Lula São Bernardo
O ex-presidente Lula durante a missa campal em homenagem a ex-primeira dama Marisa Letícia, realizada no último sábado (7), em São Bernardo do Campo (SP). Foto: Paulo Pinto / Fotos Públicas

Ele se atomizou e implodiu a todos. Repito, a ele e a todos. A energia foi gigantesca. Imanência e emanência nuclear. E tudo vibrava mesmo, de tocar e dar choque. Energia nuclear. Eu não sou místico, mas alguma coisa muito mística, muito além do Lula, aconteceu em São Bernardo do Campo no último sábado (7).

Atravessou um trem no meio da cidade, que atravessou a cada um ali. Um pau-de-arara vindo do sertão, que virou uma locomotiva carregada de minério, pra depois ser aço e carro no corpo de todos os presentes. Metalúrgica. E foi de verdade. Foi uma mistura de sentimentos, um bololô em ondas fortes, peitos batendo e vozes que não saiam das gargantas. Simplesmente não saiam. Era assim, foi assim.

Daí berros, berros cortantes e vigorosos como de recém nascidos. E, no fim, era ele quem estava, desde o inicio, ao mesmo tempo acalmando a turba e chamando pra luta, pra briga. Dali, daquele palco, iria pra cadeia, coisa de minutos. Um preso falando. Passei a entender porque algumas vozes não saiam mais, estavam presas já. Desceria a escada do caminhão, e, pêi, xilindró.

Era morte e era vida. E era ali. Não tinha texto grego. Não tinha Homero, Shakespeare, Marlowe. Até pensei no Leon Hirszman e no Gianfrancesco Guarnieri encenando o drama das greves do ABC nos palcos e no cinema. Nada dava conta. Afora a política toda e suas inconfessáveis negociações, algo muito maior estava sem qualquer máscara ou era encenação. Estava acontecendo uma verdade. Era a esposa sendo chorada pelo Padre operário, a homilia pensada pelo irmão Gilberto Carvalho e ele, Lula, querendo uma musica apenas, Asa Branca, canção do casal.

Do casal??? Um hino do Brasil dos Lulas. “Quando o verde dos teus olhos / Se espalhar na plantação”. Lembrei de meu pai, que acha essa estrofe uma das mais lindas e pensei na minha avó, mãe do meu pai, baiana de Santa Rita de Cássia, que nos deixou há 2 anos. Lembrei também que tivemos um dia um Ministro da Cultura que dizem que é um orixá, o Gilberto Gil. Quis cerveja nessa hora. Achei.

Era ele indo pra cadeia. Eram os medíocres, eram os fascistas fazendo isso. Era a mentira operando. Estávamos todos lá associados à escória. Eu, que nem batizado quando nasci fui, via a Cruz na batina do Padre operário e na pregação da Pastora, e escutava os berros de recém-nascido das pessoas pedindo pra ele resistir, com olhar temente à Deus. Olhava pro Suplicy sendo atendido por médicos, olhava pro Haddad e para o cenário paradoxal do apocalipse que fazia morrer e, ao mesmo tempo, nascer algo.

Acho que todos viraram Lula mesmo em São Bernardo naquele sábado. Estamos todos indo pra cadeia, todos estamos nos sentindo muito mal, injustiçados. Empatia, entender o sofrimento do outro, simpatia, sofrer junto do outro. Missa-Culto-Comunhão. Mãos dadas.

Não existe parto sem dor, nem vida sem parto. Era dramático como é um trabalho de parto. Sangue, placenta, berros e dor. Havia risco. Foi à fórceps!

Olhava pra sede, antes barracão. O útero-sindicato estava lá. Dali nasceu algo. Dali nasceu muita coisa que foi inscrita na Constituição. Dali nasceu o EU do homem mais potente que este Brasil produziu. E ele, frágil e forte, correu pro ninho, pra debaixo da asa dos amigos, pro boteco onde bebia com eles. Somente da fonte sairia pra escuridão. E a polícia, os algozes carcomidos, os Pôncio-Moro, lá, babando, no cio.

Começo a olhar pro céu. Começo a achar que o Épico está lá mesmo. Questiono minha psicose. Questiono minha individualidade. Pergunto se estou dissociando. Deixo me ir? É possível mesmo isso estar acontecendo assim? Não seria um palco grego? Uma tourada? Quem escreveu esse enredo? Se eu pego, vai ter que apanhar! Juro vingança. Blasfemo. Retiro. Peço perdão. Começo a entender o processo de morte e vida ali. Começo a ver algum tempo e alguma transitoriedade neste lugar.

Corte: Domingo, São Paulo.

Sigo descerebrado. Drummond, “domingo descobri que Deus é triste. É infinita a solidão de Deus sentado ao lado de….si”. Um pai totêmico que se vai, deixando o trono vazio, solitário como um elevador quebrado em um dia de domingo. São vários cantores de lamento e a Mercedes Sosa cantando Balderrama desde cedo. E o Gonzaga, Assum Preto – pássaro na gaiola.

Uma cela em Curitiba e fogos por Sao Paulo. Foguetório do desprezo.

A saudade antes trazia fogos, uma canção antiga lembra. Era assim que se comemorava quando alguém voltava em muitos lugares Brasil afora. “A barulheira que a saudade tinha”. Maria Bethânia cantando ao lado da mãe. Agora é a barulheira do desamor. Foguetório do desprezo.

Corte: voltamos ao sábado, São Bernardo

Mas sim, sim, houve transe naquele sábado… Muitos desmaios. Após falar, dizer que viraria ideia, Lula vai carregado pelos recém-nascidos até o sindicato-útero, fazendo-se carne para o banquete dos filhos. Se faz alimento e deixa vago o trono. Tragédia absoluta! Luz e terror! Eu tremia, não conseguia foco para as fotos que tentei deste deleite antropofágico. Me preocupei em me alimentar, vejo. Ainda bem.

Findo o banquete, um berro vem de dentro ao fecharem as portas do sindicato! – MÉDICO! MÉDICO para o Presidente! Era um pico de pressão. Era o Mercadante desesperado. E foi um pico de pressão. Minhas pernas não seguraram. Ajoelhei sem querer, minhas pernas bambearam mesmo. Uma mulher me ajudou a levantar. Ela estava fraca de lagrimas. Nos abraçamos muito órfãos. Somos Lula. Ele se deixou devorar.

Aldo Zaiden é psicanalista e integra o coletivo Precisamos Falar Sobre o Fascismo. Siga a página do grupo no Facebook.

 


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3 comentários

  1. “Ele se deixou devorar”.

    A ideia se fez carne.

    Algum dia, num futuro mais bonito, alguem escreverá uma peça a partir desse texto.

    Magnifico.

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