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MEMÓRIA ATO INSTITUCIONAL N  5
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             SILÊNCIO E APAGAMENTO EM TORNO DO AI-5





             ENCONTRO DISCUTE A HERANÇA DO PERÍODO DITATORIAL E O RETROCESSO REPRESSIVO VIVENCIADO NA ATUALIDADE


             POR MARIA HIRSZMAN



             “O BRASIL TEM UM ENORME PASSADO PELA FRENTE”:     política por parte do aparelho de Estado, não é fruto
             a frase de Millôr Fernandes nunca pareceu mais atual e   apenas do aniversário de 50 anos do Ato Institucional n.
                                                                                                             o
             resume com precisão a sensação de parte significativa   5, mas sim da sensação de que era preciso tratar dessas
             do público que se reuniu na última semana de outubro   questões latentes. Ele nasce tanto da experiência de
             no Instituto Tomie Ohtake para debater o futuro do   reunir obras contemporâneas interessadas em lidar com
             País, às vésperas da eleição de Jair Bolsonaro à Presi-  esses fantasmas como do esforço em criar um espaço
             dência da República. O encontro, organizado em torno
             da exposição “AI-5 – Ainda não terminou de acabar”,
             desempenhou uma dupla e profundamente conectada    ANTONIO DIAS, THE LAST BEDROOM , 1968, ÓLEO SOBRE TELA,
             missão: discutir o conteúdo da exposição em cartaz   PLÁSTICO, 61 X 50 CM, COLEÇÃO MARTA E PAULO KUCZYNSKI
             no centro cultural até o último dia 4 de novembro e
             ao mesmo tempo atualizar essa reflexão até os dias
             de hoje, evidenciando os nexos entre a herança do
             período ditatorial e o retrocesso repressivo vivenciado
             na atualidade.
             Mais uma vez, constatou-se que o silêncio e o apaga-
             mento em relação aos feitos no período da ditadura são
             profundamente responsáveis pelo retorno virulento de
             políticas de negação dos fatos históricos, de hostilidade
             em relação a práticas culturais que se propõem a expor
             as feridas do passado e do presente, e pelas tentativas
             crescentes de forjar narrativas que reconstroem e modifi-
             cam esse passado, transformando as vítimas em algozes
             e os algozes em heróis. Estudantes, artistas, críticos e
             editores presentes na Assembleia foram unânimes em
             concordar que o silêncio é o principal responsável por
             esse fantasmagórico renascimento das ações repressivas.
             E não apenas em relação ao passado mais recente. Tal
             fenômeno se repete em processos históricos mais longos,
             como a escravidão e o genocídio indígena, negados por
             não terem sido devidamente expurgados. Esse diagnóstico
             compartido repete de certa forma aquele já esboçado na
             exposição “Osso”, realizada no mesmo espaço também
             com curadoria de Paulo Miyada e que é assumidamente
             o ponto de partida da mostra sobre o AI-5.
             O desejo de refletir sobre esse momento terrível da his-
             tória brasileira, de suspensão de direitos e perseguição


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