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LIVROS MEMÓRIA














                  suas memórias. De 2007 a 2019 foram nove viagens,   ela, assim como Beliel, cresceu ouvindo seu pai contar
                 11 mil quilômetros percorridos de carro, sete estados   histórias de seu longo caminhar, da cultura familiar.
                  visitados e muitos, muitos, depoimentos gravados   Como afirmava a pesquisadora e psicóloga social Ecléa
                  e rostos e lugares fotografados: “Queríamos ouvir a   Bosi: “A memória oral é um instrumento precioso se
                  história destas pessoas. Sabemos que muito já foi   desejamos constituir a crônica do cotidiano”.
                  dito e escrito, mas queríamos contar essa história   A cada retorno, ao ouvir as histórias que haviam
                  por nós mesmos como uma grande reportagem, uma   gravado, resolveram então que a semântica da fala dos
                  memória social daquele tempo”. O apoio de Luciana   personagens deveria ser preservada. Os entrevistados,
                  Nabuco foi fundamental. Nascida em Belém do Pará,   em sua grande maioria pessoas quase centenárias,
                                                                  são descendentes da época do cangaço, personagens
                                                                  de um ciclo da história do Brasil que nem sempre foi
                                                                  bem lembrada.
                              Ozeas Gomes de Oliveira, irmão de Maria Bonita
                                                                     Desta forma, Ricardo Beliel começou a escrever o
                                                                  livro entrelaçando sua visão como jornalista - que é e
                                                                  sempre foi - com os depoimentos dos 43 personagens
                                                                  que selecionou para fazer parte do livro. Aos escritos
                                                                  juntou suas fotos, mas também foi atrás das fotos que
                                                                  os próprios personagens guardavam em suas casas.
                                                                  Fala-se muito do libanês Benjamin Abrahão (1890-1938),
                                                                  que fotografou e filmou o bando na década de 1930, mas
                                                                  muitos outros fotografaram o movimento sem o devido
                                                                  reconhecimento, visto que na época falar em crédito
                                                                  na fotografia era quase inexistente. Muitas vezes o que
                                                                  aparecia era o nome do proprietário do jornal. Beliel
                                                                  encontrou estas imagens na casa dos próprios entre-
                                                                  vistados e as reproduziu mesmo sem retoques, sem
                                                                  trazer um ar novo para a fotografia, mas resguardando
                                                                  as marcas do tempo que já haviam se incorporado às
                                                                  imagens: “Foram fotografias feitas nos anos 1920 e 1930,
                                                                  adquiriram marcas do tempo da história que quisemos
                                                                  preservar”, comenta Beliel.
                                                                     O resultado, embora em tom jornalístico, relembra
                                                                  um pouco os grandes livros épicos onde histórias de
                                                                  morte, de amor, de luta, de vinganças, de encontros
                                                                  e desencontros nos são recontadas. Daí a ideia do
                                                                  título. Um livro construído pela escuta - aliás, papel
                                                                  este do jornalista, seja ele de texto ou da fotografia:
                                                                 “Este livro é o renascimento do repórter que nunca
                                                                  deixei de ser”, conta Beliel. Mas é Luciana Nabuco
                                                                  que em forma de poesia no prefácio e posfácio do
                                                                  livro nos lembra que ”estamos perdendo a história
                                                                  porque estamos deixando de escutar nossos velhos.
                                                                  Eles são as nossas fontes primárias”.


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