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PRÊMIOS PIPA
Com uma estética bastante peculiar, de cores fortes e
referências ao universo da internet, o artista questiona
as ideias de bom gosto e os padrões visuais hegemôni-
cos, por vezes de modo debochado e irônico. Formado
em arquitetura em Bruxelas, ele conta que achava a
forma de apresentação usual dos projetos, tudo meio
cinza e neutro, “uma cafonice”. Preferiu retomar suas
referências de infância e adolescência, de novelas e
videoclipes a programas da Xuxa – “acho que o pop
mexe mais com o coração, tem esse impacto direto
e mais abrangente” –, e aprofundar “a pesquisa da
estética como ficção, ao observar como cada seg-
mento social cria uma estética ficcional que carrega
consigo códigos bem definidos”.
Seu Atlas deve ganhar agora episódios na Suíça,
“que tem essa narrativa superficcional de perfeição”,
na Itália, “à procura das raízes do cristianismo e do
fascismo, muito importantes para entender São
Paulo e o Sul do Brasil”, e no México. Guerreiro foi
o vencedor, este ano, do Prêmio Pipa, um dos mais
importantes das artes visuais no país, e concedeu
entrevista à ARTE!Brasileiros.
ARTE!Brasileiros – Para começar, queria te perguntar de
onde vem esse nome, Guerreiro do Divino Amor, e o que ele
significa para você.
GUERREIRO DO DIVINO AMOR — Guerreiro é meu sobre-
nome mesmo. Já Divino Amor foi uma brincadeira
que surgiu quando eu era adolescente e meu pai
namorava uma pastora. Ela queria me colocar para
dentro da igreja, e foi um pouco uma provocação, eu
queria montar uma banda de heavy metal para atuar
na igreja. Nunca aconteceu, mas gostei muito do
nome, Guerreiro do Divino Amor. Depois foi ganhando
muitos significados ligados ao meu trabalho e à Sim, acho que foi um motor. Morava na Europa, num contexto onde
vida, até que hoje ele representa como que minha todos eram relativamente misturados, e volta e meia frequentava
missão de vida. a família no Brasil, uma gente profundamente racista, muito fúteis,
mas com certo verniz culto, uma obsessão por poder, hierarquia e
Nunca conseguiram te cooptar para a igreja? status e a certeza de saber que tudo e todos estão em seu devido
Não. Na verdade eu fiquei muito curioso com aquele lugar. Queria entender quais eram os mecanismos de perpetuação
universo, neopentecostal, que eu não conhecia bem. dessa casta que continuava vivendo na época do Brasil colônia sem
Foi um dos motores do meu trabalho, tentar entender ser perturbada. E também desse mundo evangélico. São mundos
aquela fé arrebatadora e ao mesmo tempo com uma fechados em si, com respostas para tudo. Comecei a analisar, a
estética muito forte, colorida. Era envolvente. cavar, e foi aparecendo como um buraco sem fundo com raízes
muito antigas e profundas, lógicas de dominação complexas e
Me parece que várias dessas suas vivências e experiências de perversas. O trabalho é todo de desemaranhar essas estruturas,
vida estão muito presentes no seu trabalho. Você já falou de que por serem tão antigas e familiares formam como um ecos-
outra parte da família que vem de uma aristocracia decadente, sistema, uma coisa dada, atemporal. E ver o papel das mídias, da
além de sua formação na Europa... família, das genealogias, da herança, do capital simbólico nessa
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