Eleição EUA Biden Harris
"Shift the culture, end fear", Jenny Holzer. Foto: Mark Rutherford.

No dia 14 de novembro, o presidente-eleito dos Estados Unidos Joe Biden conquistou o estado da Georgia, solidificando sua vitória contra o atual presidente Donald Trump. Dessa forma, Biden torna-se o primeiro candidato democrata a alcançar a maioria dos votos no estado desde 1992, o que projeta sua vitória a 306 votos do colégio eleitoral, enquanto os números de Trump chegam a 232. Apesar das projeções serem sólidas, o próximo presidente dos EUA só será oficialmente anunciado no dia 14 de dezembro. Neste dia, os delegados registram o seu voto, que, por costume, obedece à maioria dos votos da população, embora uma exceção à regra possa ocorrer ocasionando o que os estadunidenses chamam de “voto infiel”.

Mesmo não oficializada ainda, a vitória da chapa Biden-Harris já gerou fortes reações. Até o último domingo, 15 de novembro, Trump se negava a aceitar sua derrota, repetidamente voltando-se para uma (falsa) acusação de fraude eleitoral que instigou seus eleitores a protestarem em marcha por Washington. Para o Brasil, como relata a repórter Julia Moura, “a vitória de Biden, avesso a Jair Bolsonaro e crítico à destruição da Amazônia, pode estremecer as relações comerciais Brasil-EUA em um primeiro momento”.

O evento político vem gerando, desde então, reações no mundo das artes. A própria chapa Biden-Harris, lançou uma campanha inspirada pela obra Art is… (1983/2009) de Lorraine O’Grady, em que a artista foi às ruas do Harlem com uma moldura dourada ornamentada para o Desfile do Dia Afro Americano de Nova York e fez com que os participantes posassem “dentro” delas. Quinze performers vestidos de branco ajudaram a encenar o trabalho, que agora é lembrado principalmente por meio de fotografias que documentam o evento. A campanha do presidente eleito reproduz um quadro semelhante para capturar os cidadãos de todos os Estados Unidos. O’Grady – cujo trabalho será tema de uma retrospectiva do Brooklyn Museum em 2021 – disse que fez Art Is… para contrariar a ideia de que a arte de vanguarda tinha pouco a ver com a comunidade negra. Alexander Gray Associates, a galeria que a representa, deu permissão para a réplica, cujo resultado final gerou reações positivas da artista: “Eu dei a eles e eles me deram de volta”.

Para o The Art Newspaper, a artista Martha Rosler afirmou: “Ainda devemos analisar a extensão em que as estruturas de governança foram danificadas e o próprio governo deslegitimado – desenfreadamente e constantemente – por Donald Trump e os alimentadores de terceira categoria que ele habilitou como seus demolidores”. “Em meio a uma pandemia que se intensifica, os efeitos cada vez mais terríveis do aquecimento global, um colapso econômico multifacetado que afeta as pessoas comuns enquanto as corporações e bilionários prosperam e uma ameaça inegável dos supremacistas brancos, estamos tentando costurar de volta nosso sentido fragmentado de tempo e ser, para nos prepararmos para as tarefas coletivas que temos pela frente”.

Capa da New York Magazine com obra de Barbara Kruger. Foto: Divulgação.

As obras de Barbara Kruger e Zoe Leonard também apareceram no ambiente virtual em meio aos comentários políticos. O crítico de arte Jerry Saltz relembrou uma obra de Kruger que estampou a capa da New York Magazine em 2016. Nela, a face de Trump é imposta pela palavra “perdedor” em inglês. Já Leonard teve mais uma vez sua muito referenciada obra I Want a President (Eu desejo uma presidente) trazida ao debate. O poema visual foi escrito em 1992 em resposta à candidatura presidencial da poetisa Eileen Myles ao lado de George H.W. Bush, Bill Clinton e Ross Perot. O texto é emblemático do envolvimento de Leonard com coletivos ativistas em Nova York na década de 1980, uma época marcada por uma consciência política intensificada devido à enorme perda da epidemia de HIV/AIDS.

Poema de Zoe Leonard no High Line em Nova York, em 2016. Foto: High Line.

O artista William Powhida compartilhou uma imagem de sua instalação Possibilities for Representation (Possibilidades para representação), atualmente em exibição no Aldrich Contemporary Art Museum, em Connecticut, dizendo:”Quando comecei a trabalhar nesta instalação em janeiro, eu sabia que queria criar uma representação visual de quanto tempo as primárias e as eleições seriam em relação à longa história da qual emergiram os candidatos. Na linha do tempo da instalação, os séculos ocupam o mesmo tempo que décadas, depois anos, depois meses e depois o dia da eleição. Estou profundamente aliviado porque minha decisão de dar a Joe Biden e Kamala Harris uma vantagem muito sutil nessa corrida presidencial glacial foi realizada por cerca de 74 milhões de eleitores”. Apesar do alívio, Powhida faz a ressalva que “por melhor que pareça a vitória no momento, meu alívio é temperado pelas realidades preocupantes que nos esperam do outro lado da certificação da eleição e da posse do presidente”. Tal balanço foi feito também pela artista Sue Coe, que reiterou: “Não é exatamente uma revolução 4 a 5 milhões de americanos votaram em Biden-Harris e rejeitaram o fascismo por uma margem tênue, mas nosso sistema eleitoral ainda beneficia senhores cruéis e agressores. A luta continua…”.

O mexicano Pedro Reyes destacou o histórico de Biden com relação a armas como algo positivo, afirmando que “enquanto trabalhava com organizações de controle de armas de base, aprendi que Joe Biden lutou duas vezes – e venceu – contra o NRA. Ainda assim, uma de nossas principais prioridades como planeta é o desarmamento nuclear. Trump prometeu 1,3 trilhão de dólares para novas armas nucleares em 2021, espero que este novo governo possa reverter esse contrato”.

Vale notar os trabalhos de Grayson Perry, compartilhado pela Royal Academy no Twitter, e os letreiros de Jenny Holzer, que durante o período eleitoral levaram às ruas palavras de Stacey Abrams, por exemplo, e agora dizem (como projetado no Detroit Institute of Arts): “Shift the culture, end fear”.

 


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