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ARTIGO ARTE NA PANDEMIA



               A reação ao óbvio veio carregada de perversidade   É possível, no entanto, imaginar que a crise atual
            típica dos nossos tempos. Ao invés de atrair novas e   venha acelerar uma reação por parte das instituições,
            férteis contribuições neste campo, as instituições cor- tornando mais ágeis e criativas as formas de contato
            taram gastos exatamente onde faziam falta, enxugando   com o público. É o caso por exemplo da iniciativa tomada
            os setores de educação e comunicação. Segundo pes- pela 12ª Bienal do Mercosul que, ao invés de adiar sua
            quisa realizada pela seção brasileira do Comitê para a   realização, optou por realizar o evento online (ver página
            Educação e Ação Cultural do Conselho Internacional  10). Outras instituições de fôlego, como o Masp e a
            de Museus (CeCa-Br/iCom) e da Rede de Educadores   Bienal de São Paulo, vêm tentando conquistar o público
            em Museus do Brasil (rem-Br), 24% das 147 instituições   com uma oferta crescente de lives, destaques de acervo
            consultadas (em 19 estados) demitiram funcionários   e exposições virtuais. É o caso por exemplo da mostra
            com medo da dupla crise, econômica e sanitária. Além   Distância, organizada pela Pinacoteca com curadoria de
            disso, 74% dos consultados estavam realizando traba- Ana Maria Maia, que põe em diálogo cinco videoartes
            lho à distância e relataram graves dificuldades como   do acervo do museu, nas quais se veem pessoas em
            falta de equipe para realização de projetos virtuais e   situação de distanciamento, físico mas também social,
            impossibilidade de acesso aos acervos das instituições   de raça ou gênero.
            (obras, documentos etc.).                          Seguir exemplos internacionais de sucesso, como
               Além de claras limitações materiais, a falta de intimi- os bem realizados sites de museus como o Prado ou
            dade com conteúdos digitais, a inexistência de bases de   o British Museum – que reúnem um volume enorme
            dados virtuais, a dificuldade em transpor uma relação   de informações que o visitante pode consultar de
            entre público e arte, que demanda um contato físico,  maneira ágil e a partir de focos bastante precisos e
            estão entre as principais dificuldades enfrentadas por  pessoais – pode parecer um sonho impossível num
            aqueles que pretendem estabelecer novas formas de   momento em que falta mão de obra, tempo e dinheiro.
            fruição, que permitam ao público iniciar ou dar conti- Daí a importância das iniciativas em rede, coletivas,
            nuidade a uma relação com o universo da arte. Vive- autogestionadas que, mesmo tendo alcance menor,
            mos de repente, e de maneira intensa, a necessidade   tem um efeito randômico e libertador. Uma delas é a
            de acelerar fortemente os mecanismos virtuais de   iniciativa do portal-revista-museu NaBorda, de realizar
            consumo, circulação e produção de arte. Não se trata   uma edição especial dedicada à pandemia.
            de substituir a relação entre obra e espectador, mas   O projeto reúne trabalhos de dezenas de artistas,
            sim de desenvolver novas formas e critérios para isso,  de diferentes gerações, que se debruçam sobre esse
            desafio que se coloca para museus, galerias, arquivos   momento delicado, desafiante e assustador. Alguns tra-
            e instituições de arte em todo o mundo.         balhos são comentários mais diretos sobre o momento
               Ferramentas vêm sendo criadas para isso e há uma   político e social atual – como a terrível Novos Empreendi-
            série de projetos de formação e disseminação dessas   mentos, de Eduardo Verderame, que transforma os túmu-
            estratégias, como o Abre-te Código, desenvolvido pelo   los abertos massivamente em suntuosos lançamentos
            Instituto Goethe em parceria com Coding da Vinci,  imobiliários, ou o aBC do Coronavirus, do nigeriano Ayò
            Conselho Internacional de Museus no Brasil, Creative   Akínwáné, que explicita o caráter excludente e racista
            Commons Br, Wiki Movimento Brasil, Fundação Bienal   das nossas sociedades. Outros lidam de forma mais
            de São Paulo, Instituto Moreira Salles e Itaú Cultural. O   poética com a sensação de suspensão que estamos
            projeto, que teve início no mês de junho e terá três meses   vivendo, mostrando como são múltiplos e coletivos
            de duração, tem por objetivo realizar uma capacitação   os caminhos, estratégias e ações para enfrentar esse
            em rede, disponibilizando ao público uma série de   mundo em interregno. Afinal, como sintetiza Verderame,
            discussões e estudos de caso que tratam de aspectos  “não são tempos fáceis e irão deixar marcas fortes na
            como legislação, sistemas, processos e tecnologia.  subjetividade de uma geração inteira”.
            O coordenador do projeto no Brasil, Leno Veras, faz
            questão de ressaltar o enorme potencial desse tipo de   Vivemos de repente, e de
            ação, que vai muito além de emular a experiência de   maneira intensa, a necessidade
            uma visita ao museu. Segundo ele, o caminho é articular
            contextos, promover novas experiências e estimular uma   de acelerar fortemente os
            maior participação do público. “As instituições precisam  mecanismos virtuais de consumo,
            entender que a tecnologia não é fim, é meio”, afirma.  circulação e produção de arte


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