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GUERRA CULTURAL POLÍTICA
O QUE PODE UMA
OBRA DE CULTURA, DE
ARTE OU DE CRÍTICA?
uma questão para tales ab’sáber*
no final de 2022, nas vésperas da eleição mais decisiva Aranda. Quando mostrei para eles, ainda em 2015, o que
dos destinos do Brasil, João Cezar de Castro Rocha ocorria nas redes e chats de uma extrema direita que se
apontou para o filme Intervenção: Amor não quer dizer organizava para um novo modo de guerra na internet,
grande coisa, trabalho do coletivo de cinema Rewald ficaram muito impressionados e começamos a traba-
e Ab’Sáber e do jornalista livre Gustavo Aranda, como lhar imediatamente. Acompanhamos todo o processo
um entendimento de destaque do que nos levou aos da queda de Dilma, até meados de 2016, observando
tempos sombrios do bolsonarismo. Na época, o crítico a vida, a ação e o “pensamento” dessa “nova” direita
fez a seguinte pergunta a Tales Ab’Sáber, o psicanalista delirante, violenta e virulenta, porque ela se expandia
e cineasta realizador do filme, que reconstruiu a história de modo contagiante e amplo nas redes. Suas intensi-
de sua recepção política e o seu caráter revelador dos dades, facilitações, lógica paranoica simplória de fundo
impasses do país. e direito à qualquer mentira, até chegar a alcançar a
força do delírio, no caso a mentira partilhada como
João Cezar de Castro Rocha – Em seu documentário desejo político – demonstrava o filme – facilitavam
Intervenção, Amor não quer dizer grande coisa, anteci- imensamente a adesão do ressentimento social e da
pou-se muito dos horrores que hoje desejam dominar a ignorância autoritária brasileiras àquele mundo, mundo
cena brasileira. Como entender que o delírio de teorias afetivo destrutivo, ficcional coletivo. Todo movimento
conspiratórias tenha se tornado realidade política para político, e técnico, fascista busca operar no nível de
dezenas de milhares de pessoas? uma conversão psíquica: do sujeito do sonho, da razão
mediada e do contrato social, se passa ao grupo do
Tales Ab’Sáber – O que pode uma obra de cultura, delírio, da realização imediata no desejo e à passagem
de arte ou de crítica, se sua comunidade se recusa ao ato, o direito à violência política, que se expressa,
em vê-la, aceitá-la, recebê-la? De fato em 2016 fize- incialmente, como ato de linguagem como choque. FOTO: DIVULGAÇÃO
mos este filme, eu, o cineasta e professor da eca usp Aquela direita que se unia a cada dia pelo afeto da guerra
Rubens Rewald e o montador e jornalista livre Gustavo total – o que os psicanalistas, desde os anos de 1930 e
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