Page 86 - ARTE!Brasileiros #58
P. 86

LIVROS MEMÓRIA
















                  O CANGAÇO ONTEM E HOJE






                                                Livro Memórias Sangradas: vida e morte
                                                nos tempos do cangaço, de Ricardo
                                                Beliel, reúne fotos e depoimentos
                                                registrados pelo jornalista ao longo de
                                                anos percorrendo o sertão nordestino


                                                por simonetta persiChetti








                 Com o tempo perDemos a transmissão da histó-        E foi atrás desta história que o jornalista Ricardo
                  ria pela oralidade; pior, perdemos o poder da escuta.  Beliel e sua esposa, a artista plástica e cineasta Luciana
                  Do silêncio, do tempo que transcorre tranquilo sem a   Nabuco, embarcaram. “Tudo começou em 2007, quando
                  necessidade de apressá-lo. Com o tempo perdemos   fiz uma reportagem para uma revista europeia chamada
                  nossa capacidade de olhar para nossos rostos para   Geo. Junto com um repórter espanhol subimos o Rio
                  ver as nossas marcas, para entendermos o nosso ser  São Francisco”, nos conta o autor. Foi lá que Beliel
                  e estar no mundo.                               relembrou sua infância, quando sua mãe professora
                    Mas é esse tempo perdido, essa voz que adoça   de história e geografia gostava de contar para a família
                  os ouvidos, que reencontramos no livro do repórter e   as narrativas da cultura brasileira, e escutou histórias
                  fotógrafo Ricardo Beliel, Memórias Sangradas: vida e   dos que ali ainda viviam. Foi ali também que soube
                  morte nos tempos do cangaço, Editora Olhares e apoio   que havia remanescentes do movimento de Canudos.
                  do Rumos Cultural.                              O então menino, que ouvia encantado sua mãe falar
                    A publicação reconta uma história que há muito   sobre o interior nordestino, sobre o sertão, por meio
                  perpassa o imaginário brasileiro, tendo sido contada   dos livros de Graciliano Ramos e de Rachel de Queiróz,
                  em livros, fotos e filmes: a do cangaço. O movimen- entres tantas outras histórias, ampliou seu imaginário.
                  to que dominou o sertão nordestino de 1920 até ser   Naquele mesmo ano, na verdade, na mesma semana,
                  definitivamente aniquilado em 1938 pelas tropas do   Ricardo Beliel, como freelancer, retornou ao sertão nor-
                  então governo do Getúlio Vargas, na famosa batalha   destino para produzir algumas matérias sobre o assunto
                  de Angico em Sergipe. A saga de Virgolino Ferreira da   do cangaço. Conseguiu publicar algumas matérias em
                  Silva, conhecido Lampião (1898-1938), Maria Bonita   revistas, mas foi só em 2014 que ele convidou Luciana
                  (1911-1938) e seu bando, composto entre outros por  Nabuco para percorrerem juntos o sertão nordestino,   FOTOS: RICARDO BELIEL / DIVULGAÇÃO
                  Corisco, Dadá, Pancada, Labareda, Volta Seca e Jara- procurar os lugares por onde o bando de Lampião
                  raca é talvez uma das mais importantes e conhecidas   andou e tentar falar com as pessoas que habitavam
                  da história brasileira.                         aquelas paragens, ouvir suas histórias, fotografar


                  86





                                                                                                                25/03/2022   11:00
         Book_ARTE_58.indb   86                                                                                 25/03/2022   11:00
         Book_ARTE_58.indb   86
   81   82   83   84   85   86   87   88   89   90   91