Page 81 - ARTE!Brasileiros #52
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climática são interligadas - majoritariamente - por três fatores:
a exposição dos grupos sociais desfavorecidos aos “efeitos
adversos da mudança climática”; a suscetibilidade dos grupos
desfavorecidos a danos causados por perigos climáticos; e a
capacidade relativa desses grupos de lidar e se recuperar dos
danos que sofrem. No caso das enchentes, por exemplo, grupos
desfavorecidos têm maior probabilidade de viver em áreas pro-
pensas a serem alagadas, no entanto, apresentam menor poder
econômico e político para se recuperar dos estragos causados
pelas enchentes e/ou cobrar uma compensação do Estado.
“Vivemos no capitalismo. Seu poder parece inescapável.
O mesmo aconteceu com o direito divino dos reis. Qualquer
poder humano pode ser resistido e mudado por seres humanos.
Resistência e mudança geralmente começam na arte”, disse a
falecida escritora Ursula K. Le Guin em 2014, aos seus 84 anos.
Em relação à fala de Le Guin, Mendel confessa: “Eu gostaria de
concordar, mas me sinto muito desolado em relação ao futuro”.
Apesar disso, ele também nota que poderia ser surpreendido.
“Cheguei à maioridade na África do Sul, no final dos anos 1980.
Eu nunca teria imaginado que o Apartheid teria caído, era com-
pletamente inconcebível, então podemos nos surpreender de
como as coisas mudam.”
A desesperança na sua fala é posta à prova, no entanto, pela
continuidade dos seus projetos, que segundo o fotógrafo se
estabelecem em uma pirâmide sustentada entre documentário,
arte, e ativismo. “Com Drowning World, sempre foi um debate:
quando terminamos? Posso terminar? E em que momento? Em
que ponto está completo? E essa é uma questão que ainda não
resolvi por mim mesmo, porque sempre há mais o que fazer”.
Mendel também planeja dar continuidade ao projeto Fire, que
percorre outra faceta dos desastres climáticos impulsionados
pela ação humana. Para sua próxima empreitada com Fire, o
fotógrafo planeja reunir fundos para financiar uma volta à Cali-
fórnia, onde fotografou em 2018, e ao Brasil, para documentar
as consequências da queima do Pantanal.
Além de dar seguimento a esses dois trabalhos, ele estuda a
possibilidade de realizar uma produção inédita partindo de sua
história familiar. Seus pais foram judeus alemães que encontra-
ram refúgio na África do Sul. Sua avó paterna também tentou sair
da Alemanha, mas acabou não conseguindo. O pai do fotógrafo
manteve os documentos que haviam sido preparados para a vinda
da mãe, no entanto. A isso, Gideon soma correspondências e
álbuns feitos pela avó, que estudou fotografia em Berlim de 1915
Fina e Anthony Montagner,
com os filhos Christian e a 1917. “Há tantos anos que estou preso neste trabalho e sempre
Dylan, no que restou do antigo resisti a começá-lo, mas chegou a hora de tentar. Talvez eu tivesse
lar consumido pelas chamas que esperar a morte da minha mãe; ela faleceu há dois anos. O
problema é que esta não é uma história única, muitas famílias
ficaram feridas pelas migrações, a questão é como faço isso, o
que eu consigo trazer para esse projeto”. Resta acompanhar seu
percurso para saber.
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