a.C.), uma imagem de marfim da Virgem com Jesus (1320 – 1330) e uma peça em madeira da República do Congo de Phemba (século 19), a figura da maternidade do povo Yombe.

O trio representa bem o conceito do Louvre Abu Dhabi como “museu universal”, já que apresenta desde como a maternidade era representada na civilização egípcia séculos antes de Cristo, passando pela religiosidade católica e chegando à cultura africana da região do Congo.

“Para demonstrar o que a humanidade tem em comum, Louvre Abu Dhabi usa o caminho da universalidade”, afirma Jean-François Charnier, diretor da Agência de Museus França, entidade responsável pela contrapartida francesa no acordo de construção da nova instituição.

No total, a mostra permanente espalha-se por 12 galerias, além de O Grande Pátio, começando por As Primeiras Vilas, onde encontra-se a impressionante Estátua Monumental com duas cabeças, emprestada pelo Departamento de Antiguidades da Jordânia, de cerca de 6.500 a.C., que lembra as esculturas delgadas de Giacometti, até Um palco global, com obras contemporâneas, nem todas tão unânimes em qualidade, como o arroz de festa Ai Weiwei, com uma escultura de luzes inspirada na Torre de Babel _como sempre o efeito se sobrepondo ao conteúdo.

Grand Vestibule, Louvre Abu Dhabi. Foto: Marc Domage

No percurso das 12 galerias a diversidade de fato é uma tônica, e algumas peças como Leão de Mari-Cha, produzida na Andaluzia ou no sul da Itália por volta do século 11 que, acredita-se, produzia som. “Ela representa esse encontro de culturas durante a Idade Média, uma peça islâmica produzida no Ocidente”, explicou Souraya Noujaim na galeria 6 Do Mediterrâneo ao Atlântico, onde ela se encontra.

Apesar de Salvatore Mundi ainda não estar em exibição, outra pintura de Leonardo da Vinci reina na galeria 7, O Mundo em Perspectiva. Trata-se de La Belle Ferroniere, realizada em Milão entre 1495 e 1499, e que é uma das 300 obras em comodato do Louvre em Abu Dhabi, provavelmente a mais valiosa.

Além da mostra permanente, o Louvre Abu Dhabi tem ainda duas galerias para exposições temporárias. Em março passado, “From one Louvre to another” (de um Louvre para outro) abordava de forma comparativa o nascimento do Louvre, em Paris, em 1973, com o novo nos Emirados Árabes, 224 anos depois.

Já “Globes, Visions of the World” (Globos, visões do mundo) apresentou a história da relação entre a noção astronômica da esfera e a criação de objetos com0 os globos, astrolábios e mapas em um percurso que mistura fé e ciência.

Seja nesta última mostra, seja na exibição permanente, a arte e a produção francesa ganham sempre certo destaque, mas afinal ninguém vende uma marca por meio bilhão de dólares e não a valoriza.

Um xamã na anti-exposição de Cabelo

Mostra realizada pelo artista no Centro Cultural BNDES reúne elementos da cultura pop e afroameríndia. Foto Pedro Agilson

Para ser um grande artista não é precisar usar o crachá da arte”, defendeu o artista Cabelo, em meio a sua própria retrospectiva, em uma conversa com o líder e xamã yanomami Davi Kopenawa, no dia 19 de abril passado.

Para o artista, que introduzia Kopenawa a uma plateia de mais de 300 pessoas, “originalmente o papel da arte é o papel do xamã, mas isso se perdeu”, como a indicar que as relações ritualísticas da arte deixaram de existir na sociedade que marca o artista mais como um decorador do que um criador de imagens simbólicas.

Duas décadas da obra de Cabelo foram vistas em Luz com Trevas, que ocorreu no Espaço Cultural BNDES, no Rio, entre março e maio deste ano. Para Lisette Lagnado, curadora da “anti-exposição”, como ela mesma definiu, são “20 anos de uma criação que considero indecifrável”.

De fato, mais que uma mostra, Luz com Trevas foi uma experiência com elementos extraídos das culturas pop e afro-ameríndia, onde era difícil perceber os limites de cada obra, em uma integração que parecia de fato um imenso penetrável, com vários nichos distintos, usando aqui termos concebidos por Hélio Oiticica. Havia cantos com imensos ovos, partes de ações, outros com tecidos distintos, lugares para sentar, lugares para deitar.

A própria ideia de cinema expandido, usada também por Oiticica, é referência já no título da mostra, por se apropria do conceito de sala de cinema, afinal um espaço de luz com trevas. Muitas projeções eram exibidas em todo espaço expositivo, quase todas possíveis de serem vistas simultaneamente, provocando uma espécie de vertigem, sem começo, meio e fim.

Foi nesse ambiente um tanto caótico e um tanto alucinógeno, que Cabelo recebeu Kopenawa com um relato bastante fantástico. Ele se recordou que, em 1992, durante a Conferência Mundial do Meio Ambiente, naquele mesmo prédio “do BNDES, que financia tantas obras que acabam com os índios”, foi ver um concerto e acabou participando de uma cerimônia de aspiração da yãkõana, o pó usado nos rituais yanomami. “Lembro bem do abraço do xamã que proporcionou aquela experiência, e que para mim foi só amor”, contou Cabelo. Mas a história ganhou contornos míticos quando ele disse que somente naquele dia, o 19 de abril de 2018, quando foi ao aeroporto buscar Kopenawa e contou a ele aquela lembrança, soube que tinha sido ele próprio quem abraçou Cabelo.

A presença de Kopenawa, para além da história pessoal com o artista, de fato tinha todo sentido ali. Por mais de uma hora, ele contou das dificuldades dos povos da floresta, ameaçados especialmente pelos garimpeiros, e como são os yanomami que acabam exercendo um papel de resistência e, ao mesmo tempo, da preservação da Amazônia.

“Trabalho de pajé é proteger, preservar a mãe terra”, disse Kopenawa. “Eu sou professor também, professor da humanidade. A gente não usa lápis, mas usa a fala para ensinar e aprender”, seguiu por seu caminho dialético.

Em uma mostra onde se rechaça o papel do artista como figura de destaque, que tem uma assinatura que o diferencia dos demais, a presença de Kopenawa ajudou a ampliar a compreensão da própria mostra, sendo até crítico na homenagem pelo dia do índio. “Índio nasceu na Índia, eu sou Yanomami”, afirmou de maneira definitiva.

O jornalista Fabio Cypriano viajou a convite da organização da mostra.

Rio sem praia, sem Cristo e sem Corcovado

VISÃO DO PROJETO INSTALATIVO DA EXPOSIÇÃO #Rioutópico, iniciativa colaborativa idealizada por rosangela rennó

Progresso, Vitória, Morada dos Sonhos, Esperança, Novo Mundo, Maravilha e Paraiso não são termos que, especialmente no momento atual, possam estar próximos de qualquer descrição da cidade do Rio de Janeiro. Essas palavras, contudo, estão presentes no cotidiano carioca como nomes de bairros, ruas e vilas e são parte do mapeamento realizado pela artista Rosângela Rennó para #RioUtópico [em construção] para o Instituto Moreira Salles (IMS) da cidade “maravilhosa”.

Um dos projetos mais ousados e complexos de Rennó, #RioUtópico levou a própria artista conhecida por ser uma fotógrafa que não fotografa a retornar ao trabalho com a câmera.

Parte da ideia original era pedir para moradores de 50 locais elencados pela artista por carregarem a ideia de utopia a realizarem fotos de seu entorno e enviarem ao IMS. A proposta de colaboração precisou ser, contudo, aprimorada. Para tanto, foram realizados workshops com mais de 50 participantes, organizados, a princípio, em parceria com a Agência Redes para Juventude.

Posteriormente, com a atuação do próprio setor educativo do Instituto, cinco jovens foram contratados, tornando-se estimuladores do projeto, indo às cerca de 50 localidades escolhidas, em um sistema de rodízio, e eles também realizando imagens.

“Em #RioUtópico, Rennó trabalha como uma voz organizadora, que compartilha a visão e convoca à participação, mesmo quando ela própria fotografa, coisa rara na carreira da artista”, explica Thyago Nogueira, curador e organizador da mostra. Colaborações são uma constante na carreira da artista, grande parte de seus trabalhos diz respeito a ressignificar fotografias ou mesmo objetos realizados por outros, em geral uma reflexão sobre a produção e circulação de imagens na sociedade.

Mapeamento da cidade do Rio de Janeiro é fio condutor da exposição.

Foi o caso de A última foto (2006), por exemplo, quando Rennó entregou câmeras analógicas a fotógrafos, pedindo que retratassem o Cristo Redentor, no Rio, cidade onde a mineira de nascimento vive desde 1990. Tanto as imagens quanto as câmeras foram então expostos, compondo um panorama da diversidade das máquinas analógicas e de estilos fotográficos. Com A última foto Rennó ainda tratou da mudança de paradigma analógico para o digital, além de discutir no catálogo da mostra o tem de direito autoral, já que a icônica imagem do Cristo Redentor pertence à arquidiocese do Rio.

Agora em #RioUtópico esse procedimento se radicaliza, tanto por se afastar do clichê da imagem turística carioca, quanto por abrir a possibilidade de colaboração com qualquer um que se dispusesse.

O resultado se dividiu em dois suportes: na mostra, que ficou em cartaz entre dezembro de 2017 e abril de 2018, e no extenso catálogo de 480 páginas que reuniu cerca de 500 das mais de mil fotografias coletadas e textos detalhados sobre a história de cada lugar _em geral iniciada como reassentamento de moradores retirados de favelas da zona sul ou como ocupação ilegal de áreas não edificadas.

A exposição foi ainda sendo construída no tempo, como um álbum sendo preenchido aos poucos, enquanto as imagens chegavam ao IMS. Um grande mapa da cidade foi plotado no piso do espaço expositivo, deixando nas paredes vazios a serem ocupados pelas imagens relativas às comunidades espalhadas pelo mapa.

No final da mostra, as imagens formavam um mosaico composto por dezenas de olhares, tanto de moradores, como dos participantes das oficinas, como da própria artista, sem hierarquia e mescladas.

Com tudo isso, Rennó revela as diversas camadas que compõem a utopia urbana do Rio de Janeiro para muito além do Corcovado e do Cristo Redentor por textos e imagens. A Vila Progreso, na Vila Kennedy, por exemplo, um assentamento não urbanizado com 58 mil m2 e cerca de 1.500 moradores, é retratada por Thais Alvarenga, em imagens com crianças brincando e ocupando as ruas do local. Como o projeto seguiu recebendo imagens ainda neste ano ele já abarca a malfadada ocupação militar no Rio, como em fotos da Vila Aliança, realizadas por Alan Lima e Danilo Verpa.

Assim, a fotógrafa que não faz mais fotos mas voltou a fotografar cria uma imagem do Rio de Janeiro mais para a distopia do que a utopia, um retrato de um país de esperanças prometidas e não cumpridas, um panorama ao final raro dentro do comportado sistema de artes visuais brasileiro.

Artigo: Lugares do Pensamento

Solón Robeiro, o arquiteto do sonho, 2016. Take do Vídeo desenvolvido em residência artística no museu Bispo do Rosário, arte Contemporânea

Por Tania Rivera*

Quando Paulo Herkenhoff, então diretor do MAR, me convidou para a curadoria da exposição que se chamaria Lugares da Loucura, preocupou-me o risco de este título reforçar a ideia de “loucura” como doença, como condição deficitária restrita a determinadas pessoas. Para relançar a questão com a arte, em um gesto político de suspensão de classificações excludentes e de reconhecimento do campo da “loucura” como uma complexa construção social, propus substituirmos o termo por delírio.

A curadoria levava-me, por esta via, a retomar algumas articulações teóricas fundamentais em minha trajetória. Foi a questão da psicose que me encaminhou de um doutorado em psicanálise para o estudo da arte, muitos anos atrás, em busca da caracterização de modos desviantes de construção do sujeito e da realidade. A noção de delírio foi muito importante nessa articulação, através da proposta de Freud de entendê-lo não como pensamento errôneo ou sintoma a ser eliminado, mas sim como reconstrução ativa da realidade por parte de alguém que a teria perdido devido a uma vivência de desestruturação grave. Delirar seria, neste sentido, um trabalho psíquico muito importante, que corresponde a uma tentativa de cura – e deve ser considerado, em minha opinião, como potência de criação de caminhos singulares na cultura.

Tal trabalho do delírio encontra portanto o campo da arte, que também propõe operações diversas de construção e transformação da realidade, convidando-nos a compartilhar novas configurações de sociedade, como explicita agudamente a produção artística mais recente. A intersecção entre “loucura” e arte deve hoje, portanto, ser tomada em chave política, afastando-nos das vias históricas de encontro entre elas no século XX pela idealização da primeira como “expressão” pura de um sujeito apartado da cultura (na ideia de “arte bruta” ou “outsider”) e na valorização da segunda como “terapêutica” nela mesma.

Mas como transmitir em uma exposição tais complexas elaborações conceituais? Como transformar tais ideias em uma proposta de experiência em dado espaço, com determinadas obras de arte? Esse era o desafio maior que Lugares do Delírio me colocava. Ele foi o guia, o ponto sensível, o problema que conduziu cada uma das ações curatoriais e levou-me a algumas elaborações que vou aqui rapidamente comentar.

A obra de Arthur Bispo do Rosário é, sem dúvida, aquela que mais diretamente evidencia a potência do delírio como reconstrução da realidade pela arte, e portanto, deveria ter lugar privilegiado na mostra. Mas como recortar sua obra infinita? De que forma se poderia ressaltar sua força de desvio e deriva, a presença movente do sujeito a refazer o mundo que nela se encarna? A resposta apresentou-se para mim de forma intuitiva, que só mais tarde desdobrou-se conceitualmente: diante de alguns trabalhos, no acervo do Museu Bispo do Rosário, decidi ter seus barcos como um dos eixos centrais da exposição, em torno do qual obras de outros artistas variados se espalhariam.

A escolha era um tanto delirante, talvez. Na seleção das demais obras de artistas variados, foram se apresentando muitos barcos, de forma surpreendente para mim, e eu os fui acolhendo. Inicialmente, como já disse, não havia justificativa teórica clara para a escolha das embarcações e durante a preparação da primeira versão da exposição, quando algum membro da equipe do Museu de Arte do Rio (MAR) me perguntava a razão de tantos barcos, eu respondia jocosamente que “no MAR… precisamos de barcos para não afundar”. Assim, eu tomava as palavras como coisas, como faz muitas vezes o delírio psicótico (e também a arte e a poesia). Apenas mais tarde, já na montagem da exposição, ficou patente a ligação dos barcos com a “nau dos loucos” na qual algumas cidades abandonavam seus loucos na Idade Média (como conta Foucault), assim como com a ideia de deriva (de Deleuze e Guattari) nos caminhos efêmeros e infinitos que o barco desenha na água, ou ainda a figura da jangada como frágil porém potente construção para aqueles que estão fora da linguagem, em Fernand Deligny.

O próprio conceito de delírio foi, assim, enriquecendo-se com esses objetos, recebendo novos predicados, outras articulações ao longo do trabalho curatorial concreto, do encontro com obras, artistas e o espaço expositivo. Em vez de consistir na aplicação de determinado conceito, a prática foi me levando a outras elaborações teóricas, em uma espécie de navegação sem trajeto predefinido, na qual o ponto de partida transforma-se a cada nova paragem.

O modo de disposição das obras no espaço foi o problema no qual o vai e vem entre prática e pensamento se desenvolveu mais fortemente. O desafio era claro e talvez fadado ao fracasso: como constituir uma “cena” delirante? Como fazer uma exposição que não fosse um discurso sobre o delírio, mas convidasse o público a experimentá-lo ativamente e de forma singular?

Preta com verde (da série Open House), 2007. Oxidação de emulsão ferrosa e óleo sobre madeira. Coleção do artista

A primeira ideia que me ocorreu foi que os diferentes objetos e esculturas deveriam se mesclar e contaminar, recusando a diferença entre artistas famosos e pouco conhecidos, entre obras inseridas no circuito convencional e trabalhos oriundos de instituições psiquiátricas. A aceitação da diversidade que a exposição tenta defender se concretizaria, assim, materialmente. Além disso, o contato entre diferentes trabalhos poderia eventualmente incitar novos olhares sobre eles – e assim expor Bispo ao lado de Cildo Meireles poderia reforçar a força conceitual do primeiro, por exemplo.

Radicalizando essa proposta, decidi recusar os suportes que habitualmente isolam cada obra e a expõem como fora do mundo à sua volta: a parede ou painel cenográfico no qual se fixa um quadro, o pedestal no qual se posiciona uma escultura. Decidi dispor as obras penduradas no ar por finos cabos de aço, a flutuar na arquitetura circundante, ou posicioná-las, em geral em grupo, sobre bases frágeis – mesas de pernas tão finas quanto possível e de alturas variáveis, dispostas de forma ramificada e complexa, de tal maneira que não há trajeto preferencial predefinido e cada um deve errar entre elas, traçando seu próprio caminho.

Só depois de ter tomado tal decisão percebi que ela punha em ato uma hipótese muito interessante sobre o delírio: a ideia de que ele recusa a superfície neutra de representação sobre a qual se inscreve cada objeto, isolado dos demais, em sua relação com determinada palavra. Uma vez rechaçada tal base da representação, cujo modelo seria o da folha de papel em branco na qual se inscreve algo, o mundo apresenta-se como palimpsesto, como contaminação de objetos e escritas múltiplas a se combinarem segundo o olhar – a leitura – de cada um de nós. Surpreendeu-me, então, atentar para o fato de que também a história da arte é marcada por estratégias diversas de construção de tal superfície e, pelo menos desde o início do século XX, de sua destruição, na tentativa de levar a arte para fora da representação e fazê-la reencontrar a vida (pulsante) e o mundo (sempre problemático).

Aos poucos, me dei conta de outra faceta, ainda, implicada no projeto expográfico: tratava-se da tentativa de pôr as obras em instabilidade, ou mesmo em movimento, à maneira do que se dava nas celas-ateliê de Bispo do Rosário enquanto ele estava vivo: as diferentes peças eram reposicionadas e às vezes modificadas por ele em um jogo complexo que Frederico Morais qualificou de “barafunda”. Sua dinâmica interna torna arbitrária a própria delimitação de cada elemento como “obra”, problematizando radicalmente as condições tradicionais de exposição. Buscando ativar tal dimensão – que passei a considerar como uma das características fundamentais do delírio –, minha tentativa foi de pôr virtualmente em movimento as obras, na sucessão de pontos de
vista de cada espectador
a passear entre elas.

O convite do Sesc Pompeia para acolher uma nova versão de Lugares do Delírio permitiu que tal proposta expográfica se expandisse e radicalizasse graças a sua singular arquitetura, diametralmente oposta à estrutura do “cubo branco”. Nesse espaço de convivência amplo e aberto no qual nenhuma superfície é neutra, em suas paredes de tijolinhos, seu lago serpenteante (como à espera de barcos que viessem habitá-lo) e sua continuidade com a área onde brincam as crianças, Lugares do Delírio parece mover-se em várias direções, no desdobramento de cenas múltiplas – de perto ou de longe, em suas panorâmicas e em seus cantos –, redesenhando-se em cada trajeto de cada espectador, no exato instante em que seu olhar transforma algumas obras e, para além delas – quem sabe? – talvez venha a mudar algo no mundo.


*Tania Rivera psicanalista, pesquisadora e curadora


Quando produzir nudes era um ofício profissional

Arquivo Fantasia, 2017. as folhas de contato p&b de hovland foram recriadas em animações de vídeo digital

Desde 1993, o brasileiro Maurício Dias e o suíço Walter Riedweg formam uma dupla artística, para a qual a ideia de parceria não se concretiza apenas no trabalho conjunto, mas, especialmente, em um tipo de trabalho que envolve também outras pessoas, coletivos ou comunidades.

É como se o método de trabalhar Dias & Riedweg se expandisse como uma necessidade vital e viral, incorporando sempre outros além deles próprios, uma abordagem praticamente única no cenário nacional das artes visuais, de egos tão inflados. Foi assim, só para citar um caso, com Os Raimundos, os Severinos, os Franciscos (1998), exibido na 24ª. Bienal de São Paulo, que envolveu porteiros e zeladores nordestinos da capital paulista.

Nunca são obras “participativas”, tampouco ilustrativas sobre o tema escolhido, mas uma espécie de aproximação afetiva, que seleciona momentos desses encontros e se formaliza de maneira muitas vezes encenada, próxima da ideia de uma obra de arte total, que acolhe o espectador em vários sentidos.

Em sua mais recente exposição, CameraContato, que esteve em cartaz na galeria Vermelho em abril e maio passados, pela primeira vez a obra de Dias & Riedweg se aproxima de outro artista, o fotógrafo norte-americano Charles Hovland (1954).

A obra de Hovland é surpreendente em si. Em um anúncio no tablóide novayorquino The Village Voice ele ofereceu seus serviços para fotografar as fantasias sexuais de interessados, nos anos 1980. Durante mais de 20 anos, Hovland retratou todos os tipos e representações de sexualidade de jovens e idosos, gordos e magros, ilustres e desconhecidos em seu estúdio em Manhattan, reunindo um arquivo de três mil rolos de filme PB, com as respectivas provas de contato.

Ainda nesse período, ele produziu mais de 450.000 cromos fotografando nus masculinos para revistas como Mandate e Honcho, sob o pseudônimo Chuck, trabalho que teve início a partir do convite de um de seus clientes. Além de fotógrafo, ele ainda é ativista de movimentos e organizações não governamentais na luta contra a AIDS, como ACT UP, ou seja, uma figura impar, mas protagonista hoje esquecido.

Foi a partir do imenso arquivo de imagens eróticas de Hovland, testemunha de um tempo de fantasia e desejo anterior às facilidades das câmeras digitais e dos nudes distribuídos em aplicativos de encontros, que Dias & Riedweg criaram CameraContato.

Em um momento quando instituições de arte são perseguidas por abordarem temáticas queer e museus se autocensuram para evitar ataques, a exposição foi um suspiro necessário frente à onda conservadora que ocorre no país.

A mostra foi composta por duas grandes instalações, Arquivo fantasia e Arquivo romance e subprodutos objetuais – fotos emolduras criadas a partir delas.

Em Arquivo fantasia (2017) as folhas de contato PB de Hovland foram recriadas em animações de vídeo digital, apresentadas em cinco vídeos verticais, com áudio das anotações do fotógrafo sobre seus modelos, lidas em voz alta por ele mesmo.

Arquivo romance (2018) projeta fragmentos de corpos nus retratados por Hovland mas vistos por um caleidoscópio, fragmentando assim as imagens eróticas, tornando-as às vezes visíveis, às vezes abstratas. Na mostra também foi exibido o filme Esperando um modelo, um documentário bastante subjetivo sobre Hovland em seu estúdio, um lugar bastante surreal cheio de pequenas coleções, de objetos religiosos a bonecas.

Assim, em CameraContato, a dupla apresenta pistas de uma história complexa, sobre um fotógrafo que retratava as fantasias sexuais de outros quando sexo se tornou sinônimo de morte com a Aids. Por isso, é uma mostra que, afinal, também fala de parcerias, cumplicidade e empatia, a estratégia central dos trabalhos das dupla.

Encontro garantido para os amantes da arte moderna e contemporânea latino-americana

A galeria SUR, de Montevideo, que costuma frequentar a sp-arte em São Paulo, detém um dos maiores acervos do artista argentino Antonio Berni (1905-1981). Nesta ocasião, exibiu um de seus trabalhos fundamentais, Incendio en el barrio de Juanito, de 1961. A pintura com chapas da série de Juanito Laguna (personagem criado pelo pintor para retratar a historia cotidiana de uma criança da favela) e participou, inclusive, da Bienal de Veneza de 1962, onde obteve o Gran Premio de Grabado y Dibujo.

Na Argentina, vários programas de capital público e privado colaboram com os projetos de aquisição dos museus. No caso, através do mAtcHinG Funds ArtebA – bAnco ciudAd,  el Museo Municipal de Bellas Artes de Tandil comprou a obra Rizoma (2017), Carolina Antoniadis, na Galeria Diego Obligado de Rosario. O Museo de Arte Contemporáneo de Salta adquiriu duas obras: La Plata de Agustín Sirai, na galeria Miranda Bosch, e I Fiori, da serie Kabuki, de Chiachio & Giannone. Esta última é um bordado à mão sobre lenço, de 2005, e foi adquirida na galeria Ruth Benzacar. Finalmente, o Museo de Arte Contemporáneo del Sur de Lanús ficou com Niña Argentina (2017), de Nora Iniesta, da Galería del In nito, e Soñar el Sueño, do artista Juan Andrés Videla, da Galería Jorge Mara.

O Programa Federal de Museos permitiu a aquisição de obras ao Museu Provincial de Bellas Artes Franklin Rawson, de San Juan. O museu escolheu uma obra de Elba Bairon, Sem Título, de 2017, feita de pasta de papel e pô de mármore. A Universidad Nacional de Tres de Febrero (UNTREF) comprou uma série de 8 óleos sobre tela, de 32 x 26 cm cada um, com retratos de livros realizados pelo artista Carlos Huffman, na galeria Ruth Benzacar.

O Museo de Arte Contemporáneo de Buenos Aires (Fundación Aldo Rubino) escolheu, na galería Maman Fine Arts, a obra Tony Donald (1965) de Luis Wells. Na galería Revolver, obra de 2018 de Martina Quesada, Letting the light back in, e a obra de Pablo Accinelli, Relación concreta, na galeria Luisa Strina.

O Museo Lucy Mattos, de San Isidro, participou pela primeira vez do  Programa Federal de Museos e levou para sua coleção Arbol Natural (2018), de Abel Rodríguez, um acrílico sobre papel. Instituto de Visión y Dama de Cao (2017), S/T da artista Silvana Pestana da galería Ginsberg de Lima, realizada em cerâmica e metal com medidas variáveis.

O Museo Castagnino+macro, de Rosario, se soma ao Programa Federal de Museos e adquire duas obras: uma instalação de Nina Kovensky, Realidad disminuida, da galeria El Gran Vidrio, de Córdoba, e a obra E lucevan le stelle (1988), de Juan Pablo Renzi, uma obra guache e acrílico sobre papel, da galeria Henrique Faria Buenos Aires & New York.

O Museo de Arte Latinoamericano de Buenos Aires (Malba) adquiriu três trabalhos do fotógrafo Leandro Katz e um de Teresa Margolles. No momento, o diretor artístico do museu, Agustiín Perez Rubio, deixa o cargo para voltar a seu país de origem, a Espanha (leia entrevista com ele clicando aqui). O Hotel Meliá Recoleta Plaza adquiriu nesta edição dois vídeos: Faces (2016), da artista brasileira Lia Chaia, na Galeria Vermelho, e Cámara (2017), de Elena Dahn,  na Maria Casado, produzida por celular como parte de exibição da artista em 2017.

Com o apoio da Agencia Argentina de Inversiones y Comercio Internacional, arteBA levou curadores e diretores de museus para que adquirissem obras de artistas argentinos para sua coleção.

Pablo León de la Barra, curador do Guggenheim Museum, de Nova York, adquiriu, na galeria Isla Flotante, obra da artista Mariela Scafatti, Ppink (2015). A artista foi revelação em Miami Art Basel 2017, ganhando, aos 44 anos, o BMW Art Journey por sua instalação Handcuff SecretsSecretos de esposas.

José Luis Blondet, curador de projetos especiais do Los Angeles County Museum of Art (LACMA), escolheu a obra Letters to Earth do artista argentino Eduardo Navarro, na galeria brasileira Nara Roesler, de São Paulo. A obra se compõe de 100 nozes de bronze que contêm partes de noz real em seu interior. Essas “cápsulas” permitirão que o fruto se conserve intacto por 3000 anos. Faz parte do contrato de aquisição “se comprometer a enterrar as nozes após 100 anos” em distintos pontos do planeta.

A curadora do Dallas Art Museum, do Texas (EUA), Katherine Brodbeck, escolheu duas obra do León Ferrari para a coleção do museu.

Lourdes Ramos, Presidente do Museum of Latin American Art (MOLAA), de Long Beach (EUA), levou obra de Matías Duville, In nito Red Sunset, sanguina sobre papel, da galeria Barro Arte Contemporâneo.

O MALI (Museo de Arte de Lima) selecionou uma obra s/t, de acrílico sobre tela, da Serie Erótica, de Marta Minujín, na Henrique Faria Buenos Aires & New York.

O diretor do Museo de Arte Contemporáneo de Barcelona (MACBA), Ferran Barenblit, somou à coleção do museu três obras de Magdalena Jitrik, da galeria Luisa Strina: The end, the end, the beginning, Letter Building, e Temple.

Patrick Charpenel, atual diretor do Museo del Barrio e integrante do Comité de Seleção de Cabinet IRSA, levou vários números e selos da publicação Ovum e Ovum 10, do artista uruguaio Clemente Padín, na galeria Walden. As edições possuem obras originais, arte de selos e colagens com contribuições de nomes como Michael Gibbs, Tim Ulrichs, Robin Crozier, Raúl Marroquín e Horacio Zabala. Outros dez números de Ovum 10 contêm artigos de poesia concreta e visual.

Mariela Scafatti, também foi escolhida por Jo Fernandes, subdiretor do Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía, de Madrid, com a obra Caballetes (2015). O Reina Sofía comprou, ainda, uma obra do Instituto de Visión de Bogotá, Joy in Paperwork, Al papeleo, alegría, da artista, também argentina, Amalia Pica (2016).

O imaginário de Jennifer Tee

Jennifer Tee, performance Let it Come Down, 2017. Em parceria com a coreógrafa Miri Lee

Nadja é um dos romances ícones de André Breton, datado de 1962. A personagem é sua suposta amante e prostituta, que empresta o nome ao livro. De acordo com Jennifer Tee o lema de sua arte é “alma no limbo”. A protagonista do romance também afirmava: “Eu sou a alma no limbo”. Quem sabe o que é uma alma? Esta questão amarra uma das últimas exposições de Jennifer Tee, holandesa, que estará na 33ª Bienal de São Paulo, em setembro próximo, com trabalho ainda não definido. A artista trabalha com esculturas, tapeçarias, performances, objetos espalhados pelo chão, suspensos no ar, leituras, performances, mas mantendo espaço para que o público circule e viva seu estado de limbo.

Ao se apropriar da literatura ocidental, Jennifer, mais uma vez, reforça seu processo criativo destacando um território multicultural híbrido, construído a partir de necessidades, o que pode até ser The Soul in Limbo, um tema recorrente. O conceito de limbo não é interpretado apenas por uma porção espacial, mas por uma relação complexa e pode ter diferentes interpretações. Jennifer Tee também usa esse conceito em suas colagens de pétalas de tulipas secas, que são símbolos de sua própria origem de diáspora. Nascida em 1973, em Arnhem, Holanda, com mãe de ascendência inglesa e holandesa, avô e bisavô ex-plantadores de tulipas. Seu pai, indonésio, foi para a Holanda de navio e toda essa história reflete fortemente em seu imaginário. Jennifer Tee pode ser aparentemente frágil, mas seu trabalho deixa transcender com muita força e energia sua personalidade, especialmente nas leituras e performances coreografadas que costumam atrair jovens, artistas ou não.

Jennifer faz uma negociação contínua entre ideias esotéricas e a materialidade dos objetos, trabalhando muitas vezes com artefatos e símbolos culturais. “Gosto de trabalhar com materiais que sempre tenham uma presença e que também contenham um significado cultural”. Seu pensamento se move entre as filosofias orientais e a cultura ocidental e, ao se deslocar de uma margem a outra, nesse navegar contínuo, muitas vezes, mergulha em textos literários com influência da teosofista Helena Blavatsky e os artistas Wassily Kandinsky e Hilma af Klint.

Jennifer Tee não é somente uma intérprete, ela pesquisa o artesanato, escultura, performance e colagem, para chegar a conceitos de patrimônio cultural. Seu universo se divide em uma parte mais pessoal em que se dedica às pétalas de tulipas e às instalações de palco que examinam uma fusão de conceitos sobrenaturais orientais e ocidentais, incluindo ocultismo e taoísmo. “Eu descobri que se eu fizesse colagem com essas pétalas, elas pareceriam uma tecelagem. Cheguei a um padrão que pode ser reconhecido em outras culturas, há similaridades”.

Ao reunir narrativas díspares, propõe união dos artistas e se coloca contra as noções de individualismo e separação defendidas pela modernidade ocidental, que enfatiza a autonomia do artista e a suposta falta de propósito das obras de arte. Ao contrário, ela prioriza, especialmente, a experiência coletiva e a superação ou destruição das fronteiras.

Suas instalações estão mergulhadas em espiritualidade esotérica, celebrando todas as conotações que vêm do artesanal, criando objetos talismânicos que sugerem a presença humana ao seu redor. Suas peças de parede de cerâmica, algumas com nomes como Tao Magic, têm formas e superfícies que lembram algo entre o astrológico e o geológico.

Em sua exposição no Camden Arts Centre, Let it Down, título retirado de um livro de Shakespeare, ela criou uma performance com dançarinos contemporâneos que atuam sobre as esculturas executadas em cristal, colocadas no chão. “ Usei peças sobre o piso como plataformas para explorar a alma no limbo e para ter coreografias e então os objetos no espaço se tornem ativados”, explica Jennifer Tee. A artista usa o cristal porque é uma superfície que pode se multiplicar.

Trienalle di Milano de 2017 recebeu mostra sobre migrações que vão além da arte

"Hope", Adel Abdessemed. Foto: Gianluca Di Ioia

Enquanto a 57a. edição da Bienal de Veneza evita questões atuais, não muito distante de lá, um dos ex-curadores da mostra, o italiano Massimiliano Gioni, apresenta, em Milão, La Terra Inquieta, uma ampla investigação sobre artistas e trabalhos que abordam a problemática dos refugiados, um dos pontos nevrálgicos dos países europeus e dos Estados Unidos há décadas.

A exposição, em cartaz no edifício da Triennale di Milano, reúne 70 participantes, em sua maioria artistas, mas também trabalhos afins, como dos quatro fotógrafos que receberam o prêmio Pulitzer em 2016 por imagens feitas para o The New York Times, caso de Daniel Etter, Tyler Hicks, Sergey Ponomarev e do brasileiro Mauricio Lima.

A presença de fotojornalistas aumenta a temperatura da exposição, já que seus autores retratam cenas atuais, como na imagem de centenas de imigrantes acompanhados pela polícia para o registro em um acampamento na Eslovênia, em 2015, realizada pelo russo Ponomarev. Naquele ano, 764 mil migrantes da Síria, Iraque e Afeganistão atravessaram a chama rota dos Balcãs Ocidentais, um recorde até então, acompanhado de perto por Ponomarev e Lima, em um projeto conjunto.

No alto, “Mapa Mundial” de Alighiero Boetti, abaixo “Mar Morto” , de Kader Attia. Foto: Gianluca Di Ioia

Por outro lado, Gioni selecionou também fotógrafos hoje vistos como “históricos”, caso dos norte-americanos Augustus Sherman (1865 – 1925), Lewis Wickes Hine (1874 – 1940) e Dorothea Lange (1895 – 1965), todos trabalhando no registro documental. Sherman retratava imigrantes que chegavam aos Estados Unidos, Hine destacou-se por denunciar o trabalho infantil e Lange por abordar migrantes durante a Grande Depressão, nos anos 1930.

Com isso, o curador dá um caráter perspectivo à crise dos refugiados, relembrando que fluxos migratórios são constantes na história humana, como se vê também na série de capas do jornal italiano La Domenica del Corrieri que, em 1901, retratava em ilustração a migração italiana rumo aos EUA, tema constante da edição de domingo do diário.

La Terra Inquieta chega ainda a ganhar um tom dramático quando se vê o acervo reunido pelo Comitato 3 Ottobre, uma associação sem fins lucrativos de Lampedusa, a ilha italiana ao sul da Sicília. Foi lá que, em outubro de 2013, uma embarcação com 520 imigrantes afundou, provocando a morte de 368 pessoas.

Criado para dar suporte legal e humanitário aos imigrantes que buscam entrar na Europa, o Comitato exibe em Milão objetos dos refugiados mortos no naufrágio, assim como os pertencentes a outras 52 vítimas de sufocamento em um barco que saiu do Egito, em 2015. Dispostas em vitrines como peças de arte, contudo, esses objetos – celulares, bolsas, documentos – tornam-se por demais museificados, sendo evidente que outro dispositivo expositivo poderia ser menos fetichizante.

Mas o display não compromete a mostra, que reúne muitas obras de arte que abordam a questão das migrações e fronteiras tanto em trabalhos recentes, como em peças já emblemáticas, caso do Mapa Mundial de Alighiero Boetti (1940 – 1994), realizado por tecelões afegãos a seu pedido, com o seguinte texto bordado na margem: “Paquistão no outono de 1992 este novo mundo instável e ainda mais racionado e pulverizado”.

A obra histórica torna-se mais eloquente com a instalação Mar Morto (2015), de Kader Attia, exibida à sua frente e composta por dezenas de roupas dispostas, como a lembrar os corpos mortos no Mediterrâneo nas últimas décadas.Assim sucedem-se os trabalhos de arte, alguns mais explícitos em relação à temática da mostra, outros mais poéticos, como Static (2009), de Steve McQueen, um curta realizado em torno da Estátua da Liberdade, o local onde milhares de migrantes chegaram aos Estados Unidos, ou então Western Union: Small Boats (2007), uma videoinstalação de Isaac Julien que já há dez anos atrás abordava a Sicília como porto de imigração.

Outro dos trabalhos mais sensíveis da mostra é a instalação de Francis Alys, Don’t cross the Bridge Before You Get to the River (2008), uma colaboração com crianças dos dois lados do estreito de Gibraltar, o canal que separa África e Europa por apenas 13 quilômetros em seu ponto mais curto. Na obra, crianças de Tanger, no Marrocos, e Tarifa, na Espanha, criam barcos de sandália de plástico com o objetivo de criar uma ponte humana entre os dois continentes, uma ação que trata mais de esperança do que realidade.

Enquanto tragédias como as mortes do naufrágio em Lampedusa se sucedem, ao menos obras de arte são capazes de permitir algum tipo de otimismo no meio do caos do começo do século 21.

Junho de 2013 – Reflexões sobre a multidão

Foto: Camila Picolo

Por Fernanda Cirenza

Orecado veio das ruas e deixou todo mundo atônito diante da torrente de insatisfações que tomaram conta do País. O momento era inesperado, ao se considerar a expectativa da Copa das Confederações e os indicadores sociais e econômicos. A taxa de desemprego é de 5,8%, a menor desde 2002. A distribuição de renda melhorou significativamente nos últimos 15 anos. Os investimentos em educação aumentaram, assim como os de saúde. A expectativa de vida do brasileiro também subiu, enquanto houve queda nos índices de mortalidade infantil. Em março, pesquisa CNI/Ibope apontou 63% de aprovação do governo da presidenta Dilma Rousseff. No entanto, não foi apenas o futebol que ocupou o interesse popular. O Brasil queria, pediu e continua pedindo mais, motivado pelo desgosto com problemas crônicos que não amenizam com a boa condição do País.

Confira a nossa página sobre as manifestações de 2013 

Luiz Eduardo Soares (antropólogo, cientista político, escritor e professor da UERJ) escreveu em seu blog (http://www.luizeduardosoares.com/hora-zero-no-relogio-popular/): “A massa rompeu expectativas e a tradição de apatia, e inventou um movimento que será, por suas lições e seus efeitos, o verdadeiro legado às gerações futuras. A narrativa passou a ser escrita, nas ruas e nas redes virtuais, por milhões de mãos e vozes, desejos e protestos, inscrevendo seus autores na cena global, em diálogo com outras praças, outras multidões, outras lutas. A sociedade virou o jogo.”   

De fato, a pressão popular fez algumas conquistas pontuais, a começar pela revogação do aumento das tarifas dos transportes públicos em diversas cidades – aliás, a reivindicação inicial promovida pelo Movimento Passe Livre (MPL) em São Paulo, que, segundo o próprio, é social e apartidário. Na sequência, o governo do Estado de São Paulo brecou o aumento do preço dos pedágios. No Planalto Central, questões complexas começaram a ser discutidas. Primeiro, derrubou-se a polêmica PEC-37, que, a grosso modo, limitava os poderes do Ministério Público de investigação criminal.

Depois, o Senado ratificou, em caráter emergencial, o projeto que poderá tornar a corrupção crime hediondo. O Judiciário também trouxe resposta ágil, determinando a prisão de Natan Donadon, o primeiro deputado federal a ser detido em pleno exercício do cargo desde a Constituição de 1988 – ele foi condenado a mais de 13 anos pelos crimes de formação de quadrilha e peculato.

A presidenta Dilma Rousseff abriu-se para o diálogo e propôs um pacto nacional com cinco itens – responsabilidade fiscal nas três esferas de poder, pacto pela saúde, transporte público e educação, e reforma política por meio de um plebiscito. Em encontro inédito e histórico, Dilma convocou 27 governadores e os prefeitos das 26 capitais para debater os temas, a maioria deles ainda em discussão e, provavelmente, assuntos que estarão na pauta política dos próximos meses. Os partidos de oposição ao governo reagiram, classificaram como “manobra diversionista” a proposta do plebiscito. Na avaliação do PSDB, do DEM e do PPS, o governo está “criando subterfúgio para deslocar a discussão dos problemas reais do País”.

Em meio a tanta informação, houve vozes de alerta. No blog Mídiafazmal (http://midiafazmal.wordpress.com/), de Marilene Felinto (escritora, tradutora e ex-colunista da Folha de S. Paulo), a filósofa Marilena Chauí escreveu: “Convém lembrar aos manifestantes que se situam à esquerda que, se não tiverem autonomia política e se não a defenderem com garra, poderão, no Brasil, colocar água no moinho dos mesmos poderes econômicos e políticos que organizaram grandes manifestações de direita na Venezuela, na Bolívia, no Chile, no Peru, no Uruguai e na Argentina. E a mídia, penhorada, agradecerá pelos altos índices de audiência”.

Enquanto isso, a presidenta Dilma insistiu no diálogo como forma de gestão e convocou reuniões também com movimentos populares. O sociólogo Manuel Castells, em entrevista à revista IstoÉ (que, posteriormente foi amplamente compartilhada nas redes sociais), cravou: “Dilma é a primeira líder mundial a ouvir as ruas”. Castells falou mais: “Ela mostrou que é uma verdadeira democrata, mas está sendo esfaqueada pelas costas por políticos tradicionais”. Não é pouca coisa, ao se observar como reagiram recentemente governos que passaram por pressões semelhantes.

Foto: Luiza Sigulem

Na Etiópia, em encontro com lideranças mundiais que discutiam o combate à fome, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também falou sobre os protestos que se espalharam pelo Brasil e disse que as manifestações, em parte, são resultado do que foi feito no Brasil nos últimos dez anos: “Feliz é o povo que tem liberdade de se manifestar. E mais feliz ainda é o país que tem um povo que se manifesta e vai para as ruas querendo mais”.

Em entrevista exclusiva a Hélio Campos Mello e Luiza Villaméa, respectivamente diretor de redação e repórter especial da Brasileiros, publicada a seguir, Lula reafirmou que não se lançará candidato à Presidência em 2014. “Dilma é uma excelente presidenta da República. Conheço muita gente neste País. Conheço muito político neste País. E conheço pouquíssimas pessoas com a competência da Dilma. Portanto, ela será a minha candidata em 2014. E eu serei seu cabo eleitoral. É isso que vai acontecer.” 

As manifestações também vivenciaram a reação truculenta da polícia e de atos de vandalismo. Dezenas de pessoas foram presas. Confrontos foram registrados em vários pontos do País, resultando em mortes. Um saldo lamentável e trágico da discussão democrática. Ainda há um longo caminho a ser percorrido. O debate agora não tem a menor possibilidade de recuo. Ainda bem.

Nas próximas páginas, além da entrevista exclusiva de Lula à Brasileiros, você vai ler a opinião de Nina Cappello e Vitor dos Santos Quintiliano, representantes do MPL, diante dos acontecimentos. Especialistas, estudiosos e formadores de opinião também analisam os episódios de junho. Os artigos estão publicados em ordem alfabética, considerando-se o nome dos autores. O momento pede reflexão.

Revolta solidária

A Revolta do Buzu Protesto de 2003 na Bahia inspirou movimento
A Revolta do Buzu Protesto de 2003 na Bahia inspirou movimento. Foto: Marcelo de Troi

Por Antonio Risério*

primeira coisa que digo às pessoas da minha geração (por volta dos 60 anos de idade), com relação às manifestações pela tarifa zero no sistema público de transporte, é: parem de ser nostálgicos e de idealizar seu próprio passado. Porque as pessoas usam 1968 como critério. É uma tolice. Naquela época, embora nos achássemos “marxistas”, alimentávamos socialismos utópicos. Hoje, a conversa é outra. A luta não é explicitamente contra a “ditadura dos patrões”, como a POLOP gritava na década de 1960.

Se meus amigos de esquerda, teleológicos ou escatológicos, não entendem o que está acontecendo, menos ainda nossos governantes, independentemente de suas posições no tabuleiro ideológico de nossos dias. Claro que eu jamais esperaria qualquer coisa de Geraldo Alckmin. Aquilo é um direitista incorrigível. Direitista, provinciano e incapaz até dos voos mais rasteiros do pensamento. Mas Fernando Haddad parecia pássaro de outra plumagem. Pelo visto, não é. Ele não tinha de ficar “monitorando” as coisas desde Paris. Tinha de ter tomado um avião e ido para as ruas encontrar a garotada. Longe disso, Haddad se revelou um hesitante, quase um banana. Ficou mais parecido com Alckmin do que com o estudante que ele foi, nos tempos do Largo de São Francisco.

Deitado no sofá da sala à meia-noite, em busca de um improvável sono, zapeando canais de televisão, vejo um primeiro horizonte. Um documentário sobre o que está acontecendo na Turquia. É engraçado. Há mais ou menos um ano, eu tinha uma boa dose de admiração pelo primeiro-ministro turco, com aquele nome que mais parece marca de remédio: Erdogan. Achava que Erdogan conduzia o país no caminho da democracia, seguindo o velho Kemal Atatürk. Mas me enganei. Arrogante e autoritário, ele começou a promover uma islamização da Turquia. A peça mais reacionária possível.

Em Ancara e Istambul, a população se revoltou. Não é um movimento que tenha se espraiado pelo país. É um lance essencialmente urbano, centrado nas duas principais cidades turcas. E o que vejo no documentário: pessoas de várias idades – mas, sobretudo, jovens – que, em vez de gritar palavras de ordem contra a islamização, dizem que a cidade é deles e não de Erdogan, do Islã ou de qualquer ditadura: “Istambul é nossa!”. Esta é a coisa mais profunda que um cidadão pode dizer: a cidade é minha, a cidade é nossa. E logo em Istambul, um dos lugares mais lindos do mundo.

E é justamente isso o que sinto que moradores de São Paulo estão dizendo: “São Paulo não é dos empresários de ônibus e dos políticos que eles bancam (juntamente com o setor imobiliário) – São Paulo é nossa”. O que essa garotada quer, com o apoio de muitos mais velhos, é o direito constitucional de ir e vir. O direito de se deslocar, de se mover. Em suma: o direito à cidade. Se cada cidade do planeta se manifestar assim (Barcelona é nossa! Berlim é nossa! São Paulo é nossa!), o mundo muda.

Pouco importa que o ponto de partida seja a passagem de ônibus? Não. É significativo. É por onde a população se move. Claro que a barra ainda é mais pesada do que se pensa: segundo o IBGE, 37,3% dos habitantes do Brasil andam a pé, por não terem dinheiro para andar de ônibus, trem ou metrô. É um índice altíssimo. Anda mais gente a pé, no Brasil, do que em transporte coletivo (29,1%) ou carro individual (30,4%). Querem maior atestado de exclusão? E essa luta é antiga. Há quase uma tradição, no País, da população protestando contra aumentos no preço das passagens. É que isso aqui é um país de gente muito pobre, ao contrário do que dizem tantas propagandas públicas e privadas.

Houve um quebra-quebra baiano em inícios da década de 1980, quando centenas de ônibus foram incendiados, em 1981, por causa do aumento abusivo na passagem. E o jornalista Gonçalo Junior me lembra de que o Movimento Passe Livre, que hoje toma as ruas de São Paulo, nasceu na Bahia. Lê-se na internet: “A revolta popular que originou o Movimento Passe Livre aconteceu em Salvador, capital da Bahia. Em 2003, milhares de jovens, estudantes, trabalhadores e trabalhadoras fecharam as vias públicas protestando contra o aumento da tarifa. Durante dez dias, a cidade ficou paralisada. O evento foi tão significativo que se tornou um documentário, chamado A Revolta do Buzu. As mobilizações tiveram fim quando entidades estudantis tradicionais (como a UNE e a UJS) se colocaram como lideranças da revolta que não haviam iniciado e foram negociar com a Prefeitura em sala fechada”. Fala-se, então, de uma espécie de traição feita por “entidades estudantis tradicionais”, coisa que também ajuda a entender a movimentação de agora, em sua recusa de velhas normas e canais.

Acho apenas ridículo quando me dizem que a garotada que luta contra o aumento da tarifa não precisa pegar ônibus ou metrô. É uma garotada classe mediana, motorizada. Se isso é verdade, melhor ainda. Significa que a juventude brasileira de classe média está recuperando, enfim, sua noção de solidariedade, que parecia irremediavelmente perdida. Lembro então aos saudosistas que, na década de 1960, lutávamos até por reforma agrária. E nenhum de nós tinha sequer um palmo de terra fora dos muros da cidade. Eu costumava dar esse exemplo para falar de uma solidariedade que julgava não mais existir. E agora me vejo na feliz obrigação de retirar o que dizia. É simplesmente maravilhoso que jovens privilegiados lutem pelo direito de todos se moverem gratuitamente em nossos espaços urbanos.

Acho ridículo quando dizem que a garotada classe média que luta contra o aumento da tarifa não precisa pegar ônibus ou metrô.

Se é verdade, melhor ainda

Agora, que ninguém pense, também, que a grande questão nacional é o preço da passagem em nossos sistemas supostamente públicos de transporte. Não é. A insatisfação é bem mais generalizada. Talvez a gente possa falar de uma espécie de insatisfação difusa, disseminando-se pelo conjunto da sociedade. Uma insatisfação geral com o País depois das celebrações narcísicas do “take of” anunciado pela Economist, em 2010. É na pauta dessa insatisfação, de resto, que ouço a vaia em Dilma Rousseff no estádio Mané Garrinha, em Brasília, na abertura da Copa das Confederações. Claro que nós, brasileiros, sempre gostamos de vaiar autoridades. Há um desrecalque sociologizável nisso. Mas não foi só. A vaia em Dilma expressou uma reação de alta classe média contra a situação atual do País. Situação atual que também mobiliza o protesto de estudantes e trabalhadores, com apoio de donas de casa.

Continuamos com desigualdades sociais escandalosas. O fantasma da inflação ronda feiras e “supermercados”. O dinheiro é pouco. Mas há a enxurrada de milhões de reais na corrupção dos políticos. A gastança do governo. E o esbanjamento em função de uma Copa das Confederações que será seguida por uma Copa do Mundo. Em Belo Horizonte, no dia de um jogo medíocre (Nigéria e Taiti), milhares de manifestantes tentam se aproximar do Mineirão, com balões amarelos, cartazes e faixas. Querem dinheiro para a saúde, por exemplo. Querem dinheiro para atender às necessidades básicas e reais da população.

Mas há mais. O Brasil parece querer uma nova hora e um novo senso do fazer político. José Dirceu percebeu isso, publicando artigo sobre o assunto. Diz ele que é hora de os governos do PT mudarem sua forma de se comunicar e se abrirem para novos projetos políticos. Mas se há uma coisa que essas manifestações deixam para trás são a ronda de fantasmas como Dirceu. E se os governos se abrirem para as novas formas da política, que agora se esboçam nas ruas, vão ser subvertidos em todas as direções e até mesmo desde dentro. Haddad, por exemplo, vai ter de ser outro cara em São Paulo e não o prefeito canônico e tradicional que tem sido até aqui.

Mas vamos ampliar o foco. O Brasil, hoje, parece um país triplamente acomodado. Acomodado no âmbito governamental. Acomodado no terreno de sua oposição política. Acomodado no conjunto da sociedade. “Acomodado” no sentido da carência de uma nova visão estratégica e de projetos correspondentes. É preciso reencontrar o rumo da transformação. E quem sabe essa meninada nas ruas nos ajude a fazer isso: recuperar a ambição nacional, no sentido mesmo do clichê de ser um país menos injusto e que possa se ver como nação plena.


Mestre em Antropologia pela UFBA, poeta, compositor e autor dos livros Avant-Garde na Bahia e A Cidade no Brasil