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BIENAL VENEZA
FORA DE ENQUADRAMENTO
PRESENÇA DO ABSURDO E FORÇA ESCULTÓRICA SÃO CARACTERÍSTICAS NO TRABALHO DE CINTHIA MARCELLE,
QUE OCUPARÁ O PAVILHÃO BRASILEIRO NA BIENAL DE VENEZA EM MAIO, COM CURADORIA DE JOCHEN VOLZ
POR GUSTAVO FIORATTI
ENQUADRAR O TRABALHO da mineira Cinthia pavilhão, os traços de modernismo brasileiro e
Marcelle não é tarefa das mais fáceis. Não cabem também o fato de que ele passou por reformas,
a ela os títulos de pintora, videomaker, escultora. resultando em “uma fragilidade estrutural”. A obser-
Uma marca em sua trajetória iniciada nos anos vação prévia das instalações foi determinante para
2000 é transitar pelos suportes, dedicando-se que o curador chamasse “uma artista que, na prá-
mais a forjar no espectador, por meio de objetos, tica, consegue dominar o espaço expositivo com
vídeos e formulações espaciais, a sensação de pre- total força escultórica”.
senças anímicas do que propriamente a investigar Segundo Volz, a instalação proposta por Marcelle
as possibilidades oferecidas por uma única mídia. será aberta com uma intervenção que cria um desni-
Para a 29ª Bienal de São Paulo, em 2010, Mar- velamento no piso do pavilhão. “Quem entra ali perde
celle criou um quadro-negro de 1,20 m de altura um pouco a noção de equilíbrio. É uma obra que ativa
por 8,40 m de cumprimento: percebia-se na obra a perspectiva do espectador e que propõe incentivar
que o que fora escrito anteriormente em giz já mais as descobertas do que os julgamentos”, diz.
havia sido apagado, e havia acúmulo de pó branco Volz diz que o conjunto também inclui, mais adiante,
nas bordas da lousa e também no chão. Em dois um vídeo produzido em Belo Horizonte, retratando
vídeos, O Século (2011) e Rua de Mão Única (2013), pessoas em um lugar suspenso, com alusão a situa
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ambos de uma série chamada B, feitos com Tiago ções de rebelião em presídios ou de náufragos sobre
Mata Machado, encenam-se rebeliões em espaços uma plataforma flutuante. “A sensação é de perigo”,
públicos. No primeiro, objetos são jogados sobre define. Embora a associação com as rebeliões em
o asfalto e vão se acumulando. No segundo, há presídios brasileiros no Norte, Nordeste e no Espírito
confronto de um grupo de pessoas e algo oculto Santo no início do ano seja natural, Volz conta que
pelo enquadramento, mas que se manifesta com o filme foi pensado no ano passado e não retrata
fogo, cuja luz se expande e recua no canto da tela. essas situações específicas.
São dois trabalhos formalmente distantes entre si. Para ele, Cinthia Marcelle representa uma geração
Escolhida para ocupar o Pavilhão Brasileiro na de artistas que está claramente a par da história da
Bienal de Veneza neste ano (a megamostra começa arte brasileira do século XX, mas desenvolveu na
em 13 de maio), desde o ano passado Marcelle tem última década um vocabulário que une experimen-
elaborado seu projeto em permanente diálogo com tação visual com rigor conceitual. Ela participou de
o curador Jochen Volz. “A ideia da curadoria nasceu individuais na América do Sul e na Europa, da 11ª
de uma tentativa de saber como uma exposição Bienal do Sharjah (2015) e apresentou a instala-
podia funcionar de forma satisfatória em uma sala ção Dust Never Sleeps, em Viena (2014). Em 2006,
pequena. Achei que uma criação coletiva ali poderia recebeu o International Prize for Performance por
ser prejudicada”, diz o curador, que assinou a Bienal Gray Demonstration. Em 2010 foi agraciada na pri-
de Arte de São Paulo no ano passado e neste ano meira edição do Future Generation Prize.
assume a diretoria da Pinacoteca do Estado. Questionado sobre o papel do curador em um
Volz ressalta as características da arquitetura do momento de proximidade com a artista, em que
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Book_POR_ARTE39_v1.indb 22 03/05/17 19:43