Page 21 - ARTE!Brasileiros #46
P. 21
trata muito mais de ouvir essas vozes ou, ainda, criar
juntos outras vozes possíveis. “Então a gente sempre se
pergunta qual pode ser a nossa contribuição. O registro
que a gente faz em audiovisual tem que ir para um outro
lugar, que vem do encontro, do diálogo entre as nossas
vontades de observar, de compreender e de questionar
e a vontade artística deles, das pessoas com quem a
gente colabora”, diz Wagner.
O que resulta, portanto, vem de um fazer compartilhado
que chega a algo novo. De algum modo remete a filmes
etnoficcionais de Jean Rouch, que criava narrativas junto
aos protagonistas, ao mesmo tempo que transparece
menos improvisação que os trabalhos do francês. Para
a dupla, o trabalho conjunto começa no planejamento
e no roteiro, segue na filmagem, e continua, posterior-
mente, em toda a carreira da obra. “A gente mantém
contato com todo mundo que a gente trabalhou desde
o primeiro filme até hoje, e eles sempre sabem onde os
filmes estão circulando”.
DA EUROPA PARA O BRASIL
Wagner e De Burca já desenvolviam trabalhos autorais
quando se conheceram na Europa, no fim de 2009,
na época em que a artista realizava seu mestrado em
Artes Visuais na Holanda. Wagner, nascida em Brasília
e formada em jornalismo em Recife, aprofundava uma
pesquisa principalmente fotográfica, já centrada em
questões do corpo e nos campos da cultura pop e da
tradição. Benjamin, nascido em Munique (Alemanha),
com graduação e pós-graduação em Artes concluídas
em Glasgow (Escócia) e Belfast (Irlanda do Norte), tinha
um trabalho focado principalmente em colagens, foto-
grafias e pintura.
A primeira obra feita em parceria começou a ganhar
forma quando os dois se mudaram para a capital per-
nambucana no fim de 2012, em “um período muito inte-
ressante para se observar o que era a representação de
uma nova classe média no Brasil”. Edifício Recife (2013),
bebem o tempo inteiro dessa produção cultural central, uma série fotográfica acompanhada de pequenas entre-
ao mesmo tempo não precisam dela, não são depen- vistas, analisa “a relação entre as esculturas de prédios
dentes do mainstream e dos meios de comunicação nobres de Recife e os porteiros destes edifícios”. Apesar
convencionais. São grupos que encontram saídas para de não ser centrada em questões musicais ou do corpo,
sua própria existência, dentro desse universo de trocas o trabalho já apresentava várias das temáticas desen-
entre centro e periferia”. volvidas posteriormente pela dupla, como o contraste
Neste sentido, Wagner e De Burca questionam a noção, entre classes sociais e o uso do espaço urbano.
em voga em setores do ativismo político e em áreas das No mesmo ano surgiu a primeira obra audiovisual, Cinéma
ciências sociais, de “dar voz” às minorias e aos margi- Casino (2013), uma investigação sobre o gênero musical
nalizados. Para a dupla, esses grupos têm voz própria, maloya entre as novas gerações na Ilha da Reunião.
“sabem muito bem como se apresentar”, e o trabalho Comissionado para a 4 Bienal do Oceano Índico, o
a
21
ARTE_46_Marco2019.indb 21 25/03/19 14:33