Page 42 - ARTE!Brasileiros #50
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ENTREVISTA DENILSON BANIWA



































                  Pusssanga: há
                  mundos que tão
                  encobertos pelo
                  concreto, só os
                  pajés conseguem
                  alcançar, 2019,
                  acrílica sobre tela,
                  50 x 50 cm




                    posso falar, não que seja uma obrigação – mas é   vida e o espiritual não se desliga do mundo natural,
                    como eu entendo –, é você viver nesse mundo sem   digamos assim.
                    envergonhar o seu povo. E acho que isso é uma coi-  E as discussões em torno da apropriação cultural
                    sa que eu quero levar. Eu quero viver nesse mundo   por parte de outros?
                    em que meu povo possa se orgulhar sabendo que    Eu acho que roubo é roubo. Se você é um ladrão,
                    não vou prejudicá-los, porque sei que o único lugar   tem que assumir o seu roubo. O que me incomoda
                    que eu posso voltar é para o meu povo. Eu posso   na apropriação na arte não é o roubo em si, mas a
                    fazer muito sucesso aqui, posso viajar muito, posso   ficção criada em cima do roubo. Quando alguém
                    ganhar mil coisas onde estou neste momento. Mas,   passa uma semana em uma aldeia e volta se achan-
                    se um dia algo der errado, o único lugar que vai me   do o pajé. Essa ficção criada para justificar o roubo
                    aceitar é junto do meu povo.                     é o que me incomoda. É como uma desculpa. Eu
                                                                     vejo muito isso em alguns lugares que vou e tem
                 É uma questão de apropriação?                       artistas que se utilizam de padrões, de discursos
                    Não sei se apropriação... Às vezes são coisas que as   indígenas, de medicinas. Tem sempre uma história
                    pessoas não têm autoridade para fazer. Por exemplo,   mirabolante em torno de tudo. Isso me deixa fatiga-
                    as cestarias Baniwa têm todo um símbolo, todo um   do. As pessoas precisam assumir “eu roubei e vou
                    código. É um objeto que ativa conexões entre vários   utilizar isso aqui”, porque aí as coisas ficam mais
                    mundos. Se eu utilizo uma cestaria eu tenho que   claras. É como se utilizar dos grafismos indígenas
                    entender que ativações esse objeto realiza. Então   para criar uma coleção de roupas e falar que está
                    são coisas sobre as quais não se tem controle. É um   valorizando a floresta e os povos indígenas. Não.
                    descuido, ou um não entendimento, de como funcio-  Criou-se uma estampa a partir de um grafismo
                    na o mundo indígena, onde a arte não se desliga da   indígena porque quer vender.


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