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A maior performance da História do Brasil

Um sentimento intenso de cumplicidade permeou os que participaram da ação performática. FOTO: Felipe Campos Mello

Dia 28 de outubro, segundo turno das eleições. O mesmo dia dramático que elegeu um presidente impulsionado por informações falsas foi palco da maior performance coletiva na história do país: centenas ou milhares de pessoas — é um movimento impreciso — saíram de casa para votar com um livro na mão.

Não se sabe de onde veio a ideia, há que diga que foi o cantor Criolo o primeiro a sugerir – ele foi votar com Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa -, mas o fato é que o livro aca- bou se tornando o símbolo silencioso de quem se opunha ao candidato das armas. Nos anos 1970, Marina Abramovic resumia em três as orientações de como uma performance deveria se desenvolver: sem ensaio, sem duração determinada e sem repetição. O que ela e os artistas daquela época queriam era evitar a representação, a encenação, criando ações que fossem experiências reais, tornando a arte uma vivência sem mediação. A votação com livros foi uma ação que obedeceu a todos esses princípios. Senti a necessidade de sair com o livro, sem saber muito o que fazer com ele no percurso da votação, mas logo que me aproximei do colégio onde voto, na Vila Madalena, em São Paulo, percebi que muitos outros me acompanhavam. O sentimento de cumplicidade foi intenso. Não troquei palavras com ninguém, não parecia necessário, mas dei e recebi olhares afetivos, sorrisos constantes, sinais de cabeça positivos. Foi emocionante. Não houve gestos exagerados, tudo foi comedido, como uma coreografia a que, mesmo sem ter sido prevista, ocorria de forma natural. Como em um coro, afinal, a impressão era que junto como Vida Capital, de Peter Pal Pélbart, o livro que escolhi, eu não estava isolado, mas participava de uma sinfonia pela afirmação de valores humanistas e a rejeição ao fascismo. Caminhar com um livro se tornou um ato transgressor.

 

 

Cada um ou cada uma que encontrei levava o livro de uma forma. Alguns segurando o livro no peito, deixando claro quem estava homenageando, outros com uma rosa no meio da publicação. Muitos postaram a foto nas redes sociais, alguns com o comprovante de votação, outros em família.

Como nas performances dos anos 1970, a foto com o livro se tornou o registro de uma ação que não pode ser esquecida e que passa a ter tanta importância como a ação em si. Como não houve ensaio, cada um fez como pode e como quis, totalmente performático. Alguém ainda criou a hashtag #bibliografia- 28outubro2018, creio que foi Daniela Name ou Jorge Menna Barreto, para marcar os posts no Instagram e no Facebook de quem participou da performance.

São muitos os marcados, desconhecidos e famosos, especialmente atores e atrizes como Camila Pitanga, Denise Fraga, que votou com Teatro Completo, de Bertolt Brecht, Silvia Buarque, com Raízes do Brasil, de seu avô Sergio Buarque de Hollanda, ou Deborah Secco com A vida como ela é, de Nelson Rodrigues, para citar apenas três casos.

Alguém ainda propôs que os livros fossem doados ao Museu da Maré, aos cuidados de Luiz Antonio Oliveira (avenida Guilherme Maxwell, 26, Maré, Rio de Janeiro, Cep 21.040-212). É uma linda iniciativa, eu gostaria de fazer, mas o autógrafo pessoal do Peter no livro me impede. Penso comprar outro igual para mandar.

Há pelo menos 20 anos acompanho a cena da performance, assisti a dezenas delas, incluindo a histórica “A artista está presente”, de Abramovic no MoMA, em 2010, mas nunca havia realizado uma. Ter levado o livro para votar foi um dos momentos mais livres da minha vida. De usar meu corpo como resistência e constatar que tantos outros estavam na mesma sintonia.

Agora, quando vejo alguém na rua caminhando com um livro, e essa situação tem sido muito recorrente, inclusive de muita gente lendo livro enquanto caminha, chego a ter a sensação de que o dia 28 ainda não acabou, e que a performance ainda não se encerrou. Em verdade, tenho certeza que ela vai continuar.

 

Debate sobre gestão aponta para união do segmento cultural como estratégia

Encontro Novas Estrategias Gestao Cultural Painel Advocacy por Jean Paz
Encontro Novas Estrategias Gestao Cultural Painel Advocacy por Jean Paz

O Centro de Pesquisa e Formação do Sesc desenvolveu painéis de discussão sobre a gestão cultural no país e atividades práticas. O evento foi uma parceria entre Sesc São Paulo, Santa Marcelina Cultura e Consulado Geral dos Estados Unidos da América, com consultoria de Cláudia Toni.

A arte enquanto transformação

Danilo Santos de Miranda, Diretor do Sesc São Paulo, iniciou o painel apontando para o momento político e econômico brasileiro em que evidenciam-se questões sobre cultura e gestão. Ainda que hajam intenções, formulações, ativismo global atuações do campo da cultura, Danilo explica que não há um projeto claro para a cultura na pauta de discussão. “Os recentes candidatos raramente abordaram o tema ou deram a ênfase necessária”, lamenta.

Para ele, é preciso observar como transformar os ímpetos em estratégias de ação no dia a dia, além de colocar a união das instituições enquanto fundamental para que os agentes sociais percebam a potência que há na cultura.

De acordo com a última pesquisa BISC (Benchmarking do Investimento Social Corporativo), 20% do investimento social das empresas vai para Arte e Cultura. O Censo Gife, aponta que mais da metade de seus associados (51%) mantém ou apoia projetos na área de Arte e Cultura. Paula Fabiani, diretora-presidente do IDIS (Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social) comenta que os percentuais de origem empresarial ou de institutos e fundações se mantém estáveis.

Entretanto, os doadores individuais brasileiros, como mostra a Pesquisa Doação Brasil, preocupam-se com questões que pareçam mais concretas e ligadas ao seu dia-a-dia. Saúde, crianças, idosos, fome e pobreza, por exemplo, têm mais apoiadores. Isso significa que a cultura brasileira não estabelece a relação direta entre tais questões e a influência direta da arte e cultura.

Os participantes da mesa colocaram a cultura como elemento vital na transformação social. “Para mim, são duas faces da mesma moeda”, disse Danilo.

Envolvidas para além de uma relação de afinidade eletiva, o debate pautou a independência e comunhão das duas áreas interdependentes. “Educação e cultura estão na base de quaisquer medidas que busquem prover suporte infraestrutural e quadros especializados para transformar o país em regime de crescimento socialmente responsável e devidamente sustentável. Ninguém faz nada sozinho”, finaliza.

O cenário ideal reúne as instituições com o intuito de viabilizar projetos e sustentar a cultura na agenda brasileira.

Questões e estratégias para a mudança da visão popular

Para Fabiani, embora pareça uma má notícia, há um

Imagem: Paula Fabiani / Por Jean Paz

grande espaço a ser conquistado. “É preciso fazer com que o doador individual compreenda a importância da Arte e da Cultura na sua vida e na sociedade”, explica.

Os participantes da mesa buscaram levantar as estratégias utilizadas fora do país. Acima de tudo, a aplicabilidade e necessidade do advocacy – termo que implica na reivindicação de direitos -, enquanto ferramenta indispensável para o engajamento cultural. “No Brasil, a melhor possibilidade é executá-lo e reunir instituições em torno de um objetivo comum em defesa própria”, colocou Pedro Hartung, do Instituto ALANA.

Para isso, Fabiani conta que pesquisas evidenciam a existência de um desafio de comunicação entre doadores, potenciais doadores e instituições. “Não conseguimos traduzir do setor para fora os problemas sociais mais profundos que podem despontar pela ausência do terceiro setor”, explica.

Como exemplo efetivo de comunicação, a profissional cita a campanha internacional do programa Médicos Sem Fronteiras, que utiliza-se de linguagem objetiva. Ao apresentar os os passos dados com o dinheiro investido, explica, torna o apelo mais visual e inteligível.

Além disso, o crescimento do PIB não deve ser o único fator considerado. O índice de progresso social — que observa cultura, desigualdade social, entre outros —pode ser uma ferramenta na hora de mostrar os impactos cruzados das ações culturais, econômicas e políticas.

“Trazer números facilita o diálogo pelas questões de caráter profundo e importante”, explica Samuel Figueiredo, fundador da Instituição Baía dos Vermelhos. “Além do ponto de vista econômico, medir o bem estar populacional amplia o debate”, finaliza.

 

Marcos Amaro apresenta “Desconstruções e articulações” no MARGS

Imagem: Stefânia Sangi

O Museu de Arte do Rio Grande do Sul apresenta, até 17/02/2019, a exposição “Desconstruções e articulações”, do artista Marcos Amaro. Presidente da Fundação Marcos Amaro, a obra do colecionador foi curada por Fábio Magalhães.

A proposta inicia-se na desmontagem de aviões que estão paralisados, transformados pelo artista em grandes esculturas. O ar catastrófico remete à ação provocada pelo tempo. A ressignificação daquilo que perdeu sua função primária rege a exposição itinerante.

Amaro incorpora também outros objetos e materiais banalizados e descartados. Ao colocá-los enquanto parte da obra, confere a cada um deles novos sentidos sem deixar de lado a memória. Os fragmentos de cada um dos materiais reorganizados por ele, fazem referência a seus significados e usos anteriores.

O Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli – MARGS é uma das mais importantes instituições culturais de seu Estado. Com mais de 3.660 obras de arte, que abrangem a primeira metade do século XIX até os dias atuais, o acervo enfatiza a produção de artistas gaúchos.

Curadoria

Fábio Magalhães, curador da exposição, desenvolve trabalhos com a mídia da Pintura e suas obras surgem de metáforas criadas a partir de condições psíquicas e conclusões do imaginário pessoa. Seu método criativo parte da fotografia e materializa-se em pintura. Seu trabalho compõe um vasto currículo.

Alberto Manguel e Lepage se juntam em exposição no Sesc Av. Paulista

A impressionante exposição imersiva A Biblioteca à Noite, iniciativa do escritor argentino Alberto Manguel com cenografia do artista multimídia Robert Lepage e do coletivo Ex Machina já passou pelo Canadá, pela França e pela Rússia. Até fevereiro de 2019, o público poderá conferir a exposição no Sesc Avenida Paulista, prédio inaugurado recentemente pela instituição.

Por conter atividades de imersão, a visitação do público requer que um agendamento prévio. São duas salas, sendo a primeira uma recriação da biblioteca de Manguel na França, na qual o visitante é introduzido à ideia do universo que é o ambiente bibliotecário. A segunda coloca o visitante, por meio da realidade virtual 3D, para conhecer 10 bibliotecas, reais ou imaginárias, sendo uma delas a biblioteca de Nautilus, do livro Vinte e Mil Léguas Submarinas, de Júlio Verne.

Além da experiência imperdível da imersão, o público também tem disponíveis uma série de atividades vinculadas à mostra, passando por vários núcleos (literatura, audiovisual, tecnologia, etc), como oficinas de encadernação e de criação de vídeos 360°.

Confira no vídeo a entrevista com Lilian Salles, supervisora do núcleo de Artes Visuais, e saiba mais sobre A Biblioteca à Noite.

O trabalho de ser livre

Gildo Xavier, João Pessoa, Retrato de Famílias, 2017, acrílica sobre tela

A arte ajuda a se libertar e a lidar com o sofrimento. Há alguns anos vivemos uma grande reviravolta no Brasil e no mundo com a convocação de diferentes forças, tanto políticas, como religiosas e sociais, que optaram por ideários e estratégias ideológicas já ultrapassadas há mais de 50 anos.

De repente, nossa falta de soluções econômicas, nossa decepção com a administração do Estado e o comportamento de partidos e instituições e o fracasso das elites, incapazes de dividir nada, se tornaram terreno propício para a escolha pelo atraso, ao contrário de países desenvolvidos que tiveram o papel de zelar pelo cidadão comum, produzindo certo avanço na democracia e nos costumes.

É interessante ver que, apesar de tudo ter começado como um argumento de certos grupos isolados que enalteciam a luta contra a corrupção, rapidamente isto se mostrou “secundário” e até falso.

As máscaras caíram, como na pintura de Andre Griffo, nas páginas desta edição, e o verdadeiro discurso apareceu: “a ideologia é pior que a corrupção” disse nas midias o ciais Jair Bolsonaro, Presidente eleito no Brasil por 1/3 dos votos no país.
Não tenha a menor dúvida, o que importa é a ideologia. A ideologia de cada um é nosso capital cultural, o que pensamos sobre… no que acreditamos… o que valorizamos e a quem. O quanto nos indignamos com o sofrimento que nos é impingido e aos outros. Quais são nossos valores? Nossa ética. E, é verdade, dependendo de tudo isso, você até também vai ser um corrupto.

Detalhe da obra Pregação, 2017, de Antonio Obá exposta no Museu de Arte do Rio de Janeiro. Foto: Patricia Rousseaux

Na arte, a capacidade de criar e falar é infinita. Por isso, também a arte é passível de censura. À arte nada escapa. A arte tem a capacidade de fazer pensar, antes de obedecer. E tem a capacidade de criar disrupções molestas seja quando é explícita ou quando é sutil. O fato de entrarmos em contato com a obra já é mobilizador.
Não obstante, em momentos agudos de enfrentamento, a arte se torna um canal libertador e muitos artistas escolhem a obra e seu trabalho como forma de militância. Não por nada, de um jeito ou de outro, nossas edições deste ano trazem exposições e coletivas plenas de significados.

Hoje, nos perguntamos. Quem decidiu que este é um País de brancos? Os brancos. Quem decidiu que este é um País de indivíduos sem autonomia na escolha de gênero? Os brancos e negros incapazes de respeitar as diferenças. Quem decidiu que a escola não vai ser um espaço democrático para discutir as diferentes ideologias? Os brancos e negros incapazes de respeitar as diferenças e que têm, sim, uma determinada ideologia. Quem decidiu que o Estado não é mais laico? Os brancos e negros incapazes de respeitar as diferenças e que têm uma determinada ideologia e que defendem sim, uma religião só. Na contra mão, nós, vamos em frente, com tudo aquilo que aprendemos, acompanhamos e respeitamos do que é produzido e criado na diversidade deste país.

Como símbolo, está aí na capa, Rubem Valentim, brasileiro, negro, pintor da década de 50/60, maravilhoso, seja como construtivista ou exímio representante da sua “ideologia”. E dentro da edição uma coletânea de textos, artigos, memórias, exposições e obras que representam em toda sua magnitude uma enorme quantidade de trabalho pelo desejo de liberdade. Boa leitura!

Fundação Edson Queiroz lança seu Catálogo Coleção

Foto: Iara Morselli

Na noite de ontem, 26/11, o Itaú Cultural recebeu o corpo representante da Fundação Edson Queiroz no evento de lançamento de seu Catálogo Coleção. Composto por dois livros, a edição traz 870 obras de mais de 300 artistas, majoritariamente brasileiros, e delineia cinco séculos de arte e história brasileiras.

O projeto

Idealizado por Airton Queiroz, irmão de Lenise Queiroz Rocha, atual Presidente da Fundação, o projeto é produto do desejo de sistematizar o trabalho realizado há anos no espaço da Universidade de Fortaleza. A Universidade privada fundada por seus pais, organiza mostras de arte abertas ao público no seu prédio.

A coleção conta com dois volumes. Foto: Iara Morselli

Lenise explica que seu irmão Airton foi o grande responsável pelo acervo atual. “Ele sempre acreditou no ensino através da cultura.” Viabilizar o acesso à cultura no Ceará gera um enorme impacto. Fora do eixo Rio-São Paulo, são menores as possibilidades do segmento. “Através da arte se aprende com mais facilidade, porque ela envolve emoção.

 

A arte e o futuro

A reprodução de um vídeo Institucional da Fundação Edson Queiroz abriu o evento, elucidando a atuação da Instituição em sua comunidade. Eduardo Saron apontou para a relevância do material publicado por ela. “Vivemos em um país que só se preocupa em inovar. É importante, mas impossível inovar sem conservar as memórias do Brasil”, opinou.

Max Perlingeiro enfatizou o conceito de coleção viva, fazendo referência às mais de 800 obras e os tantos artistas que compõem o volume. O organizador contou que, ao ser questionado sobre a impressão dos livros na era mais tecnológica já vivida, respondeu que era importante fazê-lo. “As bibliotecas existem e resistem”, acrescentou, colaborando com o posicionamento de Saron.

O historiador Pedro Corrêa do Lago apresentou 30 obras selecionadas ao público. “Confesso que algumas delas foram escolhidas pelo meu coração”, iniciou. Suas áreas de estudo, como os “artistas viajantes”, somaram-se aos aspectos de relevância, no sentido de preservação da história brasileira, por ele considerados.

Obras documentais e o retrato de Maurício de Nassau iniciaram a linha cronológica. As pinturas de Frans Post das terras brasileiras ganharam destaque. “O Brasil foi o primeiro país das Américas a ser pintado por um artista europeu profissional”, comentou.

A aquarela precedente ao quadro panorâmico da cidade de São Paulo, encomendado por D. Pedro, também presente na mostra “Brasiliana”, no Itaú Cultural, além de quadros de Debret, de Araújo Porto Alegre (seu aluno), Victor Meirelles, Belmiro de Almeida, Portinari, Di Cavalcanti, Ismael Nery, Tarsila do Amaral, Antonio Bandeira, entre tantos outros, foram comentados por ele. Corrêa do Lago enfatizou a importância de cada um dos trabalhos no delineamento da história brasileira por meio da arte.

Os impactos da arte

A Presidente da Fundação comentou que impactos positivos podem ser observados a partir dos projetos que desenvolvem junto à comunidade local, como a Escola de aplicação Yolanda Queiroz, Projeto Jovem Voluntário, entre outros.

“A arte tem o poder de integrar, ela proporciona aos artistas e seus consumidores a possibilidade de se expressar”, finaliza.

Crítica: Como abordar o caos

“Além de uma vasta produção crítica e acadêmica na área, Maria Angélica também contribuiu para a formação de nomes importantes da arte contemporânea brasileira, como Cinthia Marcelle, Paulo Nazareth e Marilá Dardot”

Há uma intensa delicadeza e grande sensibilidade nos textos do livro “Estratégias da Arte em uma Era de Catástrofes” (Cobogó, R$ 56), lançado agora no início do ano pela argentina radicada no Brasil Maria Angélica Melendi.

O título, mais adequado impossível para o atual momento do país, na verdade refere-se a um período mais amplo, que tem início nos anos 1960, por conta das ditaduras latino-americanas. Ela mesmo sai da Argentina em 1975, um ano antes da intervenção militar que tirou do governo a presidenta Isabelita Perón, para viver em Belo Horizonte, onde desenvolveu carreira acadêmica.

Professora aposentada do Departamento de Artes Plásticas da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, Melendi segue lá coordenando o grupo de estudos em arte contemporânea Estratégias da Arte em uma Era de Catástrofes, que dá nome ao novo livro, iniciado há 20 anos na Escola Guignard, da UEMG.

Entre a Escola Guignard e a Universidade Federal, Melendi exerceu grande influência em uma geração de mineiros e mineiras nas artes que inclui Julia Rebouças, Cinthia Marcelle, Lais Myrrha, Sara Ramo, Marilá Dardot e Paulo Nazareth, entre tantos outros.

A publicação é uma reunião de 19 ensaios, escritos a partir dos anos 1990, selecionados pelo também professor da Federal de Minas Gerais, Eduardo Jesus, divididos em cinco sessões: Estratégias do Pensamento; Políticas da Memória; Arquivos; Monumentos; Espaços da Memória. A maioria deles foi publicado em revistas e coletâneas, especialmente estrangeiras, mas alguns são inéditos.

A delicadeza do livro está, em primeiro lugar, no respeito com o qual Melendi trata de cada obra de arte, o que não se vê em muitos ensaístas contemporâneos, que frente à uma produção complexa, muitas vezes preferem ironiza-la. Outra particularidade importante no trabalho da autora é a relação das chamadas artes visuais com outras produções culturais como a literatura ou a arquitetura.

No texto “Sobre as ruínas do futuro”, por exemplo, Melendi parte de uma estrutura de concreto na Alemanha, construída em 1942, para testar o solo de Berlim, transformando-se em uma estrutura abandonada, uma ruína, “o membro amputado de um corpo que nunca vingou”. A essa ruína ela vai agregando várias outras, seja a cidade de Brasília “congelada e imutável”, seja a cidade de Havana pelas obras de Carlos Garaicoa na 26ª Bienal, de 2003, ou mesmo uma intervenção de Seth Wulsin em um edifício abandona de Buenos Aires, chegando a obra de Ai Weiwei na documenta XII, de Kassel, em 2007. Essas sobreposições de histórias, ao contrário de muitos textos acadêmicos, não visam uma síntese, mas constroem-se em mosaico.

Com tal estratégia, Melendi acaba criando pequenos inventários de temais relevantes para a produção artística como o uso de mapas, não por acaso o tema do primeiro ensaio “Da adversidade vivemos ou Uma cartografia em construção”. Nele, a professora reúne desde o icônico “Mapa Invertido” da América do Sul, desenho de Joaquim Torres-Garcia, de 1946, ao desconhecido mapa de Marcel Duchamp, “Adieu à Florine”, de 1918, quando o pai da arte conceitual deixa Nova York para viver em Buenos Aires. O grande ponto de interrogação sobre a América do Sul não deixa de ser um contraponto divertido frente à inversão de Torres-Garcia.

Assim, em cada texto, Melendi agrega ao tema, muitas vezes brutal como a violência da ditadura militar, obras, autores e casos que permitem ao leitor perceber como artistas vem abordando questões essenciais como a memória, o corpo, ou arquivos. Para compreender a arte contemporânea é um livro essencial.

Resolução do Conac tarifa obras de arte armazenadas em aeroportos pelo peso

Ministros Sérgio Sá Leitão (MinC) e Valter Casimiro (MTPA) discutiram regulamentação do conceito de atividade cívico-cultural. Foto: Clara Angeleas (Ascom/MinC) / Reprodução/ Divulgação

O Diário Oficial desta quarta (21/11) publicou uma resolução do Conac (Conselho de Aviação Civil) que promete descomplicar o cenário de cobrança de taxas aeroportuárias sobre obras de arte.

Os itens armazenados nos aeroportos internacionais, se tarifados pelo valor de mercado, podem custar milhares de reais. Sendo assim, a partir de hoje, a cobrança volta a ser feita pelo peso da obra.

A decisão estimula o fomento cultural no país. O ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, em nota divulgada pelo Ministério da Cultura, enfatiza que a cobrança pelo valor de mercado das obras inviabilizaria a realização de exposições e concertos musicais com coleções vindas de fora – e sugere que a medida garante estabilidade jurídica.​

A taxa

A nota  demonstra que o impasse referente à alteração na cobrança de taxas de armazenagem para itens culturais foi iniciado no fim de 2017. Na ocasião, a tentativa de mudança colocou-se referente aos instrumentos da Orquestra Nacional do Conservatório de Toulouse, que apresentou-se no Teatro Cultura Artística, em São Paulo.

No início deste ano, parte dos aeroportos passaram a utilizar-se de uma reinterpretação do termo “cívico-cultural”, aplicado pela Anac em 1983. O Aeroporto Internacional de São Paulo, por exemplo, argumentou que a feira SP-Arte não era “patriótica.”

Reação da comunidade museológica e resolução do Conac

Obra de Leon Ferrari / Divulgação Nara Roesler

A comunidade museológica e de galeristas posicionou-se de forma contrária à medida e alegou que o aumento  de custos trazido pela medida prejudicaria o cenário cultural brasileiro. A exemplo disto, está a obra do argentino León Ferrari. Trazido pela galeria Nara Roesler para a SP-Arte, seu trabalho foi taxado em R$ 17 mil. Caso a taxação por peso tivesse sido respeitada, o valor seria de R$ 200.

De modo geral, a modalidade de cobrança elevou alguns valores em até mesmo mais de 900%. Durante o período, instituições como o Museu de Artes de São Paulo (MASP) e a Bienal de Arte de São Paulo recorreram à Justiça a fim de dar continuidade às suas exposições e evitar a cobrança de tarifas abusivas. A taxa sobre o valor das mercadorias poderia dificultar também feiras como SP-Arte, ArtRio, além do recebimento de obras estrangeiras por galerias nacionais.

A nova resolução é fruto dos empenhos conjunhtos do Ministério da Cultura e do Ministério dos Transportes.

 

Paulo Tavares – Memória da Terra

No seminário “Arte Além da Arte” (6 de setembro de 2018), Paulo Tavares, co-curador da Bienal de Arquitetura de Chicago de 2019 e professor da Universidade de Brasília, iniciou sua fala propondo uma pergunta: “Se a cidade e o território são direitos, pode ser a arquitetura concebida como uma forma de advocacia deste direito? E o que isso significa?”.

O arquiteto e curador apresentou o projeto Memória da Terra, relacionado ao processo de deslocamento forçado dos índios Xavante do Mato Grosso, no qual, justamente, a arquitetura – “o desenho, a modelagem, o mapeamento” – são utilizados como instrumento de advocacia de direitos.

“É preciso dizer que o processo de modernização do território brasileiro tem uma fundação intrinsicamente colonial”, disse ele. Tavares afirmou que o projeto de destruição ambiental vivido pelo Brasil no século 20, especialmente no período da ditadura militar, foi também um projeto arquitetônico de território. Ele discorreu sobre o que foi chamado de “processo de pacificação”, ou seja, a criação de postos indígenas que concentraram as populações ameríndias e, retirando-as de seus territórios originais, liberaram as terras para exploração.

Dada a dificuldade de mapear fisicamente o desaparecimento de populações indígenas, justamente pela falta de registros governamentais, o projeto Memória da Terra passou a investigar a remoção forçada dos povos Xavante de seus territórios a partir das imagens existentes. Com fotos feitas por jornalistas da época sobre a “conquista” das terras indígenas, Tavares e os outros integrantes do projeto passaram a fazer uma espécie de “arqueologia da imagem”, utilizando estratégias da arquitetura para reconstituir o mapa dessas aldeias desaparecidas.

Assim, relacionando o desenho das aldeias – sempre uma espécie de estrutura em arco – vistos nas fotos com imagens de satélites antigas recentemente tornadas públicas pelos EUA, os pesquisadores do projeto conseguiram mapear as aldeias. Também se utilizaram das marcas que se podem ver nos territórios, como assinaturas no chão, definidas pelo padrão botânico. “As árvores cresceram na mesma estrutura em arco em que eram desenhadas as aldeias. Assim, a história desse povo continua registrada na própria composição botânica da floresta.”

Esse desenho botânico, portanto, é fruto direto da arquitetura dessas aldeias, explicou Tavares. “São produtos das ruínas, mas são ruínas vivas. Podemos então entender árvores e plantas como monumentos históricos? Pode ser a floresta considerada um patrimônio urbano, arquitetônico? Pode ela ser vista como cultura, não natureza?”

Considerando a resposta positiva para estas questões, o projeto se desdobrou em um relatório que, junto com as outras provas colhidas pelo Ministério Público, servem como “material evidenciário” para uma petição que foi feita ao Iphan e a Unesco para que este solo seja considerado um patrimônio arquitetônico. O trabalho tem sido feito também em parceria com as populações indígenas da região, como mostrou Tavares ao longo de sua exposição.

LIMBO, a existência humana colocada em xeque

Limbo
Obra: Peccatorum suorum, 2001-2018 / Imagem Cacio Murilo / Divulgação

José Rufino constrói ao longo de sua vida um labirinto, vivido e ficcional, com enigmas que ecoam e constituem o tecido de um processo de produção permanente. Desde infância foi impulsionado pelos cenários de sua indignação: casa grande senzala, perseguição política aos pais, fome no campo, testemunha da destruição das relações humanas.

Limbo

Como um vídeowall, a exposição Limbo, em cartaz até domingo na Biblioteca Mário de Andrade, nos lembra em retrospectiva, o caminho trilhado por Rufino com trabalhos que se manifestam em circunstância atemporais. Sondagem/transformação é um binômio que se junta a outros interesses como passado, memória, morte, oprimido-opressor. Nos anos de 1980, período de intensa produção e proliferação de novas mídias, como libertação de vontades criativas reprimidas pela ditadura, Rufino trabalha as cartas do avô, poderoso senhor de engenho, escritas em um período de particular opressão. A visão retrospectiva do artista, no sentido de que a arte de uma época deve envolver, e não simplesmente gerar sucesso, tem conduzido seu percurso. Dentro dessa linha do tempo há rupturas, mas não contradições, mesmo quando expõe um desenho desenvolvido aos dez anos, cuja imagem imprecisa lembra o  teste de Rorschach, que anos mais tarde ele desenvolveria em várias séries.

A retrospectiva é uma versão evolutiva de uma arte que revela alguns princípios adotados por acaso, como a minimal art, com simplicidade formal e complexidade de conteúdo. Rufino trabalhou um acúmulo de escolhas e redescobertas de obras guardadas, esquecidas, algumas inconclusas na espreita para serem exibidas, em um contexto mais amplo. Entre dezenas delas há o que ele classifica de pré-obras ou proto-obras, além de desenhos,
maquetes, poesia concreta e visual e arte-postal. Limbo é feito de camadas de poesia, denúncia, e da atrofia de espaços de seres marginalizados, que abrange o período
de 1970 a 2018, além de obras recentes O impulso que conduz a retrospectiva vem de um
processo íntimo e complexo, dentro de uma poética que lida com vazios e asperezas, para alinhavar uma história que já foi exposta em cerca de duzentas mostras no Brasil e no Exterior. Em Rufino, o silêncio e a ausência se tornam presenças, como tem demonstrado também como curador da Usina de Arte, em plena zona da mata, no sul de Pernambuco.

Limbo
Imagem: José Rufino / Divulgação
Limbo
Imagem: José Rufino / Divulgação

Visitação: até 18 de novembro de 2018
Todos os dias, das 08h às 19h.
Local: Hall da Consolação, Saguão e Sala Oval
Rua da Consolação, 94
Entrada Gratuita