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EXPOSIÇÕES SÃO PAULO
CARLOS MOTTA, STILL DE CORPO FECHADO: THE DEVIL’S WORK.
história real do personagem no filme se reflete na gerando novas formas de representatividade,
própria história do ator que o interpreta, é chave questionando padrões estabelecidos.
para a compreensão da mostra Nós, x inimigx, que Os chicotes expostos no segundo andar da galeria
ocupa toda a galeria, e parece mais uma mostra seguem nessa mesma chave, pois se no filme Corpo
institucional que em um espaço comercial. Fechado: a obra do diabo os chicotes são usados
Nela, Motta cria uma narrativa clara onde os tra- como forma de martírio, na série denominada Corpo
balhos são peças que se por um lado abordam Fechado, se aproximam dos objetos de fetiche da
o surgimento do preconceito contra a homosse- cultura gay. Essa cena hardcore, aliás, retratada
xualidade, ao mesmo tempo cria elementos que, por Robert Mapplethorpe (1946 – 1989) em ima-
longe de se apoiar em um discurso de vitimização, gens icônicas, como que ele insere o chicote em
vai em seu reverso para gerar a afirmação da seu ânus, é apropriada por Motta, que reencena a
cultura queer. fotografia de 1978, escurecendo-a, em uma espécie
Já na fachada da Vermelho isto é visto pela apro- de contextualização das questões da mostra.
priação do triângulo rosa, que no nazismo repre- É no vídeo We the enemy (2017), que dá título à
sentava os gays condenados à morte, tornando-se mostra, onde o artista posiciona a questão cen-
a obra Formas de Liberdade: Triângulo, um mural tral da mostra. Criado pelo coletivo SPIT! (Sodo-
com a própria imagem agigantada e um pôster mite, Inverts, Perverts Together), composto por
com uma linha histórica, que narra, desde 1500, Motta, o escritor John Arthur Peetz e o coreógrafo
fatos relacionados tanto ao preconceito, quanto Carlos Maria Romero, o vídeo é uma compilação
seu oposto, como a determinação, agora em 2019 de dezenas de termos depreciativos e insultos,
pelo STF que transfobia e homofobia são crimes. ditos pela artista grega Despina Zacharopoulos,
É em proposições como essa que práticas artísticas como “pervertidos, bambis, bonecas, pederastas, FOTO EDOUARD FRAIPONT
deixam de ser ilustração sobre uma temática, bichas” com uma conclusão enfática: “somos e
para se tornarem catalizadoras de experiências, sempre seremos os inimigos”.
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