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EXPOSIÇÕES SÃO PAULO
Caminhando sobre as águas, 1992.
Seis caixas de luz quadradas,
alinhadas frontalmente, formam
uma paisagem
Este é outro exemplo do tratamento
que Jaar dá às imagens. A fotografia do
postal está projetada em larga escala
na mostra, mas quem apenas observa
a imagem não percebe de imediato
seu caráter político, sendo preciso ler
o texto no postal para compreender a
contundência da foto. “Somos analfa-
betos visuais”, constata o artista. Por
isso, parte de seu trabalho está em
provocar um estranhamento que tire
o visitante da zona de conforto. Afi-
nal, mesmo com a produção de três
bilhões de imagens por dia, como diz
Jaar, “ninguém ensina a ver”.
A mostra no Sesc Pompeia, local
escolhido pelo próprio artista após visi-
tar outros lugares, ocupa o espaço de
maneira exemplar. “Sou arquiteto por
formação, então sempre respondo ao
contexto e tudo aqui está na escala do
espaço”, conta o artista.
Apesar de ter nas imagens o centro de sua reflexão, Para a exposição no Sesc, ele também criou um
algumas obras da exposição são textos, que por seu lado novo trabalho, novamente um texto, o neon roteiros,
remetem às imagens. É o caso do cartaz VOCÊ NÃO TIRA roteiros, roteiros, roteiros, roteiros, roteiros, roteiros, o
UMA FOTOGRAFIA. VOCÊ FAZ UMA FOTOGRAFIA, frase atribuí- famoso trecho do Manifesto Antropófago, de Oswald
da ao fotógrafo estadunidense Ansel Adams (1902–1984). de Andrade, publicado na Revista de Antropofagia, em
Aqui se percebe o caráter filosófico de Jaar, primeiro pelo 1928. “Na confusão em que vivemos, é preciso novos
aspecto reflexivo: quem visita a exposição é convidado modos de pensar o mundo”, afirma Jaar.
a perceber como uma imagem é mais uma construção Essa confusão se reflete na famosa frase do pen-
do que um ato documental. Depois, pelo aspecto demo- sador e político Antonio Gramsci (1891–1937): “O velho
crático, ao partilhar sua obra, já que é permitido o cartaz. mundo está morrendo. O novo demora a nascer. Nesse
Além do cartaz, aliás, também está disponível ao claro-escuro, surgem os monstros”, escrita em 1930,
público o postal Um milhão de pontos de luz, uma foto durante o tempo em que esteve preso na Itália, entre
feita do oceano Atlântico em Luanda (Angola), na direção 1927 e 1937 - um período de grandes conflitos, espe-
do Brasil, de onde saiu grande parte dos escravizados cialmente pela ascensão do fascismo, um momento
que para cá foram trazidos, uma estimativa que alcança politicamente muito semelhante ao atual. Os cartazes
3,5 milhões de pessoas. A imagem, no entanto, é quase desta frase estão disponíveis na Bienal de São Paulo, FOTO: PATRICIA ROUSSEAUX
abstrata, pois o que se vê é apenas o reflexo do sol no nas cores da bandeira brasileira, o que está longe de
mar, mas que se distribui em pontos luminosos que evo- ser uma coincidência. Afinal, como explica o artista,
cam a violência que a travessia no Atlântico representa. “as imagens não são inocentes”.
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