A fotógrafa Letizia Battaglia. Crédito: Shobha/Divulgação IMS
A fotógrafa Letizia Battaglia. Crédito: Shobha/Divulgação IMS

Morre aos 87 anos Letizia Battaglia, a primeira repórter fotográfica da Itália a cobrir notícias policiais. Pode-se dizer que a fotógrafa italiana foi um símbolo não só da luta contra a Máfia, mas também, do uso refinado da fotografia como instrumento dessa luta. “Nasci em tempos de paz, mas logo veio a guerra. Meu pai era marinheiro e passei minha infância viajando pela Itália, desviando de bombas, de Civitavecchia, em Trieste, a Nápoles. Voltei para a Sicília quando tinha dez anos”, contou Battaglia. Para escapar da autoridade paterna, ela se casou aos 16, tendo o matrimônio, no entanto, feito pouco pela sua liberdade. Aos 36 anos ela tomou a decisão de abandonar o marido e partiu para Milão, levando consigo duas das três filhas já adolescentes. Da necessidade de fazer o seu e o sustento de suas filhas, ela começou a tirar fotos. Em Milão ainda, foi correspondente do palermitano L’Ora para o qual retornou à capital da região siciliana com o intuito de organizar sua equipe de fotojornalismo.

“Nós éramos o jornal: em uma tarde poderíamos fotografar a coroação de uma rainha da beleza, uma casa desmoronada e um assassinato. Nosso campo de ação era a vida de uma cidade – uma cidade triste, selvagem e também alegre”, disse Battaglia em entrevista a Giovanna Calvenzi, para a Aperture.

O juiz Roberto Scarpinato com seus guarda-costas, no topo do tribunal de Palermo, 1998. Letizia Battaglia/Divulgação IMS.
O juiz Roberto Scarpinato com seus guarda-costas, no topo do tribunal de Palermo, 1998. Letizia Battaglia/Divulgação IMS.

Sua denúncia à Máfia, a parte mais reconhecida de seu trabalho, se intensificou após o assassinato do ativista de esquerda Giuseppe Impastato, em 1979. Battaglia começou a organizar mostras com esses registros e percorreu a Sicília com elas. Em uma ocasião, ela recontou, uma praça inteira esvaziou-se em questão de dois minutos após perceberem que entre as imagens estava a prisão Luciano Liggio, cabeça da Máfia, como capturada pela fotógrafa. “As pessoas estavam apavoradas de que um dia pudessem ser apontadas como cúmplices de nossas fotografias”.

Anos mais tarde, Battaglia foi a recipiente do prêmio W. Eugene Smith de 1985. Com o reconhecimento do seu trabalho veio também a cobrança por mais: “[O prêmio] foi a virada. Entendi que deveria fazer mais. Não bastava apenas fotografar”.

Ela se filiou ao emergente Verdi, concorreu ao cargo e foi votada como membro do conselho da cidade. O prefeito de Palermo na época era o democrata católico Leoluca Orlando, que travou uma feroz batalha contra a corrupção dentro de seu partido. “Durante quatro anos me dediquei à cidade. E dela recebi amor e gratidão. Foram os melhores anos de minha vida”, ela escreveu.

Crianças brincam com armas. Palermo, 1986. Crédito: Letizia Battaglia/Divulgação IMS
Crianças brincam com armas. Palermo, 1986. Crédito: Letizia Battaglia/Divulgação IMS

“Não é fácil de entender – viver em uma cidade dominada pela máfia significa tê-la em sua casa, em cada família. A professora de seus filhos, seu vizinho de baixo, seu irmão. Qualquer um pode estar envolvido – e você não sabe disso. Estamos apenas começando a saber quem são os grandes chefes. E por isso é muito importante estar lá – amar estar lá. Considero-me absolutamente afortunada por poder viver esta experiência de resistência à injustiça.”

Quando, em 1989, o serviço fotográfico do L’Ora mudou de dono, sua nova chefia relutou em contratar uma fotógrafa com papel político tão forte. Dedicada à vida pública e sem vontade de ser fotógrafa apenas em seu tempo livre, Battaglia parou de fotografar por um tempo. Nos anos seguintes, foi deputada da Assembleia Regional da Sicília e se dedicou a publicar as revistas Grandevú (com papel importante para os movimentos sicilianos de contracultura) e Mezzocielo (dedicada a trabalhos de mulheres). Além disso, fundou a editora Edizioni della Battaglia, centrada em poesia, literatura e ensaios ligados à região siciliana.

Em 2016, criou o Centro Internacional de Fotografia de Palermo, para abrigar o arquivo fotográfico da cidade.


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