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BIENAIS 58ª BIENAL DE VENEZA
que acha que o filme é propaganda conservadora dos dupla – que sempre trabalha com o diretor de fotografia
evangélicos, outros acham que a gente pode ter até Pedro Sotero (parceiro de filmes de Kleber Mendonça).
debochado deles”, ela comenta. O curioso, segundo De “Acho que se não fosse esse rigor do cinema, com alta
Burca, é que os trechos que soam mais ficcionais nos qualidade de som e imagem, a gente perderia todo o
filmes são sempre concebidos nos processos de criação nosso esforço em promover uma relação empática com
com os próprios personagens, a partir de coisas que o conteúdo do trabalho”, afirma Wagner.
existem em suas vidas. Swinguerra, que está em fase de pós-produção, é o
“Na prática artística desses grupos, sejam cantores, dan- trabalho que representará o Brasil na 58 Bienal de
a
çarinos, produtores musicais do brega, do schlager, do Veneza, comissionado para tal a partir da escolha de
gospel ou da swingueira, essa fantasia é muito presente. Gabriel Pérez-Barreiro. O novo filme apresenta três
Não há limites entre ficção e realidade. Entrar e sair do grupos: os de swingueira, que se reúnem em quadras
espetáculo é uma prática que eles manejam muito bem, de escolas públicas de Recife e preparam coreografias
e o limite entre uma coisa e outra fica muito fluido”, diz para socializar e competir entre si; os dançarinos de
Wagner. “Acho que o cinema permite o manejo entre essas brega funk, que derivam da swingueira, mas trabalham
narrativas e, para nós, borrar esses limites é importante comercialmente em palcos de boates e em shows de
até mesmo para suspender o julgamento sobre o que MC’s; e os do chamado passinho do maloka, adolescen-
se está vendo.” Fazer a câmera tremer no momento do tes que criam danças e coreografias para se divertir e
“terremoto”, seria como “fazer tremer” qualquer tipo de divulgar no Instagram: “Da quadra, para o palco, para
leitura fácil sobre o trabalho da dupla. “A gente não tem o Instagram. No filme nós cruzamos essas expressões,
nenhum pudor em levar às últimas consequências essa seus códigos, corpos e gestos”.
ideia de que um filme pode falar da realidade, mas ao Em uma prática multidisciplinar, que mistura cinema,
mesmo tempo ser completamente fantasioso. Queremos artes visuais, performance, música, dança e antropologia,
criar fissuras”. no qual o fazer é compartilhado e onde surgem questões
RISE (2018), curta que venceu o Audi Short Film Award na de gênero, raça, classe e indústria cultural, Bárbara
Berlinale deste ano, dá continuidade à essa ideia. Filmado Wagner e Benjamin de Burca têm consciência da respon-
em uma estação de metrô recém-inaugurada na periferia sabilidade política de seus trabalhos, especialmente no
de Toronto, o trabalho foi realizado com integrantes do contexto atual brasileiro. “Esse lugar em que ao invés de
grupo Reaching Intelligent Souls Everywhere, que reúne ‘dar voz’ procura-se ouvir, ou falar junto, é possivelmente
jovens rappers, poetas e cantores afrodescendentes da um lugar de resistência. Porque isso mostra como esses
cidade. O curta, que foi comissionado pela AGYU (Art Gal- grupos que a gente encontra, esses artistas, criam suas
lery of York University), chama atenção, talvez de modo próprias saídas para resistir no mundo. E trabalhar junto
ainda mais acentuado que outros filmes, para o extremo com eles é, portanto, participar da construção destas
cuidado técnico e estético que percorre a produção da formas de resistência”.
BIENAL DE VENEZA TEM COMO TEMA OS ATUAIS “TEMPOS INTERESSANTES”
Com curadoria do americano Ralph Rugoff – diretor da London’s Hayward Gallery e curador da Bienal de
Lyon de 2015 –, a Bienal de Veneza realiza sua 58ª edição entre os dias 11 de maio e 24 de novembro de
2019, sob o tema amplo “Que Você Viva em Tempos Interessantes”. O evento reunirá representações de 90
países (com curadorias próprias), além de uma grande exposição geral e mostras paralelas pela cidade.
Apesar do aparente otimismo, o título da edição remete a uma antiga maldição chinesa que desejava
tempos de incerteza e turbulência. Desse modo, segundo Rugoff, a edição pretende abarcar temas
variados ligados ao momento global de crise, precariedade e desconfiança. Não deixará, no entanto, de
falar de possíveis alternativas, encontros, do prazer e da “aprendizagem criativa que a arte torna possível”.
O Brasil, que não tem nenhum artista presente na mostra geral, apresenta em seu pavilhão nacional o
trabalho de Bárbara Wagner e Benjamin de Burca, sob curadoria de Gabriel Pérez-Barreiro.
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