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ARTISTA CENTENÁRIO LEÓN FERRARI







            NO ANO INFERNAL,


            O ARTISTA QUE


            ABOLIU O PURGATÓRIO


            COMPLETARIA


            100 ANOS


                                                   A data marca o início de uma longa
                                                   celebração intercontinental a León Ferrari,
                                                   artista argentino crítico ao catolicismo,
                                                   provocador e dono de um Leão de Ouro

                                                   por miguel groisman


           “inQuieto, navegou em toDas as águas e experi- argentina do Instituto Di Tella, em meados da déca-
            mentou técnicas e suportes diversos como a xerox, o   da de 1960. Na ocasião, Ferrari produziu uma série
            videotexto, a arte postal, microfichas, livros de artista,  de obras que denunciavam a Guerra do Vietnã. Entre
            heliografia, uso da letra-set e instalações sonoras”,  elas, vários objetos que ofereciam representações de
            escreveu a crítica e curadora Leonor Amarante sobre   bombardeios a aldeias vietnamitas, figurando La Civi-
            o emblemático artista León Ferrari (1920-2013), cujo   lización Occidental y Cristiana como seu alferes mais
            centenário foi celebrado no dia 3 de setembro.  visível. A peça central, ou sua reputação, efervesceu o
               A propósito da data, a exposição retrospectiva La   debate público, provocando as já esperadas reações
            Bondadosa Crueldad percorrerá dois anos pela Europa.  enfáticas que a fizeram ser recolhida antes mesmo da
            Sua inauguração acontece neste 15 de dezembro de 2020   sua exibição oficial.
            no Museu Reina Sofía, em Madrid (Espanha) – onde   Em resposta a um artigo assinado pelo crítico Ernesto
            sete salas serão dedicadas à obra de Ferrari -, com   Ramallo sobre o episódio, o artista escreveu: “Ignoro o
            sequência no Museu Van Abbe, em Eindhoven (Holan- valor formal das peças. A única coisa que peço à arte é
            da), onde permanece de 8 de maio a 26 de setembro do   que me ajude a dizer o que penso da forma mais clara
            próximo ano. O percurso da mostra, na Europa, termina   possível, a inventar signos plásticos e críticos que me
            em agosto de 2022, no Centro Georges Pompidou, em   permitam condenar com a maior eficiência a barbárie
            Paris (França).                                 do Ocidente; é possível que alguém me mostre que
               Nesta itinerância, circulam trabalhos que “desmon- isso não é arte (...) Eu não mudaria meu caminho, me
            tam as sequências naturalizadas de violência propagadas   limitaria a mudar seu nome ”.
            pela guerra, religião e outros sistemas de poder” e que   No final, Ferrari concordou com a retirada para que
           “convidam quem os olha a parar, refletir e se posicionar”,  seus outros trabalhos pudessem permanecer à vista. O
            segundo a Fundación Augusto y León Ferrari-Arte y   momento de seu feitio se encaixa cronologicamente em
            Acervo. Entre eles, um dos que geram maior inquietação   um período de radicalização do pop art na Argentina;
            e anseio é La Civilización Occidental y Cristiana, que   o que é notado pelo amigo de Ferrari, o poeta Rafael
            crucifica uma imagem de Jesus Cristo, comprada no  Alberti, em uma correspondência ácida e espirituosa
            varejo, no topo da recriação de um jato estadunidense   enviada de Roma: “Meu caro Leon: eu realmente gosto
            de combate.                                     de seus projetos de pop art anti [Lyndon] Johnson.
               A peça foi criada sob comissão pela premiação  Avise-me quando o levarem a Martín García para iniciar

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