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ARQUITETURA KAMAYURÁ



                  o xingu se transForma rapiDamente. Lideranças   quatro águas cobertas com palha. As ocas medem em
                  indígenas do território estão preocupadas com o destino   torno de 30 por 10 metros e podem chegar a 10 metros
                  do saber acumulado por eles em centenas de anos. O   de altura, com aberturas baixas, por onde se dá o acesso.
                  Parque Indígena do Xingu, situado ao norte do estado   Como entrar no Xingu com a ideia de colaborar com os
                  de Mato Grosso, entre o Cerrado e a Amazônia, abriga   indígenas em um projeto de compreensão e representação
                  cerca de 14 etnias diferentes, entre elas os Kamayurá. No   da habitação tradicional deles sem encontrar a resistência
                  ano passado eles decidiram criar uma publicação com   de etnólogos, antropólogos, sertanistas? Luis Octavio
                  as técnicas de edificação de ocas. Desse desejo nasceu   comenta que um antropólogo fez parte do projeto e com
                  o Manual da Arquitetura Kamayurá, uma síntese de sua   ele tiveram reuniões preliminares nas quais ele apresentou
                  construção tradicional.                         as exigências formais de convivência no Parque Indígena
                    A ideia partiu de Kanawayuri L. Marcello Kamayurá,  e as etiquetas no modo de tratar os Kamayurá. Tiveram
                  liderança local, ao conhecer no Xingu a arquiteta Clarissa   que seguir um protocolo inicialmente rígido e que depois
                  Morgenroth, ótima desenhista que viajava pela região por  ficou mais relaxado, segundo o arquiteto.
                  nove meses. Ele a convidou para o projeto e ela envolveu   Durante a oficina foram feitos levantamentos de medi-
                  a Escola da Cidade, através da plataforma Habita-Cidade   das e materiais utilizados nas construções Kamayurá. A
                  com a oficina Modos de Habitar: Arquiteturas Tradicionais.  partir desses levantamentos foram realizados desenhos
                  Formou-se um grupo de estudantes e professores que   de representação (plantas, elevações) e tabelas. Segundo
                  viajou para a Aldeia Ypawu, em território Kamayurá no   o arquiteto, esses indígenas têm orgulho de construir
                  Alto Xingu, para dar apoio a essa empreitada especial- suas casas. “O objetivo deles, por meio do Manual, é o
                  mente na elaboração e armazenamento dos desenhos   recenseamento do saber construir e a equalização do
                  no computador.                                  saber entre eles. A ideia é a de envolver os jovens na
                    “Quando chegamos ao Xingu constatamos que alguns   construção das moradias e as lideranças acreditam que
                  indígenas já tinham conhecimentos preliminares de dese- este manual com as técnicas tradicionais vai ajudá-los.”
                  nhos técnicos. Lançamos então a questão: como é o   Os primeiros elementos a serem colocados na cons-
                  território Kamayurá? Ajoelhados sobre um grande papel   trução de uma casa Kamayurá são os pilares centrais,
                  branco eles desenharam a aldeia com suas ocas, rio,  seguidos dos mourões que formam o perímetro. A oca
                  pássaros, árvores... A oca era uma representação tradi- é composta por duas estruturas leves conectadas como
                  cional deles e serviu de base para o início de trabalho”,  se fossem duas cestas sobrepostas. Estas cestas são
                  diz Luis Octavio de Faria e Silva, arquiteto, professor e   presas por amarrações verticais e horizontais. A palha é
                  coordenador da plataforma. “Embora haja diferenças   colocada por último de baixo para cima. Construir uma
                  entre algumas etnias, os sistemas construtivos do Xingu   casa, para os Kamayurá, é também diversão.
                  têm muito em comum. A unidade arquitetônica é a oca,   As ocas constituem um espaço de meia escuridão
                  cuja quantidade na aldeia pode variar de acordo com a   e de privacidade, mas ao mesmo tempo são um lugar
                  população residente”. Com formas ovaladas elas são   aberto. Em cada uma delas vivem cerca de 20 pessoas,
                  distribuídas em círculo e é ali que fazem algumas ativi- de famílias aparentadas. Essas casas, em geral duram
                  dades domésticas, menos acender o fogo para cozinhar.  de oito a 10 anos. “Eles costumam fazer manutenção
                    No interior das ocas, em suas extremidades eles   se a construção estiver muita velha, mas os Kamayurá
                  penduram as redes e a parte central é reservada para   preferem construir uma oca nova. E, quando isso ocorre,
                  o comércio e rituais. “O chefe da família se ocupa da   todo o material da construção antiga é reutilizado ou
                  construção de sua casa junto com os parentes, onde   queimado, eles não acumulam resíduos na aldeia. De
                  cada membro tem saberes diferentes e múltiplos que   uma maneira geral, eles têm compreensão da cultura
                  funcionam em conjunto”. As construções são feitas com   deles, percebem a interação harmônica com o bioma,
                  materiais retirados da floresta e executadas com as téc- mas não são deslumbrados.”
                  nicas tradicionais, com tetos de palha que se estendem   No momento, o que existe em circulação pela internet
                  até o chão. Esses elementos combinam economia de   é uma versão do Manual impresso na aldeia, que já foi
                  materiais e a elegância formal. “Caso fique um pouco   revisado pela Escola da Cidade e enviado ao Xingu. Os   GABRIELA RUDGE | SABRINA CARVALHO DIAS
                  irregular eles não se importam, o que vale é a coesão do   arquitetos aguardam as observações ou possíveis cor-
                  conjunto”, garante Luis Octavio. Segundo ele, os Kamayurá   reções dos Kamayurá. A intenção é fazer, depois de tudo
                  mantêm uma relação de olhar curioso sobre o que está   revisado, uma versão em inglês para que possa circular
                  fora de sua cultura. Hoje eles também fazem casas de   em vários países.


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