Trecho da HQ "Contra Tempo – Uma Viagem de Duzentos Anos", obra produzida pelo Instituto Ciência na Rua. Crédito: Reprodução
Trecho da HQ "Contra Tempo – Uma Viagem de Duzentos Anos", obra produzida pelo Instituto Ciência na Rua. Crédito: Reprodução

A HQ Contra tempo – uma viagem de duzentos anos, uma distopia em forma de quadrinhos, projeto que questiona a visão cristalizada em torno da Independência do Brasil – cujo bicentenário é celebrado neste ano –, acabou tornando-se foco de debate esta semana, quando a Folha de S.Paulo revelou que a distribuição da revista no recém-inaugurado Museu Paulista havia sido desautorizada pelo conselho da instituição. A interdição vai na contramão da estratégia do museu de privilegiar a memória social, problematizando uma visão congelada e oficialista da história. E revela muito de nosso frágil momento político.

A instituição garante que não houve veto, mas que julgou melhor postergar uma eventual distribuição, vinculando-a a uma estratégia planejada de divulgação. “Pedimos apenas que a sua distribuição ocorresse com mediadores, dentro do contexto de uma ação educativa, para que fosse possível propor um debate sobre as questões apresentadas na obra”, afirma a comunicação do museu. O fato é que a linguagem direta do material assustou. Sobretudo no que se refere aos desenhos, que mostram a personagem principal inserida num cenário sombrio, que tem muito a ver com a realidade do Brasil atual, com referências a ruas renomeadas em homenagem a torturadores, propaganda de armas e à presença massiva de igrejas neopentecostais nas periferias das cidades.

A revista começou a ser idealizada ainda em 2020 pelo instituto Ciência na Rua, projeto de jornalismo sem fins lucrativos, voltado para o público jovem. O intuito era aproveitar a efeméride para oferecer uma narrativa diferente acerca do processo de independência, conta Mariluce Moura, diretora da associação, que tem por objetivo atingir os alunos de escola pública e conseguiu apoio do SBPC para imprimir a história em quadrinhos. Segundo ela, o museu parecia ser um lugar natural de distribuição. Com autoria coletiva de Ana Cardoso, Hyna Crimson, Igor Marques e João Paulo Pimenta, a revista trata de questões importantes, como a participação popular em diversos movimentos emancipatórios, e enfatiza uma visão da independência como um “processo histórico sem heróis”, impulsionada pela luta de brasileiros anônimos.

Excesso de zelo ou receio de retaliação em um período delicado como o atual? Difícil saber. De qualquer forma, a revista segue à disposição dos interessados em sua versão digital e lançamentos do material impresso também vêm sendo planejados Brasil afora, como o que ocorreu no último dia 21, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, com palestra e distribuição do material.


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