Page 88 - ARTE!Brasileiros #58
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LIVROS MEMÓRIA
suas memórias. De 2007 a 2019 foram nove viagens, ela, assim como Beliel, cresceu ouvindo seu pai contar
11 mil quilômetros percorridos de carro, sete estados histórias de seu longo caminhar, da cultura familiar.
visitados e muitos, muitos, depoimentos gravados Como afirmava a pesquisadora e psicóloga social Ecléa
e rostos e lugares fotografados: “Queríamos ouvir a Bosi: “A memória oral é um instrumento precioso se
história destas pessoas. Sabemos que muito já foi desejamos constituir a crônica do cotidiano”.
dito e escrito, mas queríamos contar essa história A cada retorno, ao ouvir as histórias que haviam
por nós mesmos como uma grande reportagem, uma gravado, resolveram então que a semântica da fala dos
memória social daquele tempo”. O apoio de Luciana personagens deveria ser preservada. Os entrevistados,
Nabuco foi fundamental. Nascida em Belém do Pará, em sua grande maioria pessoas quase centenárias,
são descendentes da época do cangaço, personagens
de um ciclo da história do Brasil que nem sempre foi
bem lembrada.
Ozeas Gomes de Oliveira, irmão de Maria Bonita
Desta forma, Ricardo Beliel começou a escrever o
livro entrelaçando sua visão como jornalista - que é e
sempre foi - com os depoimentos dos 43 personagens
que selecionou para fazer parte do livro. Aos escritos
juntou suas fotos, mas também foi atrás das fotos que
os próprios personagens guardavam em suas casas.
Fala-se muito do libanês Benjamin Abrahão (1890-1938),
que fotografou e filmou o bando na década de 1930, mas
muitos outros fotografaram o movimento sem o devido
reconhecimento, visto que na época falar em crédito
na fotografia era quase inexistente. Muitas vezes o que
aparecia era o nome do proprietário do jornal. Beliel
encontrou estas imagens na casa dos próprios entre-
vistados e as reproduziu mesmo sem retoques, sem
trazer um ar novo para a fotografia, mas resguardando
as marcas do tempo que já haviam se incorporado às
imagens: “Foram fotografias feitas nos anos 1920 e 1930,
adquiriram marcas do tempo da história que quisemos
preservar”, comenta Beliel.
O resultado, embora em tom jornalístico, relembra
um pouco os grandes livros épicos onde histórias de
morte, de amor, de luta, de vinganças, de encontros
e desencontros nos são recontadas. Daí a ideia do
título. Um livro construído pela escuta - aliás, papel
este do jornalista, seja ele de texto ou da fotografia:
“Este livro é o renascimento do repórter que nunca
deixei de ser”, conta Beliel. Mas é Luciana Nabuco
que em forma de poesia no prefácio e posfácio do
livro nos lembra que ”estamos perdendo a história
porque estamos deixando de escutar nossos velhos.
Eles são as nossas fontes primárias”.
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25/03/2022 11:00
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