Fachada da Casa do Parque. Foto: Divulgação

Quem passa em frente ao número 1.300 da avenida Fonseca Rodrigues, na zona oeste de São Paulo, dificilmente percebe que ali está localizada uma instituição cultural que, a partir deste sábado (23 de março), deve se tornar um importante polo artístico da cidade. Excetuado um discreto logotipo no muro, com o escrito “A Casa do Parque”, aquela parece ser apenas mais uma residência nobre no bairro paulistano de Alto de Pinheiros.

Na verdade, o casarão em frente ao Parque Villa-Lobos abrigará exposições, cursos, oficinas e variadas atividades culturais, começando pela mostra Tensão Relações Cordiais, com curadoria de Tadeu Chiarelli, e por um ciclo de debates sobre colecionismo de arte contemporânea. Idealizada e fundada por Regina Pinho de Almeida – colecionadora dona de um enorme acervo e figura atuante em museus como MASP, Pinacoteca e MAM – a Casa representa uma expansão das atividades do Instituto de Cultura Contemporâneo (ICCo), criado por ela em 2009 e responsável pela realização de mostras, residências e publicações.

Não se trata, no entanto, de um projeto “personalista”, como ressaltam Chiarelli e Paulo Werneck, coordenador da programação cultural da Casa. Editor da revista literária 451 e curador de três edições da Flip, Werneck assume a tarefa de montar uma programação em variadas áreas artísticas. Ao seu lado, o educador e artista plástico Claudio Cretti fica responsável pela programação de cursos, que transitam de modo multidisciplinar e pouco convencional pelos campos das artes, botânica, dança, design, arquitetura e cozinha.

O diálogo entre casa e parque, entre público e privado, entre o que é intimo ou partilhado dará a tônica de várias atividades da Casa, que surge na cidade em um momento delicado para o setor cultural – seja por conta da onda conservadora ou da falta de investimento público. “É uma resposta realmente contundente a esse momento”, diz Werneck. Para Chiarelli, “é uma atitude muito séria da Regina, nesse contexto do país, fazer uma aposta dessas. Claro que já existe um público para a Casa, mas também há um público grande a ser conquistado e formado”.

Jardim da Casa do Parque. FOTO: Divulgação

Segundo o curador, um importante diferencial da Casa em relação a outras instituições culturais ou espaços de arte independentes da cidade é a existência de um significativo acervo de arte – a própria coleção de Regina. Isso não transforma o espaço em um museu, mas permite não só a montagem de exposições de arte contemporânea como a utilização das obras em cursos e oficinas.

Corredor cultural

Apesar de não estar em uma área central ou comercial da cidade, mas em um bairro residencial de elite, a localização da Casa do Parque não parece, para Werneck, um empecilho para suas atividades. Primeiro pela proximidade com o Parque Villa-Lobos, espaço público com grande circulação de pessoas, mas também por estar em uma espécie de “corredor urbano” cada vez mais nutrido de espaços culturais.

“A gente quer ter um impacto na região, que apesar de ser um bairro nobre está perto do Ceasa, do Jaguaré, onde há comunidades mais pobres. E é curioso, mas se olharmos do Instituto Acaia até o Museu da Casa Brasileira, você tem mais de dez instituições culturais relevantes. Eu vejo um corredor cultural se formando”, afirma. De fato, entre estes dois extremos, do instituto na Vila Leopoldina até o museu no início do Itaim Bibi, em uma linha reta de cerca de 7 quilômetros – servida por transporte público e ciclovia –, estão espaços como a Biblioteca do Parque Villa-Lobos, o Instituto Tomie Ohtake, a Galeria Estação e a CASA Museu do Objeto Brasileiro, entre outros.

Neste sentido, o coordenador destaca que A Casa do Parque pretende trabalhar também em parceria com outras instituições, além de trazer para seu espaço diferentes públicos, “dos frequentadores do parque aos alunos do colégio Santa Cruz ou das escolas públicas da região”. Haverá também atividades extramuros, sendo a primeira delas um festival literário no Parque Villa-Lobos, realizado junto com a SP Leituras no segundo semestre deste ano.

Tensão política

Se há um clima de celebração com a abertura do novo espaço cultural, como é de se esperar, ele parece contrastar com a abordagem crítica e até obscura da exposição de inauguração, “reflexo do contexto político que vivemos hoje no Brasil”, segundo Chiarelli. Tensão Relações Cordiais reúne obras da coleção de Regina Pinho de Almeida selecionadas a partir de uma leitura bastante livre do curador, que não quis “escolher as peças mais famosas, fazer uma mostra cronológica nem mesmo seguir uma linha por analogias de linguagem”.

“A minha ideia foi que a Regina, com a coleção dela, está escrevendo um texto sobre arte contemporânea. E eu queria escrever um texto em cima do texto dela”, diz Chiarelli. “E pelo contexto de crise, eu tinha em mente essa distopia terrível que estamos vivendo. E a minha opção foi transformar o espaço expositivo em uma espécie de caverna, onde as obras se situariam independente de qualquer pré-determinação”.

Num ambiente escuro, com iluminação pontual e expografia de Pedro Mendes da Rocha, a potência das obras – de Jenny Holzer, Hildebrando de Castro, Liliana Porter, Estela Sokol, Waltercio Caldas, Nazareno, Laura Erber e Edgard de Souza, entre outros – se apresenta independentemente das possíveis relações estabelecidas entre elas. “A exposição não é agradável, é muito contida e investe na potência das obras. Para o público, acho que é uma experiência de reflexão sobre o momento atual.”

Sobre o título da mostra, inspirado em trabalho de Paulo Climachauska presente na mostra, o curador é enfático: “A obra do Paulo fala muito do país e do que estamos vivendo hoje. Essa cordialidade do brasileiro, historicamente falando, é uma falácia, uma hipocrisia”. “Essa obra, que é uma releitura do trabalho do Debret, mostra uma relação entre escravos e senhores que aparentemente é cordial, mas que é absolutamente pautada na violência, no medo. E é isso que nós vivemos hoje. Em certo sentido pode parecer que está tudo bem, mas nós estamos em uma tensão violenta”, conclui.

Tensão relações cordiais

A Casa do Parque Av. Prof. Fonseca Rodrigues, 1300, São Paulo
De 23 de março a 30 de junho
Entrada Gratuita


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