Page 83 - ARTE!Brasileiros #58
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direita entrar lá dentro como entrou com o governo
Bolsonaro”. Na visão de Salgado, a defesa desse movi-
mento vem da essencialidade das forças armadas em
todos os países do mundo; “sejam de esquerda, sejam
de direita, não importa, é um corpo técnico que o país
depende dele, que é uma instituição importante, forte
e que tem que ser neutra”.
voltar ao planeta
Aos 78 anos, Salgado acredita “na ideia de abran-
gência, de comunidade, de trazer dentro do seio do
que você quer mostrar; o opositor, o opositor não é
um inimigo que você tem que abater no radicalismo,
eu acho que o opositor é um parceiro futuro que você
tem que trazer, que conquistar”.
Por outro lado, uma injeção de certo tipo de ativismo
mais radical pode ser substancial às questões do meio
ambiente e sua preservação, afinal “a ecologia neutra
torna-se cúmplice da injustiça de um mundo onde a
comida sadia, a água limpa, o ar puro e o silêncio não
são direitos de todos – mas, sim, privilégios dos poucos
que podem pagar por eles”, como sugeriu Eduardo
Galeano. Nesse sentido, a modernização desenfreada
preocupa a ambos, “hoje nós não pertencemos mais ao
nosso planeta…” lamenta Salgado destacando o nível
de dependência da sociedade urbanizada ao mundo
da via expressa. “Não sabemos viver sem a assistência
que foi criada em volta da gente, nós perdemos essa
habilidade em relação à terra, em relação ao planeta
e eu acho que nós teríamos que organizar a volta ao
planeta, nós tínhamos que aprender do planeta, que
voltar espiritualmente ao planeta se a gente quiser
sobreviver como espécie”.
Seria a crítica de Salgado suficientemente categó-
rica? Ao escolher destacar apenas a vida na floresta, o
fotógrafo corre o risco de apresentá-la imortal?
“A Amazônia ainda é um paraíso, ainda é um lugar
dos mais maravilhosos do planeta, e que tem que ser
divino. Amazônia é o paraíso e o paraíso tem que ser
defendido, nós não podemos jogar o paraíso no inferno”,
FOTO: EVERTON BALLARDIN/ CORTESIA SESC pleito politicamente: “Para mim, a esquerda brasileira sublimes, de belíssimos contrastes marcantes, com
defende ele. Mas salvo o nobre mérito da questão, talvez
o dilema resida na possibilidade de que as imagens -
céus atormentados e imponentes - não desencadeiem
vai ter que mudar [em relação ao exército]. A esquerda
brasileira condena até hoje o exército brasileiro [por o impulso de fazer algo a respeito para que o bioma não
percorra viagem contrária de Dante. Pode-se dizer que
sua participação no Golpe de 1964], mas eu acho que
o perigo de apresentar o bioma como fatia do sagrado é
ela teria que mudar, teria que fazer um movimento em
que, nessa espécie de narrativa, mesmo após o fim dos
direção ao exército, porque excluindo o exército e se
excluindo do exército ela deixa o lugar para a extrema
tempos ainda há a segunda vinda do salvador. Cresce
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