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INTERNACIONAL dOCUMENTA 14 KASSEL
VISTA DA INSTALAÇÃO DE LORENZA BOETTNER QUE REÚNE DESENHOS, PINTURAS E MATERIAIS DE ARQUIVO DA ARTISTA
abordam o assassinato de Halit Yozgat (1985 – 2006), a arte e pintou vistas da Acropois, uma das marcas do
filho de imigrantes turcos, que nasceu e morreu em Kas- romantismo alemão. Trazer à tona a questão Gurlitt,
sel, vítima de um grupo terrorista neonazista. Ocorrido relacionando arte e nazismo é dos pontos altos da mostra.
há dez anos e até hoje sem julgamento, o crime em um Essa rede de conexões entre passado e presente, Kassel
internet café é remontado seguindo técnicas de polícia e Atenas, ganha contornos militantes quando é vista
científica por um grupo denominado The Society of a obra de Lorenza Böttner (1959 – 1994), que nasceu
Friends of Halit (Sociedade dos amigos de Halit). Ernst Lorenz no Chile de família alemã. Tendo perdido os
Nessa seção da mostra, muitas obras fazem referência braços na infância, ela retorna com a mãe à Alemanha,
a questão da imigração em Kassel, como a série de foto- estuda arte em Kassel e aprende a pintar com a boca e
grafias da palestina Ahlam Shibli, que produziu imagens os pés, realizando obras impactantes, tendo defendido
da integração de estrangeiros na cidade, como o time de uma tese contra o conceito de incapacitados.
futebol, FC Bosporus, com maioria de jogadores turcos, Gestos radicais são vistos, sem uma carga tão dramática,
mas incluindo também líbios, croatas e até alemães, e nas obras das militantes feministas de Annie Sprinkle
participa da 5 divisão. e Beth Stephens, que desde os anos 1960 produzem
a
Traumas da sociedade contemporânea são abordadas lá trabalhos que abordam questões de gênero.
pelo artista espanhol Daniel García Andújar, que refaz a Em Kassel, a documenta 14 se divide em 33 espaços,
série de Goya Os desastres da Guerra, a partir de cenas alguns com apenas uma obra, outros com cerca de 100
reais de conflitos atuais, e ainda criou um “antimonu- artistas, como a Neue Galerie, onde Gerhard Richter com-
mento” sobre uma efeméride nazista de Kassel, que parece, por exemplo, com apenas um pequeno retrato
seria queimado em junho. de Arnold Bode (1900 – 1977), o criador da documenta,
Os traumas do nazismo, contudo, ganham de fato contun- que também é tematizada no espaço.
dência na tradicional Neue Galerie, um museu local, que Juntando Atenas e Kassel, são mais de 250 artistas,
pela primeira vez é inteiramente tomado pela documenta sendo 149 vivos, 106 mortos, uma quantidade impressio-
e cria relações densas sobre a história alemã. Entre as nante, numa mostra grandiosa e complexa, como pouco
tramas criadas nesse espaço, vem à tona um dos desejos se tem visto, por tecer tantas relações, tratar de tantos
da curadoria, que era expor toda a coleção de Cornelius assuntos, ser generosa em tantas linguagens, estar
Gurlitt, com 1.285 obras confiscadas pela justiça alemã, presente em tantos espaços. É praticamente impossível
em 2012, por terem origem em obras confiscadas pelos dar conta de tudo, mesmo quem esteve com tempo em
nazistas, incluindo muitos mestres modernistas como ambos os lugares, mas o sentimento final é que essa
Monet, Matisse, Renoir e Chagall. Sem condições de trazer documenta fica marcada como uma exposição que
a coleção, que foi reunida pelo galerista e historiador de se constitui em redes, valorizando espaços públicos,
arte Hildebrand Gurllit (1895 – 1956), em um ato polêmico, trocas, questões prementes, ou seja, tudo que a onda FOTO MATHIAS VOELZKE
Szymczyk apresenta obras do pintor Louis Gurlitt, o avô neoliberal não gosta. Novamente, Kassel, e agora junto
de Hildebrand, que deu início à relação da família com com Atenas, faz história.
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Book_ARTE 40_Bilingue.indb 18 9/21/2017 3:54:46 PM