Page 68 - ARTE!Brasileiros #53
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ARTISTA CENTENÁRIO LEÓN FERRARI
NO ANO INFERNAL,
O ARTISTA QUE
ABOLIU O PURGATÓRIO
COMPLETARIA
100 ANOS
A data marca o início de uma longa
celebração intercontinental a León Ferrari,
artista argentino crítico ao catolicismo,
provocador e dono de um Leão de Ouro
por miguel groisman
“inQuieto, navegou em toDas as águas e experi- argentina do Instituto Di Tella, em meados da déca-
mentou técnicas e suportes diversos como a xerox, o da de 1960. Na ocasião, Ferrari produziu uma série
videotexto, a arte postal, microfichas, livros de artista, de obras que denunciavam a Guerra do Vietnã. Entre
heliografia, uso da letra-set e instalações sonoras”, elas, vários objetos que ofereciam representações de
escreveu a crítica e curadora Leonor Amarante sobre bombardeios a aldeias vietnamitas, figurando La Civi-
o emblemático artista León Ferrari (1920-2013), cujo lización Occidental y Cristiana como seu alferes mais
centenário foi celebrado no dia 3 de setembro. visível. A peça central, ou sua reputação, efervesceu o
A propósito da data, a exposição retrospectiva La debate público, provocando as já esperadas reações
Bondadosa Crueldad percorrerá dois anos pela Europa. enfáticas que a fizeram ser recolhida antes mesmo da
Sua inauguração acontece neste 15 de dezembro de 2020 sua exibição oficial.
no Museu Reina Sofía, em Madrid (Espanha) – onde Em resposta a um artigo assinado pelo crítico Ernesto
sete salas serão dedicadas à obra de Ferrari -, com Ramallo sobre o episódio, o artista escreveu: “Ignoro o
sequência no Museu Van Abbe, em Eindhoven (Holan- valor formal das peças. A única coisa que peço à arte é
da), onde permanece de 8 de maio a 26 de setembro do que me ajude a dizer o que penso da forma mais clara
próximo ano. O percurso da mostra, na Europa, termina possível, a inventar signos plásticos e críticos que me
em agosto de 2022, no Centro Georges Pompidou, em permitam condenar com a maior eficiência a barbárie
Paris (França). do Ocidente; é possível que alguém me mostre que
Nesta itinerância, circulam trabalhos que “desmon- isso não é arte (...) Eu não mudaria meu caminho, me
tam as sequências naturalizadas de violência propagadas limitaria a mudar seu nome ”.
pela guerra, religião e outros sistemas de poder” e que No final, Ferrari concordou com a retirada para que
“convidam quem os olha a parar, refletir e se posicionar”, seus outros trabalhos pudessem permanecer à vista. O
segundo a Fundación Augusto y León Ferrari-Arte y momento de seu feitio se encaixa cronologicamente em
Acervo. Entre eles, um dos que geram maior inquietação um período de radicalização do pop art na Argentina;
e anseio é La Civilización Occidental y Cristiana, que o que é notado pelo amigo de Ferrari, o poeta Rafael
crucifica uma imagem de Jesus Cristo, comprada no Alberti, em uma correspondência ácida e espirituosa
varejo, no topo da recriação de um jato estadunidense enviada de Roma: “Meu caro Leon: eu realmente gosto
de combate. de seus projetos de pop art anti [Lyndon] Johnson.
A peça foi criada sob comissão pela premiação Avise-me quando o levarem a Martín García para iniciar
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