Page 22 - ARTE!Brasileiros #49
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BIENAIS 21ª BIENAL SESC_VIDEOBRASIL
COMUNIDADES IMAGINADAS,
NÃO PRECISA GRITAR PARA
SER ESCUTADA
21ª EDIÇÃO DA BIENAL SESC_VIDEOBRASIL, INAUGURADA NO SESC 24
DE MAIO, TEM SEUS PONTOS ALTOS NA DIVERSIDADE DE TEMAS
POR MARIA HIRSZMAN
A DIVERSIDADE DE TEMAS, poéticas e aborda- misto de sutileza e pontaria aguda o aniquilamento
gens da 21ª edição do Videobrasil é um de seus da cultura ancestral indígena e os efeitos da colo-
pontos altos. Não existem redundâncias ou sobre- nização sobre o povo indígena. Ela comparece na
posições entre as mais de 60 obras selecionadas mostra com dois trabalhos: a instalação intitulada
para a mostra, que pela primeira vez na história Somos aún!, feita a partir da somatória de uma
conta com um fio condutor definido antes mesmo série de esculturas de caráter antropomórfico, que
da convocatória. “Comunidades Imaginadas”, mote mesclam vestígios de culturas ancestrais a uma
inspirado na obra de Benedict Anderson, torna- persistente defesa do imaginário popular, e um
-se um guia potente, mas não impositivo, que vídeo tocante, Eu Sobreviverei a Vocês, no qual são
permitiu congregar um leque amplo de pesquisas vistas imagens em grande proximidade as formas
cuja principal característica comum talvez seja a de um antigo vaso do século 7 da civilização moche,
maneira delicada com que tratam de questões célebre por seu trabalho em cerâmica, guardado
muitas vezes dramáticas. no Museu Etnológico de Berlim. Enquanto se perde
Destruição, ameaça de extermínio, visão distorcida nas formas sinuosas e misteriosas desse objeto
de mundo em função de preconceitos raciais, eco- arqueológico, o espectador escuta uma narrativa
nômicos ou sociais são aspectos largamente trata- estranha, um tanto surreal, feita em primeira pes-
dos pelos 50 artistas selecionados pela comissão soa pelo vaso, narrando desde sua confecção até
julgadora e pelos 5 convidados pela curadoria. seu encerramento num museu distante.
E, no entanto, predomina na mostra uma certa A cultura milenar de seu povo também é o tema do
sutileza, uma aposta na potência transformadora trabalho de Dana Awartani. Numa relação especu-
da arte, que não precisa gritar para ser escutada. lar entre vídeo e instalação, a artista árabe tece um
Alguns exemplos demonstram claramente essa crítico comentário sobre o abandono da milenar
defesa da utopia diante da tragédia contemporâ- arquitetura Hejazi, típica de sua região até o início
nea. Trabalho com grande destaque na exposição, de um processo de modernização avassalador,
a série de fotos de paisagens urbanas feitas por iniciado nos anos 1950. Dana recobre o chão de sua
Hrair Sarkissian, sírio radicado na Inglaterra, lida instalação com um tapete de belos ladrilhos com
de forma sutil e surpreendente com as repressões padronagem geométrica, tipicamente islâmica,
totalitárias ao mostrar lugares onde costumam ser feito pacientemente com areias coloridas. A efe-
feitas as execuções públicas em diversos países meridade da composição fica ainda mais evidente
onde a pena de morte é política de Estado. diante do vídeo, que mostra a artista varrendo a
A peruana Claudia Martínez Garay explora com um mesma formação, numa das poucas casas com esse
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