Page 40 - ARTE!Brasileiros #61
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EXPOSIÇÃO SÃO PAULO
SÍNTESE DE UMA
PRODUÇÃO PLURAL Vista da exposição Minha língua, na Pinacoteca de São Paulo, ao
fundo, videoperformance A Cara. A Língua. O Ventre
Na Pinacoteca, quatro décadas de um trabalho
singular que abarca poesia, fotografia,
performance, vídeo, em diálogo com o corpo
por leonor amarante
Corpo e experimentalismo são marcos existen- ela na Flip deste ano, na mesa O corpo da imagem. O
ciais na produção dos artistas que performam. Os 40 pioneirismo da abordagem conceitual da palavra e do
trabalhos que constituem a exposição Minha língua: corpo nas artes visuais, pela importância simbólica
Lenora de Barros, na Pinacoteca do Estado de São dos elementos escolhidos, transforma alguns de seus
Paulo, enfatizam a combinação múltipla de linguagens trabalhos em contraescrita imagética.
ativadas pela artista ao longo de quatro décadas. De O abdômen também mantém a sensualidade na
forma espiralada, cognitiva, o conjunto revela as afini- videoperformance e parte de uma definição do poeta
dades da produção da artista desde os anos de 1970 concretista Décio Pignatari. “A mulher tem o relógio
até a videoperformance A Cara. A Língua. O Ventre. da história no umbigo”. Lenora comenta a proximidade
(2022), nascida durante o processo da mostra, curada do conceito com a obra Por si, em que uma bolinha de
por Pollyanna Quintella e comissionada pela Pinaco- pingue-pongue desliza na mesma área do abdômen.
teca. Como raros artistas, Lenora retira a argila de seu A cara de espanto, um dos fios condutores da obra de
destino utilitário e decorativo e a coloca no centro de Lenora, aparece discreta na videoperformance.
um discurso experimental, conceitual, fazendo uma Os trabalhos gravitam em torno da obra central e
leitura da matéria onde ancora as imagens. A Cara. A mantêm conexões conceituais como a série Não quero
Língua. O Ventre. decanta e desvia a sensualidade em nem ver (2005), formada por quatro vídeos projetados
várias direções. As três partes que compõem a obra em pequenos monitores: Tato do olho, Ela não quer ver,
são estratégias para ela experimentar movimentos Já vi tudo, Há mulheres. Em Já vi tudo, Lenora é filmada
sensuais da argila no seu corpo. encapuçada por malha tricotada, fechada sobre sua
Instalada no centro de grande sala, a obra instiga cabeça. Nesse trabalho ela optou por usar o tricô, “uma
e envolve o espectador, mas permite que ele faça atividade estigmatizada, por ser uma feminina, eu mesma
a própria “viagem”. O movimento lento das mãos já fiz tricô”. Mesmo escondida sob um capuz, ela atua
amassando a argila, na tentativa de “esculpir” uma numa experiência que se move numa dupla essência:
enorme língua, é sensual. A ideia é que o espectador visual e verbal. Os mesmos dedos, anelar e indicador,
alcance outra visibilidade, privilegiando fenômenos que perfuram a argila na videoperformance, em Já vi
invisíveis aos olhos e “veja” o objeto saindo de sua tudo tentam criar orifício na malha de lã tricotada. A
boca. Para atingir o ilusionismo, Lenora conta com sonorização ecoa a linguagem poética sussurrada que
olhares de parceiros que acompanham a filmagem. chega a murmúrios. Já no vídeo Há mulheres, nasci-
Como ela comenta, “executar isso é bem diferente do de texto publicado de 1993 a 1996, na coluna Umas,
do que fazer uma performance ao vivo”. Há tempos assinada por Lenora no Jornal da Tarde, a filiação com a
a artista investiga a relação com a língua e com a videoperformance se dá mais pela experiência estética. O FOTO: CHRISTIANE RUFFATO
palavra língua, ao mesmo tempo ideia de idioma, de poema Há mulheres é recitado em voz baixa, no mesmo
órgão e de linguagem. Essa definição foi reiterada por ritmo cadenciado dos demais trabalhos desta série, em
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