Page 36 - ARTE!Brasileiros #46
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ANÁLISE ARTE E TENDÊNCIAS






             MUITO ALÉM DA ARTE





             ESCOLHA DE COLETIVO DA INDONÉSIA RUANGRUPA
             PARA DIREÇÃO ARTÍSTICA DA DOCUMENTA REFORÇA
             TENDÊNCIA DE PROPOSTAS QUE ULTRAPASSAM ESPAÇOS
             CONVENCIONAIS COMO MUSEUS E GALERIAS


             POR FABIO CYPRIANO


             A ESCOLHA DO COLETIVO RUANGRUPA (isso mesmo, com letra
             minúscula iniciando um nome próprio e que, em tradução livre
             do indonésio, significa “um espaço para a arte “)  para a direção
             artística da Documenta 15, que será realizada em 2022 na cidade
             de Kassel, é uma decisão coerente e afinada com o atual estado
             da arte contemporânea.
             Por um lado a escolha é surpreendente, frente ao ataque que a
             instituição teve pelos governantes locais, quando edição anterior
             teve um déficit de R$ 32 milhões, grande parte causada pelo com-
             partilhamento da mostra com a cidade de Atenas, chegando a um
             orçamento total de R$ 202 milhões.
             Foram ataques de conteúdo político, típicos da atual estratégia da
             guerra contra a cultura, também em voga no Brasil, que ignoraram
             as questões essenciais da exposição, concentrando-se em uma perda
             econômico-financeira, quando se sabe que arte e cultura não dão
             lucro em nenhum lugar. A Documenta 14 teve recorde de público,
             com 1,23 milhão de visitantes, contra 904 mil da edição anterior.
             Mas o ponto essencial é que a Alemanha não se curvou às falas de
             políticos desavisados e, honrando a tradição democrática da Docu-
             menta, convidou para integrar a equipe de seleção oito especialistas
             de renome internacional, entre eles, a diretora da Tate Modern,
             Frances Morris; a curadora sul-africana Gabi Ngcobo; o diretor do
             museu Van Abbe, Charles Esche, e o diretor da Pinacoteca de São
             Paulo, Jochen Volz. Esses quatro nomes já apontam para a repre-
             sentatividade da diversidade cultural do comitê.
             “Escolhemos o ruangrupa graças à habilidade que o grupo
             demonstrou em chamar várias comunidades, incluindo públicos
             que vão além das audiências tradicionais do meio artístico, e
             promover participação e compromissos locais”, afirmou a equipe,
             em nota à imprensa.
             Essa declaração ressalta dois eixos que merecem ser observados
             com atenção e refletem algumas das propostas mais importantes
             do sistema de arte atual: ir além das “audiências tradicionais” e o
             envolvimento com o contexto.


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