Page 31 - ARTE!Brasileiros #46
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AMADEO LUCIANO LORENZATO, SEM TÍTULO, 1990/1991 E RIRKRIT TIRAVANIJA, SEM TÍTULO, 2018


                     eles adquirem dentro de seus corpos pela ingestão de   fundamentou os meus trabalhos anteriores sobre a
                     amostras. O fato de o Ooloi “ingerir” amostras de nosso   Amazônia, que focavam no legado de incursões de
                     mundo vivo para compreendê-lo/decodificá-lo oferece   profissionais extrativistas e deslocamentos arquite-
                     uma conexão a Antropofagia, sobre canibalizar a cultura   tônicos na floresta.
                     como estratégia de sobrevivência: “Só a antropofagia
                     nos une”. Aposto que Manifesto Antropofágico foi uma   A!B: Qual a ligação dos seus trabalhos com os pensamentos
                     das referências de Butler. Eu também estou particular-  das grandes nações sobre o meio ambiente hoje?
                     mente interessada na protagonista da trilogia, Lilith, que   As obras da Art Basel HK abordam a pegada da
                     incorpora características de um guerreiro amazônico.   sociedade de consumo na sedimentação geológica
                     Ela é resistente e resiliente e dá origem a uma nova   da Terra como um alerta para uma mudança com-
                     civilização de híbridos.                          portamental coletiva atrasada que reconhece que
                                                                       os seres humanos são parte da natureza e que pre-
                     A!B: Como o seu olhar se voltou para a Amazônia?  cisamos trabalhar contra a passividade que cerca
                     A floresta tropical da Amazônia se repete em meu traba-  essa questão.
                     lho como um local particularmente rico para investigar   Acredito que parte dessa obsessão espacial vem de
                     as implicações das cadeias de commodities do capita-  nossa ansiedade sobre os resultados potencialmente
                     lismo global e, portanto, uma perpetuação das forças   catastróficos do aquecimento global na Terra, e a
                     coloniais representadas no meio ambiente, culturas e   outra parte é apenas a cultura do medo em jogo para
                     povos da região. Mas a Amazônia é o lado reprimido das   justificar a criação de uma indústria interplanetária
                     narrativas da modernidade brasileira que retratam a   que pode eventualmente usar dinheiro e recursos
                     capital do Brasil à frente e no centro. Crescer em Brasília   públicos. Os trabalhos da Art Basel HK concentram-
                     instigou meu interesse por aquelas contranarrativas   -se na corrida espacial para Marte como uma forma
                     não reconhecidas, implícitas no ambiente fabricado, e   ilusória de abordar as questões ambientais atuais.




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