Page 12 - ARTE!Brasileiros #43
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O QUE NOS UNE?
POR PATRICIA ROUSSEAUX, DIRETORA EDITORIAL
QUANDO O ESCRITOR, educador e presidente bens materiais, ainda seriam substituídos pelos
argentino Domingos Faustino Sarmiento escre- privilégios derivados das relações sexuais, que
veu, em 1845, Facundo: Civilización y Barbárie, necessariamente devem se transformar em fonte
tentou retratar a formação nacional argentina da mais intensa inveja e da mais violenta hostili-
por meio das relações do homem do deserto, “do dade entre os seres humanos.”...”Evidentemente
pampa”, versus o homem da cidade e a força que ao homem não lhe é fácil renunciar à satisfação
a colonização europeia teria tido nas cidades. A das suas tendências agressivas; não fica nem um
existência de dois países, um civilizado – branco, pouco confortável sem essa satisfação”.
ilustrado, integrado com a Europa – e um bárbaro “Por outra parte, um núcleo cultural mas restrin-
– a Argentina do analfabetismo, dos mestiços, do gido oferece a vantagem de permitir a satisfação
isolamento, da violência: uma antítese que colocava deste instinto através da hostilidade frente a
em jogo a possibilidade de construir um corpo de sujeitos que ficaram excluídos daquele (núcleo).
nação. A obra é considerada fundadora da litera- Sempre terá mais facilidade para se vincular
tura argentina pelo pioneirismo na ruptura com os mais amorosamente entre sí, com a condição de
padrões do romanticismo europeu. que sobrem outros em quem descarregar seus
Em 1930, Sigmund Freud escreveu O Mal-estar na golpes” (pag. 3049, El Mal-estar en la cultura,
Cultura (na tradução brasileira editado também Sigmund Freud, Obras Completas, Biblioteca
como O Mal-estar na Civilização). Nesse texto Nueva Madrid, 1981).
chave da sua obra, Freud (se concorde ou não) Nossa pulsão pela vida e pela morte bate sempre,
coloca por terra qualquer ilusão sobre a possi- mas não igual.
bilidade dos homens virem a coexistir em paz. Esta edição mostra, através de uma primorosa
Ou qualquer teoria que, vinda de um conceito recapitulação de imagens, arquivos e obras apre-
político, econômico ou sociológico, sugira que sentadas por artistas, fotógrafos e pensadores,
o homem consiga se relacionar num encontro como no passar do tempo não conseguimos sair
cordial, solidário, onde supostamente teríamos do lugar: como os conflitos entre norte e sul, entre
acesso a um objetivo superior, deixando de nos classes e poder geopolítico estão sempre a serviço
comportar como animais. de uma subjugação de uns pelos outros. O preto
Para ele, “o instinto agressivo não é uma conse- pelo branco, o colonizado pelo colonizador.
quência da propriedade, esta já regia quase sem E também como, exatamente por conta dessa difi-
restrições nas épocas primitivas, quando a pro- culdade, a arte resulta num suporte permanente
priedade ainda era pouca coisa, (a agressividade) para trabalhar o desamparo. OBRA DE EMANOEL ARAÚJO, EXÚ, 2010. FOTO JORGE BASTOS
já se manifesta na criança, apenas a propriedade
há perdido sua forma anal; constitui o sedimento PS: Boas notícias: duas Fundações Privadas, uma
de todos os vínculos carinhosos e amorosos... que faz 45 anos e outra que inaugura, expõem
Se se eliminasse todo direito pessoal a possuir seus acervos ao público! Isso nos une.