Page 54 - ARTE!Brasileiros #56
P. 54
EXPOSIÇÕES SÃO PAULO
com as suas próprias normas de escrever que Carolina
fabula as possibilidades de reinvenção do que a cerca.
As letras de Carolina Maria de Jesus atravessaram
o Oceano Atlântico e, no lado de lá, desaguaram cons-
truindo diálogos afro-diaspóricos materializados no livro
Cartas a uma negra, da escritora martinicana Françoise
Ega, radicada na França. A obra de Carolina faz parte
de um universal entre os vários universais existentes
no mundo. As suas palavras acolheram outra autora
e possibilitaram que ela também se tornasse sujeita
reflexiva de si a partir da escrita em diálogo com as
letras de Carolina.
Pois é Carolina, as misérias dos pobres do mundo
inteiro se parecem como irmãs. Todos leem você
por curiosidade, já eu jamais a lerei; tudo o que
você escreveu, eu conheço, e tanto é assim que
outras pessoas, por mais indiferentes que sejam,
ficam impressionadas com as suas palavras.
(EGa, 2021, p. 5)
Carolina Maria de Jesus é uma escritora do nosso
tempo. Sua obra, além de seguir nos fazendo pensar a
sociedade brasileira com todas as suas desigualdades
sociais, é um patrimônio cultural afro-brasileiro que deve
ser revisitado constantemente. A partir disso, é tarefa Trecho de Um Brasil para os Brasileiros em
caderno manuscrito de Carolina Maria de
primordial desenquadrar nossos olhares sobre a vida, Jesus (data desconhecida)
a prosa e a poesia de Carolina e, para isso, a exposição
Carolina Maria de Jesus: um Brasil para os brasileiros
propõe e nos instiga a perceber essas outras tramas
existenciais da escritora. Lembremo-nos de Carolina a
partir das suas palavras: “Não digam que fui rebotalho,
que vivi à margem da vida”.
REFERÊNCIAS
aKotirEnE, Carla. O que é interseccionalidade? Belo Horizonte: Letramento, 2018.
anGElou, Maya. Mamãe & eu & mamãe. Tradução de Ana Carolina Mesquita. 1ª ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2018.
anZaldúa, Glória. Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo [versão eletrônica].
In: Revista Estudos Feministas, p. 229-236, 2000. FOTO: ACERVO INSTITUTO MOREIRA SALLES
EGa, Françoise. Cartas a uma negra. Tradução Vinícius Carneiro e Mathilde Moaty. 1ª ed. São Paulo: Todavia, 2021.
morrison, Toni. A origem dos outros: Seis ensaios sobre racismo e literatura. Tradução Fernanda Abreu; prefácio Ta-Nehisi Coates.
1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras.
1 Música “Letras Negras” de Larissa Luz, que é uma das faixas do seu álbum Território Conquistado, de 2016
54