Page 24 - ARTE!Brasileiros #46
P. 24

BIENAIS 58ª BIENAL DE VENEZA

             que acha que o filme é propaganda conservadora dos   dupla – que sempre trabalha com o diretor de fotografia
             evangélicos, outros acham que a gente pode ter até   Pedro Sotero (parceiro de filmes de Kleber Mendonça).
             debochado deles”, ela comenta. O curioso, segundo De   “Acho que se não fosse esse rigor do cinema, com alta
             Burca, é que os trechos que soam mais ficcionais nos   qualidade de som e imagem, a gente perderia todo o
             filmes são sempre concebidos nos processos de criação   nosso esforço em promover uma relação empática com
             com os próprios personagens, a partir de coisas que   o conteúdo do trabalho”, afirma Wagner.
             existem em suas vidas.                            Swinguerra, que está em fase de pós-produção, é o
             “Na prática artística desses grupos, sejam cantores, dan-  trabalho que representará o Brasil na 58  Bienal de
                                                                                                    a
             çarinos, produtores musicais do brega, do schlager, do   Veneza, comissionado para tal a partir da escolha de
             gospel ou da swingueira, essa fantasia é muito presente.   Gabriel Pérez-Barreiro. O novo filme apresenta três
             Não há limites entre ficção e realidade. Entrar e sair do   grupos: os de swingueira, que se reúnem em quadras
             espetáculo é uma prática que eles manejam muito bem,   de escolas públicas de Recife e preparam coreografias
             e o limite entre uma coisa e outra fica muito fluido”, diz   para socializar e competir entre si; os dançarinos de
             Wagner. “Acho que o cinema permite o manejo entre essas   brega funk, que derivam da swingueira, mas trabalham
             narrativas e, para nós, borrar esses limites é importante   comercialmente em palcos de boates e em shows de
             até mesmo para suspender o julgamento sobre o que   MC’s; e os do chamado passinho do maloka, adolescen-
             se está vendo.” Fazer a câmera tremer no momento do   tes que criam danças e coreografias para se divertir e
             “terremoto”, seria como “fazer tremer” qualquer tipo de   divulgar no Instagram: “Da quadra, para o palco, para
             leitura fácil sobre o trabalho da dupla. “A gente não tem   o Instagram. No filme nós cruzamos essas expressões,
             nenhum pudor em levar às últimas consequências essa   seus códigos, corpos e gestos”.
             ideia de que um filme pode falar da realidade, mas ao   Em uma prática multidisciplinar, que mistura cinema,
             mesmo tempo ser completamente fantasioso. Queremos   artes visuais, performance, música, dança e antropologia,
             criar fissuras”.                                  no qual o fazer é compartilhado e onde surgem questões
             RISE (2018), curta que venceu o Audi Short Film Award na   de gênero, raça, classe e indústria cultural, Bárbara
             Berlinale deste ano, dá continuidade à essa ideia. Filmado   Wagner e Benjamin de Burca têm consciência da respon-
             em uma estação de metrô recém-inaugurada na periferia   sabilidade política de seus trabalhos, especialmente no
             de Toronto, o trabalho foi realizado com integrantes do   contexto atual brasileiro. “Esse lugar em que ao invés de
             grupo Reaching Intelligent Souls Everywhere, que reúne   ‘dar voz’ procura-se ouvir, ou falar junto, é possivelmente
             jovens rappers, poetas e cantores afrodescendentes da   um lugar de resistência. Porque isso mostra como esses
             cidade. O curta, que foi comissionado pela AGYU (Art Gal-  grupos que a gente encontra, esses artistas, criam suas
             lery of York University), chama atenção, talvez de modo   próprias saídas para resistir no mundo. E trabalhar junto
             ainda mais acentuado que outros filmes, para o extremo   com eles é, portanto, participar da construção destas
             cuidado técnico e estético que percorre a produção da   formas de resistência”.





              BIENAL DE VENEZA TEM COMO TEMA OS ATUAIS “TEMPOS INTERESSANTES”

              Com curadoria do americano Ralph Rugoff – diretor da London’s Hayward Gallery e curador da Bienal de
              Lyon de 2015 –, a Bienal de Veneza realiza sua 58ª edição entre os dias 11 de maio e 24 de novembro de
              2019, sob o tema amplo “Que Você Viva em Tempos Interessantes”. O evento reunirá representações de 90
              países (com curadorias próprias), além de uma grande exposição geral e mostras paralelas pela cidade.
              Apesar do aparente otimismo, o título da edição remete a uma antiga maldição chinesa que desejava
              tempos de incerteza e turbulência. Desse modo, segundo Rugoff, a edição pretende abarcar temas
              variados ligados ao momento global de crise, precariedade e desconfiança. Não deixará, no entanto, de
              falar de possíveis alternativas, encontros, do prazer e da “aprendizagem criativa que a arte torna possível”.
              O Brasil, que não tem nenhum artista presente na mostra geral, apresenta em seu pavilhão nacional o
              trabalho de Bárbara Wagner e Benjamin de Burca, sob curadoria de Gabriel Pérez-Barreiro.




            24




         ARTE_46_Marco2019.indb   24                                                                             25/03/19   14:33
   19   20   21   22   23   24   25   26   27   28   29