Page 79 - ARTE!Brasileiros #52
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”Ouvi dizer que o governo tem
planos de nos mudar e transformar
esta área em um parque, mas ouço
isso há anos e ainda estamos aqui”
Francisca Chagas dos Santos, Rio Branco, Brasil, 2015
Rio Acre, que normalmente apresenta o nível de seis a oito metros
e pode ficar abaixo de três em períodos de seca. Mendel relata
que quando chegou lá, o nível da água já havia abaixado, tendo
antes passado por cima dos telhados de algumas casas. “As
pessoas [que retratei] pertenciam a uma comunidade pobre e
eles não tinham acesso a água encanada, então usavam a água
da enchente para limpar suas paredes”.
Analisando o cenário de resposta ambiental de lá para cá, o
fotógrafo faz a ressalva: “Não era que o governo antes de Bolso-
naro fosse brilhante em termos de sua resposta ao meio ambiente,
aliás acho que vinha agindo de maneiras muito contraditórias.
Mas agora, o que é aterrorizante, em um sentido global, é que,
em um momento da história em que se precisa de uma ação
global coordenada - particularmente em mudanças climáticas
-, há tantos líderes populistas no mundo que estão fazendo o seu
melhor para minar esforços ambientais - e acho que com grande
apoio de um complexo industrial petroquímico”.
Em 2011, no artigo Quatro frases que aumentam o nariz do
Pinóquio, o jornalista e escritor uruguaio Eduardo Galeano também
nota o apoio de setores da indústria nessa reversão dos esforços
ambientais - embora, naquela época, não se referindo ao fenômeno
do populismo. Galeano nos lembra que das dez maiores empre-
sas produtoras de sementes do mundo, seis fabricam pesticidas
(Sandoz-Ciba-Geigy, Dekalb, Pfizer, Upjohn, Shell, iCi). “A indústria
química não tem tendências masoquistas”, escreve o uruguaio. Ele
afirma: “A recuperação do planeta ou daquilo que nos sobre dele
implica na denúncia da impunidade do dinheiro e da liberdade
humana. A ecologia neutra, que mais se parece com a jardinagem,
torna-se cúmplice da injustiça de um mundo, onde a comida sadia,
a água limpa, o ar puro e o silêncio não são direitos de todos - mas,
sim, privilégios dos poucos que podem pagar por eles”.
A relação entre classe e a crise ambiental, ressaltada por Galea-
no nesse trecho, vem ganhando maior atenção na última década.
Este é um fator que Mendel não deixou passar em branco, pela
diversidade tempo-espacial entre seus representados, pessoas
que - mesmo pertencentes a um mesmo país, mas em regiões
diferentes - terão condições distintas para lidar com os estragos
causados pelas enchentes e a reconstrução das suas vidas.
Em relatório liberado pelo Departamento de Assuntos Econô-
micos e Sociais das Nações Unidas (desa-onU), a desigualdade
social (não só econômica, mas também de poder político) e a crise
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