Page 85 - ARTE!Brasileiros #50
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Como escreveu
certa vez o
pesquisador
Boris Kossoy,
“desaparecidos
os cenários,
personagens e
monumentos,
sobrevivem,
por vezes, os
documentos”
hopeless box as pessoas atingidas pelo tsunami que fugisse de uma
As fotos chegavam ao projeto lavadas, encharcadas e até história recheada com números que involuntariamente
completamente obliteradas. Por um tempo, aquelas dani- seria traduzida em um conto sobre tragédia ou uma
ficadas consideravelmente, cujo estado era praticamente alegoria forçosa sobre esperança diante do caos. Lost
impossível de passar por restauro, eram designadas para & Found - com registros fornecendo ricas eminências
o Hopeless Box (“caixa sem esperança”), uma solução de história, abraçando uma constelação maior do que
para deixá-las intactas até que a equipe descobrisse qual nos resta da tragédia e também imagens visualmente
seria seu destino, embora cada vez mais colaboradores impressionantes como resultado da sua deformação quí-
expressassem que seria melhor simplesmente descartá- mica - fornece um espaço de suspensão nessa dicotomia.
-las. Com o andar da campanha, uma questão que ainda
martelava a cabeça dos organizadores era a possibilidade por que FotograFamos?
de fornecer um retorno financeiro para a comunidade “Por que as pessoas estão sempre tirando fotos?” é uma
afetada. Um esquema de moradias temporárias começava questão que parece assolar recorrentemente Mune-
a ser implementado e necessitava verbas para custear masa Takahashi, pelo menos ao longo da escrita do
sua construção e seus trabalhadores. Eles concordavam livro Tsunami, Photographs and Then.
que era significativo mostrar esses registros a quem não A fotografia cria uma realidade que existe precisamente
podia visitar o acervo. nela, nem antes, nem fora dela, fornece um traço indicial
Uma resolução foi expor as fotos que outrora esta- de quem esteve lá, como se pareciam. Walter Benjamin
vam perdidas, surgindo assim o Lost & Found Project, afirmaria que “no culto da lembrança dos seres queridos,
levando-as da Galeria Internacional da Fotografia, no afastados ou desaparecidos, o valor de culto das imagens
Japão, até o Centro para Fotografia Contemporânea, na encontra-se o último refúgio. Na expressão fugidia de um
Austrália, e a Fundação Aperture, nos Estados Unidos. rosto humano, nas fotos antigas, pela última vez emana
“Nós optamos por exibir as fotos em um formato de aura. É isso que lhes empresta aquela melancólica beleza,
exposição porque queríamos que as pessoas as vissem que não pode ser comparada a nada”.
pessoalmente, não através de material impresso ou & Found sejam bem recebidas pelos visitantes, talvez
Caso as fotografias agrupadas para o projeto Lost
da Internet”, relata Takahashi, notando também que
CREDITO IMAGENS XXXXXXXXXXXX ainda se faziam perguntas como: “E se não pudermos essas fotografias simbolizaram, se distanciando de
logo antes da exposição sair do papel os organizadores
seja possível falar de uma ressignificação daquilo que
arrecadar dinheiro suficiente para as habitações tem- um exclusivo testemunho de desastre, voltando a se
aproximar de um canalizador das questões universais
porárias? E se for eticamente errado mostrar as fotos
do ser humano; como escreveu Ursula Le Guin, do que
publicamente?”. Seguindo o sentido oposto, a mostra
se tornou uma forma de entregar uma narrativa sobre
há “no ventre do tempo, e morte, e chance”.
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