A figura lendária de Luiza Mahin, retratada pela designer Amy Hood.

Resistência fazia parte do cotidiano dos malês, como ficaram conhecidos os negros muçulmanos de etnia nagô, trazidos como escravos para a cidade de Salvador no século XIX. Num país onde a maioria dos senhores era analfabeta, os malês tinham conhecimentos de matemática, sabiam ler e escrever em árabe, assim como  investiam na alfabetização dos filhos nascidos no Brasil. Protagonistas de uma das mais aguerridas revoltas contra o regime escravocrata, eles estão na letra do samba-enredo de 2019 da Mangueira, ao lado de Marielle Franco, a ativista assassinada este ano no Rio; dos caboclos de julho, principais símbolos da luta pela independência na Bahia; e dos que resistiram à ditadura militar.

“Salve os caboclos de julho/Quem foi de aço nos anos de chumbo/Brasil, chegou a vez/De ouvir as Marias, Mahins, Marielles, Malês”, diz trecho do samba-enredo da escola, “Eu quero um Brasil que não está no retrato”. A referência aos Mahins, por sua vez, está ligada à figura da africana livre Luiza Mahin. De acordo com relatos transmitidos de geração a geração, Luiza estava entre os líderes do Levante dos Malês, planejado para eclodir no amanhecer do dia 25 de janeiro de 1835, final do Ramadã, o mês de jejum e preces contínuas dos muçulmanos. Nos tabuleiros de Luiza, em vez de quitutes, meninos ligados ao movimento pegariam instruções em árabe para distribuir pelas ruas de Salvador.

Luiza era mãe do advogado, poeta e abolicionista Luiz Gama, vendido como escravo ainda criança, pelo próprio pai, o antigo senhor da líder malê. Levado para São Paulo, Luiz Gama (1830-1880) conquistou liberdade e fama. Dois anos antes de morrer, ele registou em carta ao jornalista Lúcio de Mendonça ser “filho natural de uma negra africana livre chamada Luiza Mahin”, que sempre recusara a doutrina cristã: “Minha mãe era baixa de estatura, magra, bonita, a cor era de um preto retinto e sem lustro, tinha os dentes alvíssimos como a neve, era muito altiva, geniosa, insofrida e vingativa. Dava-se ao comércio – era quitandeira, muito laboriosa, e mais de uma vez, na Bahia, foi presa como suspeita de envolver-se em planos de insurreições de escravos, que não tiveram efeito”.

O Levante dos Malês, como também aconteceu com outras revoltas de minorias, foi denunciado à polícia às vésperas de acontecer. Virou uma batalha de rua entre soldados com armas de fogo e negros empunhando espadas. Eram os chamados “negros de ganho”, pessoas escravizadas que não cortavam cana nem moravam em senzalas. Contavam com relativa liberdade e recebiam pequenas quantias pelos serviços prestados. Ao final do levante, estima-se que 70 insurgentes estavam mortos e 500, presos. Os castigos envolviam açoitadas para os escravos e deportação para os libertos, mas a repressão aumentou para todos os escravos, malês ou não. Cinquenta e três anos depois, no entanto, a escravatura foi abolida.


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